Caírbar Schutel
Nascido na cidade
do Rio de Janeiro, a 22 de setembro de 1868 e desencarnado em Matão, Estado de
S. Paulo, no dia 30 de janeiro de 1938.
No dealbar do
século XX, quando eram ensaiados os primeiros passos no grandioso programa de
divulgação do Espiritismo, e quando a Doutrina dos Espíritos era vista como uma
novidade que vinha abalar os conceitos até então prevalecentes sobre a
imortalidade da alma e a comunicabilidade dos Espíritos, dentre os pioneiros da
época, surgiu um vulto que se destacou de forma inusitada, fazendo com que a
difusão da nova Doutrina tivesse uma penetração até então desconhecida.
O nome desse
seareiro era Caírbar de Souza Schutel, nome esse que se impôs, em pouco tempo,
ao respeito e consideração de todos. Ele jamais esmoreceu no propósito de fazer
com que a nova revelação, que vinha fazer o mundo descortinar novos horizontes
e prometia restaurar, na Terra, as primícias dos ensinamentos legados por Jesus
Cristo quase vinte séculos antes, pudesse conquistar os corações dos homens,
implantando- se na face do nosso planeta como uma nova força cujo objetivo
básico era de extirpar o fantasma do materialismo avassalador.
Biografar um vulto
dessa estirpe não é fácil tarefa, uma vez que as suas atividades não conheciam
limitações nem eram bitoladas por conveniências de grupos ou de pessoas.
Conseqüentemente, tudo aquilo que se disser sobre Caírbar Schutel não passa de
uma súmula muito apagada de uma vida cheia de lutas, de percalços e sobretudo
de ardente idealismo.
Registraremos, entretanto,
alguns dados biográficos desse insigne batalhador espírita:
Caírbar de Souza
Schutel, aos nove anos de idade, ficava orfão de pai e, seis meses após, de
mãe. Seu avô, Dr. Henrique Schutel, interessou- se pela sua educação,
matriculando- o no Colégio Nacional, depois Colégio D. Pedro II, onde estudou
durante dois anos.
Animado de novos
propósitos, abandonou os estudos e a casa do avô, passando a trabalhar como
prático em farmácia, o que fez com que, aos 17 anos de idade já se tornasse
respeitaável profissional desse ramo. Nessa época abandonou a antiga Capital
Federal e rumou para o Estado de S. Paulo, onde se localizou primeiramente em
Piracicaba e logo após em Araraquara e Matão. Esta última cidade era então um
lugarejo muito singelo, com poucas casas e dependendo quase que exclusivamente
do comércio de Araraquara, a cujo município pertencia.
Nessa humilde
cidade, Caírbar Schutel acalentou o propósito de servir à coletividade, o que
fez com que batalhasse arduamente para que Matão subisse à categoria de
Município. Conseguindo colimar esse desiderato, foi eleito seu primeiro
Prefeito.
Homem dotado de
ilibado caráter, de ampla visão e de grande humildade, conseguiu conquistar os
corações de todos. Na política não enfrentava obstáculos. Deve- se a ele a
edificação do prédio da Câmara Municipal, o que fez com seus próprios recursos
financeiros.
A política, no
entanto, não era o seu objetivo, por isso, tão logo ele teve a sua Estrada de
Damasco, representada pela sua conversão ao Espiritismo, abandonou esse campo,
passando a dedicar- se inteiramente à nova Doutrina.
Conheceu o
Espiritismo através de Manoel Pereira do Prado, mais conhecido por Manoel
Calixto, que na época era um dos poucos e o mais destacado espírita do lugar.
Embora não sendo profundo conhecedor dos princípios básicos da Codificação
Kardequiana, Manoel Calixto conseguiu impressionar o futuro apóstolo, com uma
mensagem mediúnica de elevado cunho espiritual, recebida por seu intermédio.
Em seguida a esse
episódio, Caírbar integrou- se no conhecimento das obras fundamentais da
Doutrina Espírita e, tão logo se sentiu compenetrado daquilo que ela ensina,
fundou, no dia l5 de julho de 1904, o primeiro núcleo espírita da cidade e da
zona, denominando- o "Centro Espírita Amantes da Pobreza".
Não satisfeito com
essa arrojada realização, no mês de agosto de 1905, lançou a primeira edição do
jornal "O Clarim", órgão esse que vem circulando desde então e que se
constituiu, de direito e de fato, num dos mais tradicionais e respeitáveis
veículos da imprensa espírita.
Numa época quando
pontificava verdadeira intolerância religiosa e quando o Espiritismo e outras
religiões sofriam o impacto da ação exercida pela religião majoritária, Caírbar
Schutel também teve o seu Calvário: um sacerdote reacionário e profundamente
intolerante, resolveu promover gestões no sentido de fechar as portas do Centro
Espírita, usando como arma ardilosa uma campanha persistente no sentido de
fazer com que a farmácia de Caírbar fosse boicotada pelo povo.
Com o apoio do
delegado de polícia, conseguiu deste a ordem para o fechamento do Centro onde
se difundia o Espiritismo. Caírbar Schutel, no entanto, não era dos que se
intimidam e, contra o padre e o delegado, levantou a barreira da sua autoridade
moral e da sua coragem. A ordem do delegado não foi respeitada por atentar
contra a letra da Constituição Federal de 1891, e o valoroso espírita foi à
praça pública protestar contra tamanho desrespeito. O padre, não tolerando
aquela manifestação promovida por Caírbar, também promoveu uma passeata de
desagravo. Outros sacerdotes, nessa época, já estavam em Matão, apregoando a
necessidade de se manter o "herético" circunscrito, de nada se
adquirirem sua farmácia, e, sobretudo proibindo a todos a freqüência ao Centro
Espírita.
Em face da tremenda
pressão exercida, Caírbar anunciou que falaria ao povo em praça pública,
refutando ponto por ponto todas as acusações gratuitas que lhe eram atribuídas
pelos sacerdotes. O delegado proibiu- o de falar. Caírbar não acatou a
proibição do delegado e, estribando- se na Constituição, dirigiu- se para a
praça pública, falando aos poucos que, não temendo as represálias do padre,
tiveram a coragem de lá comparecer. Este, por sua vez, expressou a idéia de
que, se a liberalíssima Constituição brasileira permitia esse direito a
Caírbar, a Igreja de forma alguma consentiria e, aliciando um grupo de homens
fanatizados, marchou para a praça pública, cantando hinos e cantorias fúnebres,
portando, além disso, vários tipos de armas. O objetivo da procissão noturna
era de abafar a voz do orador e atemorizar o povo.
Essa barulhenta
manifestação provocou a repulsa de algumas pessoas cultas da cidade, as quais,
dirigindo- se à praça, pediram a aquiescência do orador para, de público,
manifestarem a desaprovação àquelas manifestações e responsabilizando o padre
pelas conseqüências danosas daquele desrespeito à Carta Magna, afirmando que o
orador tinha todo o direito de falar e de se defender. Diante dessa reação, o
padre ficou assombrado e decidiu dispersar os acompanhantes, o que possibilitou
a Caírbar prosseguir na defesa dos seus direitos e dos seus ideais.
Caírbar sabia ser
amigo até dos seus próprios inimigos. Sempre inspirava simpatia e respeito.
Sempre feliz no seu receituário, tornou- se, dentro em pouco, o Médico dos Pobres
e o Pai da Pobreza, de Matão. Além de prescrever o medicamento, ele o dava
gratuitamente aos necessitados. Sua residência tomou- se um refúgio para os
pobres da cidade. Muitas pessoas eram socorridas pela sua generosidade. Muitos
recebiam socorros da mais variada espécie, em víveres, em roupas e sobretudo
assistência espiritual.
O sentimento de
amor ao próximo teve nele incomparável paradigma. Estava sempre solícito e
pronto para socorrer um enfermo ou um obsediado. Atos de renúncia e de desapego
eram comuns em sua vida. Sua residência chegou a ser transformada em hospital
de emergência para doentes mentais e obsediados. Em vista do crescente número
de enfermos, em 1912 alugou uma casa mais ampla, na qual tratava com maiores
recursos e com mais liberdade todos aqueles que apelavam para a sua ajuda
fraternal.
No dia 15 de
fevereiro de 1925, lançou o primeiro número da "Revista Internacional de
Espiritismo", órgão que desde então vem circulando sem solução de
continuidade.
Quando foi rasgada
a Constituição ultra- liberal de 1891, Caírbar Schutel foi à praça pública
apoiando a Coligação Nacional Pró- Estado Leigo, entidade fundada no Rio de
Janeiro pelo Dr. Artur Lins de Vasconcelos Lopes. Nesse propósito combateu
sistematicamente a pretensão, esposada por alguns grupos, de se introduzir o
ensino religioso obrigatório nas escolas. Certa vez programou uma reunião num
cinema de cidade vizinha para abordar esse tema. Na hora aprazada ali estavam
apenas alguns dos seus amigos, dentre eles José da Costa Filho e João Leão
Pitta. Caírbar não se perturbou. Mandou comprar meia dúzia de foguetes e
soltou- os à porta do cinema. Daí a 20 minutos o recinto estava repleto.
Foi pioneiro no
lançamento de programa espírita pelo rádio, pois em 1936 inaugurou, pela PRD- 4
-- Rádio Cultura de Araraquara, uma série de palestras que mais tarde publicou
num volume de 206 páginas.
Como jornalista
escreveu muito. Durante muito tempo manteve uma secção de crônicas e
reportagens no "Correio Paulistano" e na "Platéia", antigos
órgãos da imprensa leiga.
Sua bibliografia é
bastante vasta, dela destacamos as seguintes obras: "Espiritismo e
Protestantismo", "Histeria e Fenômenos Psíquicos", "O Diabo
e a Igreja", "Médiuns e Mediunidade", "Gênese da
Alma", "Materialismo e Espiritismo", "Fatos Espíritas e as
Forças X", "Parábolas e Ensinos de Jesus", "O Espírito do
Cristianismo", "A Vida no Outro Mundo", "Vida e Atos dos
Apóstolos", "Conferências Radiofônicas", "Cartas a
Esmo" e "Interpretação Sintética do Apocalipse".
Fundou também a
Empresa Editora "O Clarim", que passou a editar livros de outros
autores.
Caírbar Schutel foi
um homem de fé, orador convincente, trabalhador infatigável, dinâmico,
realizador e portador dos mais vivificantes exemplos de virtude cristã.
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