Bittencourt
Sampaio
Francisco Leite de
Bittencourt Sampaio, filho de um negociante português do mesmo nome e de D.
Maria de Santa Ana Leite Sampaio, nasceu em Laranjeiras, localidade da então
Província de Sergipe, no dia 1o. de Fevereiro de 1834, e desencarnou
no Rio de Janeiro a 10 de Outubro de 1895.
Foi jurisconsulto,
magistrado, político, alto funcionário público, jornalista, literato, renomado
poeta lírico e excelente médium espírita.
Tendo principiado
seus estudos de Direito na Faculdade do Recife, continuou-os na Academia de São
Paulo (atual Faculdade de Direito), fazendo parte da turma de Bento Luis de
Oliveira Lisboa, Manoel Alves de Araújo, Eleutério da Silva Prado e outros
nomes notáveis da política e da jurisprudência brasileiras. Interrompeu, em
1856, o seu curso acadêmico para acudir os conterrâneos enfermos, por ocasião
da epidemia de cólera. Por esses serviços, a que se entregou
desinteressadamente, foi condecorado pelo Governo Imperial com a Ordem da Rosa,
que não aceitou por incompatível com suas idéias políticas.
Bastante querido
pelos seus colegas, colaborou na revista "O Guaianá" (1856), dos
estudantes de Direito, e em outras publicações literárias de São Paulo, como em
"A Legenda", nos "Ensinos Literários" do Ateneu Paulistano,
na "Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano", no "Correio
Paulistano", etc...
O ilustre
jornalista, político e historiador professor Dr. Almeida Nogueira, que o
conheceu de perto, deixou-nos, em rápidas pinceladas, esta descrição de sua
figura: "Alto, louro, pálido, olhos azuis, encovados e muito expressivos,
cabelos crescidos e atirados para trás, descobrindo-lhe a fronte iluminada pelo
talento e pela inspiração. Fisionomia romântica e extremamente simpática."
No "O
Kalidoscópio", jornal acadêmico de 1860, publicação do Instituto Acadêmico
Paulista, um estudante, que se assinava Sandoval, assim retratou Bittencourt
Sampaio aos 26 de maio de 1860:
"Contam que
Buffon não escrevia uma só das admiráveis páginas da História dos Animais, sem
que estivesse de casaca bordada, e chapéu de pasta ao lado; O Sr. Bittencourt
Sampaio não rima uma quadra sem que tenha envergado sua casaca azul, de botões
amarelos, e um boné a mesma fazenda na cabeça. O Hino Ao Sol foi escrito assim,
sob os auspícios dos heróicos botões amarelos da casaca azul."
"Ele começa
uma poesia: - se lhe falta um termo para completar um verso, atira a pena, e
vai passear. "Ainda não é tempo"- diz, muito senhor de si. Ele já
sabe o que lhe vai pelo espírito e pelo papel, quando a inspiração o subjuga. Ao
terminar a Ode à Liberdade, às seis horas da tarde, de 7 de Setembro de 1857,
tremia que nem vara verde. Se quiseram ouvi-la, foi preciso que um dos amigos
presentes lha arrebatassem das mãos."
"Era então bem
restrito o número de seus íntimos. Destes só me lembra o Sr. Tavares Bastos.
Conversava-se sobre arte, discutiam-se as teorias dos contrastes de Victor
Hugo, bebia-se champagne, assentavam-se as bases do futuro literário da Pátria,
e fumava-se um cigarro de Campinas, no meio de bons ditos e dos propósitos
sisudos."
"Enquanto
isto, as casuarinas sussurravam, e abriam aquelas boas noites, que o poeta
depois cantou num metro delicado, numa canção de extasiar."
"E esses
tempos não voltarão mais..."
"Às vezes
some-se. Ninguém sabe dele. Em casa não está. O que anda fazendo aquele doido?
Perguntam os seus íntimos. Ora, o que anda fazendo? Anda sonhando, conversando
a Natureza, fazendo devaneios. E tudo isso com tanta habilidade e paixão, como
a George Sand fazia seus doces ao forno, nas horas que não trabalhava em Lélia,
ou na Indiana."
"Não visita a
muita gente. Vai pouco ao espetáculo. Mas ama a conversação, como ama as
mulheres e as flores, e a poesia e a musica. Toca violão, e canta lundus da
Bahia: é uma das suas boas horas."
Declara Spencer
Vampré que Bittencourt Sampaio se celebrizou na Academia de Direito não pelos
seus versos ingênuos e bucólicos, mas pelo hino – "A Mocidade
Acadêmica", "cujos acentos entusiásticos e arrojadas hipérboles, não
parecem condizer com um sereno e risonho contemplador da Natureza." E
continua Vampré: "Escreveu a musica, verdadeiramente inspirada, do Hino
Acadêmico, o gênio de Carlos Gomes, que assim legou à mocidade do Brasil uma
das suas mais emocionantes criações. Quem quer que tenha percorrido, estudante,
os sombrios corredores do velho Convento de São Francisco, ouve, sempre, com
redobrada emoção, as estrofes cheias de fé, e a música cheia de arrancos
heróicos, do Hino Acadêmico."
Bacharelando-se em
1859, Bittencourt Sampaio exerceu a promotoria publica em Itabaiana e Laranjeiras,
em 1860-1861, trabalhando ainda como inspetor do distrito literário na primeira
dessas comarcas. Em março de 1861, retirou-se da Província de Sergipe, vindo
para a antiga Corte do Rio de Janeiro, onde abriu banca de advogado, que
freqüentou por muitos anos.
Por essa época, o
jornalista, critico e ensaísta fluminense José Joaquim Pessanha Povoa conheceu
Bittencourt Sampaio na republica de Macedo Soares, situada na Rua do Ouvidor, e
onde se reuniam, por vezes, os estudantes de Direito, entre eles Belisário S.
de Souza, Melo Matos, G. Pinto Moreira, afinal, "a boêmia literária
daquele quarteirão latino". E eis como Pessanha Povoa se refere ao
primoroso artista de "Flores Silvestres":
"Sempre cheio
de alegrias íntimas, simpático, traquinas como um colegial em hora de recreio,
de casaca azul de botões amarelos, chapéu branco, luvas e calçado parisienses,
ora em passeio pelos arrabaldes, ora nos teatros ou em diversas reuniões de
estudantes, era estimado e seu coração justamente recompensado na lealdade com
que servia aos seus amigos".
E, mais adiante,
lembrava ainda:
"Era a alegria
da casa, o iniciador de divertimentos úteis, de saraus literários e musicais.
Não desperdiçava seus talentos no emprego de horas consagradas à crápula dos
lupanares, ao assassino regaço das camélias. Nunca amesquinhou a sua
individualidade, nem aviltou sua inteligência."
Na sessão fúnebre
celebrada em 1858, em homenagem ao Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos, lente
catedrático da Academia de Direito, profunda sensação apoderou-se de todo o
auditório quando, ao assomar à tribuna, Bittencourt Sampaio recitou comovente
poesia, iniciada pelo tocante quarteto:
Morte! palavra que
traduz mistério!
Sombra nas trevas a vagar perdida!
Pálido círio de clarões funéreo!
Negro fantasma que se abraça à vida!
Sombra nas trevas a vagar perdida!
Pálido círio de clarões funéreo!
Negro fantasma que se abraça à vida!
Esta quadra –
diz-nos Armindo Guaraná – por muito tempo serviu de epígrafe às noticias
fúnebres e aos discursos necrológicos.
Militando na
política, filiou-se ao Partido Liberal. Eleito, pela sua Província, deputado à
Assembléia Geral Legislativa, nas legislaturas de 1864-1866 e 1867-1870, foi,
nesse último período, Presidente do Espírito Santo, nomeado por carta imperial
de 29 de setembro de 1867, cargo que exerceu até 26 de abril de 1868, para
voltar ao desempenho do mandato legislativo na Corte.
Em 1870, abraçando
as idéias republicanas, desligou-se do partido a que pertencia e fez-se
ardoroso propagandista da República. Nessa qualidade, assinou, ao lado de
Saldanha da Gama, Quintino Bocayuva e outros, o célebre Manifesto de 3 de
Dezembro de 1870, que tão larga repercussão teve, tornando-se importantíssimo
documento histórico. Como político, colaborou ativamente em "A
Reforma", órgão do Partido Liberal da Corte, e em algumas folhas mais,
entre elas "A Republica", da qual era um dos redatores. Com Aristides
Lobo, Alfredo Pinto, Pompílio de Albuquerque e outros, foi um dos fundadores do
Partido Republicano Federal, em 12 de Janeiro de 1873.
Jornalista, não só
era deputado pelo brilho de seus artigos, mas também, grandemente respeitado
pela elevação, sinceridade e firmeza com que sustentava e defendia seus ideais
políticos.
Proclamada a
Republica, foi comissionado para inventariar todos os papéis existentes na
Câmara dos Deputados, cargo que deixou para exercer o de redator dos debates na
Assembléia Constituinte, em 1890. Foi o primeiro administrador da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro a gozar do titulo oficial de Diretor, já que até ao
fim do Império os titulares a dirigiam como "bibliotecários". Nomeado
a 12 de Dezembro de 1889, empossou-se dois dias depois, tendo exercido o cargo
até 15 de Outubro de 1892.
Entre os poetas de
sua geração, destacou-se tanto, que Silvio Romero disse a seu respeito:
"Em Bittencourt Sampaio
predomina o lirismo local, tradicionalista, campesino, popular. Por este lado é
um dos melhores poetas do Brasil; é mais natural e espontâneo do que Dias
carneiro, Trajano Galvão e Bruno Seabra, e é mais elevado e artístico do que
Juvenal Galeno. Rivaliza com Joaquim Serra e Melo Moraes Filho."
Elogiando as verdadeiras
jóias de "Flores Silvestres", Silvio Romero salientou:
"Há nelas duas
qualidades de composições: as de inspiração local e sertaneja e as de
inspiração mais geral. Numas e noutras os dotes principais do poeta são - a
melodia do verso, a graciosidade que o faz primar em pequenos quadros, e certa
nostalgia pelas cenas, pela vida simples, fácil, descuidada das regiões
sertanejas e campesinas."
No "Compêndio
da História da Literatura Brasileira" (1906), de Silvio Romero e João
Ribeiro, de novo é enaltecida, nas paginas 221 a 223, a obra poética de
Bittencourt Sampaio.
Macedo Soares, por
sua vez, num estudo crítico, lhe deu, entre os líricos brasileiros, o primeiro
lugar, logo depois de Gonçalves Dias.
Citemos algumas das
principais obras, em prosa e verso, que lhe granjearam tão elevada reputação
como prosador e poeta em que desde cedo se patenteara o "filósofo
idealista": Harmonias Brasileiras – Poesias de Bittencourt Sampaio, Macedo
Soares e Salvador de Mendonça, publicadas em São Paulo , 1859; Flores Silvestres;
Lamartinianas (tradução de poesias de Lamartine); Poemas da Escravidão (versos
originais e tradução de versos de Longfellow); A Bela Sara (tradução das
"Orientais", de Victor Hugo); A nau da liberdade (poema épico);
Hiawatha (versos); Cartas de Além Túmulo (publicadas no "Cruzeiro" e
na "Gazeta da Tarde" do Rio de Janeiro); Nossa Senhora da Piedade
(legenda publicada no "Monitor Católico"); Dicionário da Língua
Indígena; além de inéditos.
Valentim Magalhães
disse, a propósito dos "Poemas da Escravidão", que Bittencourt
Sampaio "foi um dos mais admiráveis talentos da nossa literatura no
período de transição; dir-se-ia que conhecia os segredos das supremas tristezas
humanas e foi o representante dedicado da escola criada por Goeth, Byron...".
Reveladores de
inteligência superior e invulgar, de uma cultura vastíssima e de uma alma que
já dos paramos espirituais descera enamorada dos sublimados ideais que inspiram
as grandes e imorredouras obras, os trabalhos que vimos de mencionar, muitos
deles, senão todos, dignos de figurar nas seletas que os estudantes manuseiam
nas escolas.
Entretanto, a
relação acima não se acha completa, pois que um, deixamos intencionalmente de
incluir ali, para realçá-lo, porque, dentre todos, é o que, ao nosso ver, mais
avulta, não somente pelo fulgor inexcedível da forma, como, sobretudo, pela
"A Divina Epopéia de João Evangelista originalidade do assunto cuja
altitude imprime à obra valor inestimável. Aludimos à sua" (Rio de
Janeiro, Tipografia Nacional, 1882), única, cremos, no gênero, em todo o mundo.
Dos que compõem a
presente geração de espíritas, poucos hão de ser, provavelmente, os que saibam
o que seja essa Divina Epopéia, cumprindo-nos, portanto, dizer-lhe que é o
quarto Evangelho, o de João, posto em versos decassílabos, soltos, metro
empregado sempre nas composições épicas, por ser sem dúvida o que melhor lhes
imprime a grandiosidade que as deve caracterizar e que sobreleva na obra a que
aludimos.
E não é tudo: essa
composição poética ele a completou, escrevendo para o volume uma segunda parte,
em prosa, na qual o que em cada um dos cantos se contém é explicado à luz da
Revelação Espírita, precedidas tais explicações de longa "Prefação",
onde exuberantemente explanada se acha a questão da divindade de Jesus.
Salientou Almeida
Nogueira que, "quanto ao merecimento literário da obra, foi objeto de
justa admiração da crítica a felicidade com que o poeta reproduziu em belos
versos o texto quase literal da epopéia do discípulo amado."
Armindo Guaraná, no
seu "Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano", escreveu que A Divina
Epopéia "é talvez a melhor obra deste autor".
Colaborou em vários
jornais e revistas de São Paulo e do Rio, havendo nessas cidades ruas como o
nome de Bittencourt Sampaio. Do Rio, podemos citar, afora as publicações já
relacionadas aqui, a "Revista Popular", a "Revista
Brasileira", "O Cruzeiro", a "Gazeta da Tarde", etc.
Por ocasião da
visita de Bittencourt Sampaio a Ouro Preto (Minas Gerais), em 1875, o grande
poeta e romancista Bernardo Guimarães (1825-1884) dedicou-lhe
"Estrofes", poesia datada de Novembro de 1875, e que assim se inicia
(Poesias Completas de Bernardo Guimarães), organização, introdução, cronologia
e notas por Alphonsus de Guimaraens Filho, INL, Rio, 1959,pp.328 a 340:
"Eu te saúdo,
ó cisne de outras margens,
que o vôo teu abates.
Por um momento nestas fundas vargens
Ninho de ilustres vates,
cujo canto até hoje inda inspira
na viração, que pelos montes gira".
que o vôo teu abates.
Por um momento nestas fundas vargens
Ninho de ilustres vates,
cujo canto até hoje inda inspira
na viração, que pelos montes gira".
Não se sabe quando
ele entrou para o Espiritismo, mas em 2 de Agosto de 1873 já fazia parte da
Diretoria do "Grupo Confúcio", primeira sociedade espírita surgida em
terras cariocas. Lá desenvolveu sua mediunidade receitista, curando muitos
doentes com remédios homeopatas. Assinala Almeida Nogueira que Bittencourt Sampaio
foi atraído pelo Espiritismo pelos fenômenos, assunto este que ele estudou
profundamente, mas foi a parte moral que mais impressionou o poeta-filósofo.
Funda, em 1876, a "Sociedade de
Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade", presidindo-lhe os trabalhos,
nos quais era parte importante o estudo dos Evangelhos à luz do Espiritismo.
Fundado, em 1880, o
"Grupo Espírita Fraternidade", a ele Bittencourt Sampaio também
empresta sua valiosa colaboração.
O respeitável vulto
do Espiritismo Cristão no Brasil, Dr. Antônio Luís Saião, que se convertera
graças à mediunidade curadora de Bittencourt Sampaio, reúne então os médiuns da
referida sociedade no "Grupo Ismael", por ele criado e até hoje
existente, e ali Bittencourt Sampaio se constituiu num dos intermediários de
belas e instrutivas mensagens de Espíritos Superiores.
Quando do
falecimento de José Bonifácio, o Moço, em 26-10-1886, choraram a sua morte os
mais belos talentos da época: Machado de Assis, Valentim Magalhães e
Bittencourt Sampaio, entre os poetas, Rui Barbosa, entre os prosadores.
Bittencourt escreveu esses versos de espírita:
Sim! Ele entrou, de
bênçãos radiante,
Pelo portão de luz da eternidade,
Qual águia, que, dos céus na imensidade,
Livre revoa, tão de nós distante!
Pelo portão de luz da eternidade,
Qual águia, que, dos céus na imensidade,
Livre revoa, tão de nós distante!
Declara o "Reformador"
de 15 de Outubro de 1895, que Bittencourt "se preparava para escrever a
Divina Tragédia do Gólgota, quando, fruto maduro, foi colhido pela mão do
celeste jardineiro".
Depois de sua
desencarnação, o Espírito de Bittencourt Sampaio escreveu, pelo médium
Frederico Junior, as seguintes obras: "Jesus Perante a Cristandade",
"De Jesus para as Crianças", e "Do Calvário ao Apocalipse".
Tais, em ligeiro e
imperfeito escorço, a personalidade humana e a individualidade espiritual
daquele que se chamou, entre nós, Francisco Leite de Bittencourt Sampaio e que,
desde quando volveu à vida de Espírito livre, se constituiu, entre os eleitos
do Senhor, guia indefeso, protetor caridoso e clarividente orientador da
Federação Espírita Brasileira, que nunca deixou de lhe sentir o braço potente a
ampará-la, nos momentos difíceis ou graves, que bastas vezes tem ela
atravessado, no transcurso da sua existência de quase um século.
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