21 de dezembro de 2014

BIBLIOTECA

BIBLIOTECA

O Museu Histórico Nacional oferece ao público Arquivo Histórico, com 50.000 documentos iconográficos e manuscritos sobre a história do Brasil, e Biblioteca com 57.000 obras versando sobre história, história da arte, museologia, heraldica, numismática, genealogia e moda.
Oferece, ainda, o Centro de Referência Luso-Brasileiro, ligado ao Arquivo Histórico e criado em 1998, no âmbito das comemorações dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.
A Biblioteca pode ser consultada de segunda a sexta-feira, das 10 às 17 horas. Informações através do telefone (0xx21) 2550-9251
O Museu mantém, ainda, Arquivo Permanente sobre a trajetória do próprio Museu Histórico Nacional, com documentos, fotografias, impressos, recortes de jornal, etc. As fotos utilizadas para ilustrar o item "ARQUITETURA E HISTÓRIA" integram este acervo. O Arquivo Permanente é aberto a consultas.


Obras raras:
Viagens e viajantes
O acervo da Biblioteca do Museu compreende mais de 57.000 itens, entre os quais as obras raras, que, incluindo exemplares dos séculos XVI, XVII e XVIII, caracterizam-se não só pela antigüidade, mas também por detalhes como a encadernação requintada, as anotações manuscritas do possuidor originário e edições esgotadas ou originais.
Destaque para aquelas que tratam das grandes viagens empreendidas por viajantes europeus, destinadas ao conhecimento das peculiaridades dos Trópicos. Além dos textos originais, há reedições críticas destas fontes que, em geral, descrevem com minúcias imagens que aos olhos destes europeus apareciam como essencialmente exóticas. Também estão incluídos entre as obras raras o acervo composto por jornais de época, englobando fascículos do século XIX, onde a linguagem peculiar da caricatura era particularmente enfatizada.



Heráldica
Disponível, ainda, para consulta as coleções "Colégio de Armas" e "Gustavo Barroso". Centrada no tema heráldica, a coleção "Colégio de Armas" apresenta obras com vasta iconografia e também exemplares raros, como uma obra manuscrita, provavelmente do século XVI. Já a coleção "Gustavo Barroso" oferece ao público a biblioteca particular do fundador do Museu Histórico Nacional, acrescida de obras críticas sobre a sua produção intelectual. Esta coleção contém elementos para uma caracterização bastante aprofundada da obra de Gustavo Barroso que, entre suas múltiplas atividades, exerceu também a função de escritor, tendo sido membro da Academia Brasileira de Letras.



Numismática
Originária em sua maioria da Biblioteca Nacional, a coleção especial de numismática compreende obras sobre moedas, medalhas e selos, incluindo exemplares raros dos séculos XVI, XVII e XVIII e em várias línguas ( grego, latim, holandês e alemão, entre outras ).
Já a coleção "Miguel Calmon" é bastante representativa das tendências literárias absorvidas pelos homens públicos do período que se convencionou chamar de "República Velha", refletindo as preocupações, os valores e os gostos de um certo segmento das elites. Miguel Calmon Du Pin Almeida foi Ministro em duas ocasiões daquele período e a sua biblioteca, doada entre outros pertences por sua esposa ao Museu, privilegia os temas ligados à educação, obras públicas e agricultura.





Moda
Complementando a coleção de trajes típicos e de documentos iconográficos doada por Sophia Jobim Magno de Carvalho, também pode ser consultada na Biblioteca precioso acervo de livros e periódicos relacionados à indumentária. Leitura obrigatória para quem pesquisa sobre a moda no Brasil.








Voltado para a produção e difusão do conhecimento desde a sua criação, o Museu Histórico Nacional lançou em 1940 o primeiro volume dos seus Anais, publicação que circulou regularmente até 1975.
Após uma paralização de duas décadas, a edição dos Anais foi retomada em 1995. Com penetração no Brasil e no exterior, os Anais constituem material de referência para pesquisadores das áreas das ciências humanas e sociais.
Em 1999, com o apoio da empresa DocPro, foi lançado em CD-ROM a coletânea de todos os volumes dos Anais, vindo ao encontro de inúmeras solicitações por volumes já esgotados.
E é este CD-ROM "Coletânea dos Anais do Museu Histórico Nacional - 1940 a 1998" que estamos disponibizando agora, com o suporte da empresa DocPro.


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Oficina de Pintura
Conheça, ainda, na Biblioteca o trabalho desenvolvido pela equipe da Oficina de Pintura do Laboratório de Conservação e Restauração, sob a coordenação de Luiz Fernando de Carvalho Abreu e patrocínio da Fundação Vitae, para restaurar o óleo sobre tela intitulado "Alegoria da Agricultura", pintado em 1922 por Carlos Oswald no teto do então Palácio das Grandes Indústrias da Exposição do Centenário da Independência.
Medindo 4m x 4m, em formato octogonal e dividida em duas partes, a tela, devido à ação do tempo, sofreu grandes danos em 1994, quando um dos painéis descolou do teto ocasionando a queda da pintura correspondente com danos em toda a sua extensão.
Iniciado em setembro de 1999, a minuciosa restauração compreendeu o reentelamento e a recuperação da camada pictórica, bem como da moldura em gesso que guarnece a tela, além do difícil trabalho de recolocação da obra no teto.

As fotos que ilustram o acervo da Biblioteca são de Rômulo Fialdini
e foram extraídas do livro Museu Histórico Nacional, editado pelo Banco Safra.


Contos, de Machado de Assis - Frei Simão

Contos, de Machado de Assis - Frei Simão

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Contos
Machado de Assis

Frei Simão
                                                                      
                            CAPÍTULO PRIMEIRO                         
                                                                      
        FREI SIMÃO era um frade da ordem dos Beneditinos. Tinha, quando     
morreu, cinqüenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito.
A causa desta velhice prematura derivava da que o levou ao claustro
na idade de trinta anos, e, tanto quanto se pode saber por uns frag‑
mentos de memórias que ele deixou, a causa era justa.                 
        Era frei Simão de caráter taciturno e desconfiado. Passava dias     
inteiros na sua cela, donde apenas saía na hora do refeitório e dos
ofícios divinos. Não contava amizade alguma no convento, porque       
não era possível entreter com ele os preliminares que fundam e con‑
solidam as afeições.                                                  
        Em um convento, onde a comunhão das almas deve ser mais             
pronta e mais profunda, frei Simão parecia fugir à regra geral. Um
dos noviços pôs‑lhe alcunha de urso, que lhe ficou, mas só entre os
noviços, bem entendido. Os frades professos, esses, apesar do des‑    
gosto que o gênio solitário de frei Simão lhes inspirava, sentiam por
ele certo respeito e veneração.                                       
        Um dia anuncia‑se que frei Simão adoecera gravemente. Chama‑        
ram‑se os socorros e prestaram ao enfermo todos os cuidados neces‑    
sários. A moléstia era mortal; depois de cinco dias frei Simão expirou.
        Durante estes cinco dias de moléstia, a cela de frei Simão esteve
cheia de frades. Frei Simão não disse uma palavra durante esses       
cinco dias; só no último, quando se aproximava o minuto fatal, sen‑
tou‑se no leito, fez chamar para mais perto o abade, e disse‑lhe ao
ouvido com voz sufocada e em tom estranho:                            
        ‑‑ Morro odiando a humanidade!                                      
        O abade recuou até a parede ao ouvir estas palavras, e no tom em    
que foram ditas. Quanto a frei Simão, caiu sobre o travesseiro e      
passou à eternidade.                                                 
        Depois de feitas ao irmão finado as honras que se lhe deviam, a     
comunidade perguntou ao seu chefe que palavras ouvira tão sinis‑
tras que o assustaram. O abade referiu‑as, persignando‑se. Mas os
frades não viram nessas palavras senão um segredo do passado, sem
dúvida importante, mas não tal que pudesse lançar o terror no espí‑
rito do abade. Este explicou‑lhes a idéia que  tivera quando ouviu as
palavras de frei Simão, no tom em que foram ditas,  e acompanhadas
do olhar com que o fulminou: acreditara que frei Simão estivesse
doudo; mais ainda, que tivesse entrado já doudo para a ordem. Os
hábitos da solidão e taciturnidade a que se votara o frade pareciam
sintomas de uma alienação mental de caráter brando e pacífico; mas
durante oito anos parecia impossível aos frades que frei Simão não
tivesse um dia revelado de modo positivo a sua loucura; objetaram
isso ao abade; nuas este persistia na sua crença.                     
        Entretanto procedeu‑se ao inventário dos objetos que pertenciam
ao finado, e entre eles achou‑se um rolo de papéis convenientemente
enlaçados, com este rótulo: "Memórias que há de escrever frei Simão
de Santa Águeda, frade beneditino".                                 
        Este rolo de papéis foi um grande achado para a comunidade
curiosa. Iam finalmente penetrar alguma cousa no véu misterioso que
envolvia o passado de frei Simão, e talvez confirmar as suspeitas do
abade. O rolo foi aberto e lido para todos.                          
        Eram, pela maior parte, fragmentos incompletos, apontamentos
truncados e notas insuficientes; mas de tudo junto pôde‑se colher que
realmente frei Simão estivera louco durante certo tempo.              
        O autor desta narrativa despreza aquela parte das Memórias que
não tiver absolutamente importância; mas procura aproveitar a que
for menos inútil ou menos obscura.                                   
                                                                      
                               CAPíTULO II                            
                                                                     
        As NOTAS de frei Simão nada dizem do lugar do seu nascimento nem
do nome de seus pais. O que se pôde saber dos seus princípios é que,
tendo concluído os estudos preparatórios, não pôde seguir a carreira
das letras, como desejava, e foi obrigado a entrar como guarda‑livros
na casa comercial de seu pai.                                         
        Morava então em casa de seu pai uma prima de Simão, órfã de
pai e mãe, que haviam por morte deixado ao pai de Simão o cuidado
de a educarem e manterem. Parece que os cabedais deste deram
para isto. Quanto ao pai da prima órfã, tendo sido rico, perdera tudo
ao jogo e nos azares do comércio, ficando reduzido à última miséria.
        A órfã chamava‑se Helena; era bela, meiga e extremamente boa.
Simão, que se educara com ela, e juntamente vivia debaixo do mesmo
tecto, não pôde resistir às elevadas qualidades e à beleza de sua pri‑
ma. Amaram‑se. Em seus sonhos de futuro contavam ambos o casa‑
mento, cousa que parece mais natural do mundo para corações
amantes.                                                             
        Não tardou muito que os pais de Simão descobrissem o amor dos
dous. Ora é preciso dizer, apesar de não haver declaração formal
disto nos apontamentos do frade, é preciso dizer que os referidos
pais eram de um egoísmo descomunal. Davam de boa vontade o pão
da subsistência a Helena; mas lá casar o filho com a pobre órfã
que não podiam consentir. Tinham posto a mira em uma herdeira      
rica, e dispunham de si para si que o rapaz se casaria com ela.       
        Uma tarde, como estivesse o rapaz a adiantar a escrituração do
livro mestre, entrou no escritório o pai com ar grave e risonho ao    
mesmo tempo, e disse ao filho que largasse o trabalho e o ouvisse.
O rapaz obedeceu. O pai falou assim:                                  
        ‑‑ Vais partir para a província de ***. Preciso mandar umas car‑
tas ao meu correspondente Amaral, e como sejam elas de grande         
importância, não quero confiá‑las ao nosso desleixado correio. Que‑
res ir no vapor ou preferes o nosso brigue?                            
        Esta pergunta era feita com grande tino.                          
        Obrigado a responder‑lhe, o velho comerciante não dera lugar a    
que seu filho apresentasse objeções.                                  
        O rapaz enfiou, abaixou os olhos e respondeu:                     
‑‑ Vou onde meu pai quiser.                                        
        O pai agradeceu mentalmente a submissão do filho, que lhe pou‑    
pava o dinheiro da passagem no vapor, e foi muito contente dar        
parte à mulher de que o rapaz não fizera objeção alguma.              
        Nessa noite os dous amantes tiveram ocasião de encontrar‑se sós
na sala de jantar.                                                     
        Simão contou a Helena o que se passara. Choraram ambos algu‑      
mas lágrimas furtivas, e ficaram na esperança de que a viagem fosse
de um mês, quando muito.                                              
        À mesa do chá, o pai de Simão conversou sobre a viagem do         
rapaz, que devia ser de poucos dias. Isto reanimou as esperanças      
dos dous amantes. O resto da noite passou‑se em conselhos da parte    
do velho ao filho sobre a maneira de portar‑se na casa do correspon‑
dente. Às dez horas, como de costume, todos se recolheram aos         
aposentos.                                                            
        Os dias passaram‑se depressa. Finalmente raiou aquele em que      
devia partir o brigue. Helena saiu de seu quarto com os olhos ver‑
melhos de chorar. Interrogada bruscamente pela tia, disse que era     
uma inflamação adquirida pelo muito que lera na noite anterior. A    
tia prescreveu‑lhe abstenção da leitura e banhos de água de malvas.
        Quanto ao tio, tendo chamado Simão, entregou‑lhe uma carta para
o correspondente, e abraçou‑o. A mala e um criado estavam prontos.    
A despedida foi triste. Os dous pais sempre choraram alguma cousa,    
a rapariga muito.                                                      
        Quanto a Simão, levava os olhos secos e ardentes. Era refratário
às lágrimas; por isso mesmo padecia mais.                             
        O brigue partiu. Simão, enquanto pôde ver terra, não se retirou
de cima; quando finalmente se fecharam de todo as paredes do cár‑
cere que anda, na frase pitoresca de Ribeyrolles, Simão desceu ao
seu camarote, triste e com o coração apertado. Havia como um pres‑    
sentimento que lhe dizia interiormente ser impossível tornar a ver    
sua prima. Parecia que ia para um degredo.                            
        Chegando ao lugar do seu destino, procutou Simão o correspon‑     
dente de seu pai e entregou‑lhe a carta. O Sr. Amaral leu a carta,    
fitou o rapaz e, depois de algum silêncio, disse‑lhe, volvendo a carta:
        ‑‑ Bem, agora é preciso esperar que eu cumpra esta ordem de seu               
pai. Entretanto venha morar para a minha casa.                                  
        ‑‑ Quando poderei voltar? perguntou Simão.                                    
        ‑‑ Em poucos dias, salvo se as cousas se complicarem.                         
        Este salvo, posto na boca de Amaral como incidente, era a oração             
principal. A carta do pai de Simão versava assim:                             
                                                                               
  Meu caro Amaral,                                                               
  Motivos  ponderosos me obrigam a mandar meu filho desta cidade. Rete‑
nha‑o por lá como puder. O pretexto da viagem á ter eu necessidade de ultimar
alguns negócios com você, o que dirá ao pequeno, fazendo‑lhe sempre crer que
a demora é pouca ou nenhuma. Você, que teve na sua adolescência a triste
idéia de engendrar romances, vá inventando circunstâncias e ocorrências impre‑
vistas, de modo que o rapaz não me torne cá antes de segunda ordem. Sou,
como sempre, etc.                                                               
                                                                               
                                   CAPÍTULO III                                 
                                                                                
        PASSARAM‑SE DIAS e dias, e nada de chegar o momento de voltar à
casa paterna. O ex‑romancista era na verdade fértil, e não se cansava
de inventar pretextos que deixavam convencido o rapaz.                         
        Entretanto, como o espírito dos amantes não é menos engenhoso
que o dos romancistas, Simão e Helena acharam meio de se escre‑
verem, e deste modo podiam consolar‑se da ausência, com presença
das letras e do papel. Bem diz Heloísa que a arte de escrever foi
inventada por alguma amante separada do seu amante. Nestas car‑
tas juravam‑se os dous sua eterna fidelidade.                                  
        No fim de dous meses de espera baldada e de ativa correspon‑
dência, a tia de Helena surpreendeu uma carta de Simão. Era a vigé‑
sima, creio eu. Houve grande temporal em casa. O tio, que estava
no escritório, saiu precipitadamente e tomou conhecimento do negó‑
cio. O resultado foi proscrever de casa tinta, penas e papel, e instituir
vigilância rigorosa sobre a infeliz rapariga.                                  
        Começaram pois a escassear as cartas ao pobre deportado. Inqui‑
riu a causa disto em cartas choradas e compridas; mas como o rigor
fiscal da casa de seu pai adquiria proporções descomunais, acontecia
que todas as cartas de Simão iam parar às mãos do velho, que, depois
de apreciar o estilo amoroso de seu filho, fazia queimar as ardentes
epístolas.                                                                     
        Passaram‑se dias e meses. Carta de Helena, nenhuma. O corres‑
pondente ia esgotando a veia inventadora, e já não sabia como reter
finalmente o rapaz.                                                            
        Chega uma carta a Simão. Era letra do pai. Só diferençava das
outras que recebia do velho em ser esta mais longa, muito mais
longa. O rapaz abriu a carta, e leu trêmulo e pálido. Contava nesta
carta o honrado comerciante que a Helena, a boa rapariga que ele
destinava a ser sua filha casando‑se com Simão, a boa Helena tinha
morrido. O velho copiara algum dos últimos necrológios que vira nos
jornais, e ajuntara algumas consolações de casa. A última consola‑
ção foi dizer‑lhe que embarcasse e fosse ter com ele.                          
        O período final da carta dizia:

    Assim como assim, não se realizam os meus negócios; não te pude casar
com Helena, visto que Deus a levou. Mas volta, filho, vem; poderás consolar‑te
casando com outra, a filha do conselheiro  ***. Está  moça feita e é um bom
partido. Não te desalentes; lembra‑te de mim.                                
                                                                              
        O pai de Simão não conhecia bem o amor do filho, nem era gran‑
de águia para avaliá‑lo, ainda que o conhecesse. Dores tais não se
consolam com uma carta nem com um casamento. Era melhor man‑
dá‑lo chamar, e depois preparar‑lhe a notícia; mas dada assim fria‑
mente em uma carta, era expor o rapaz a uma morte certa.                     
        Ficou Simão vivo em corpo e morto moralmente, tão morto que
por sua própria idéia foi dali procurar uma sepultura. Era melhor
dar aqui alguns dos papéis escritos por Simão relativamente ao que
sofreu depois da carta; mas há muitas falhas, e eu não quero corrigir
a exposição ingênua e sincera do frade.                                      
        A sepultura que Simão escolheu foi um convento. Respondeu ao
pai que agradecia a filha do conselheiro, mas que daquele dia em
diante pertencia ao serviço de Deus.                                          
        O pai ficou maravilhado. Nunca suspeitou que o filho pudesse
vir a ter semelhante resolução. Escreveu às pressas para ver se o
desviava da idéia; mas não pôde conseguir.                                  
        Quanto ao correspondente, para quem tudo se embrulhava cada
vez mais, deixou o rapaz seguir para o claustro, disposto a não
figurar em um negócio do qual nada realmente sabia.                          
                                                                               
                                   CAPÍTULO IV                                 
                                                                              
        FREI Simão de Santa Águeda foi obrigado a ir à província natal em           
missão religiosa, tempos depois dos fatos que acabo de narrar.               
        Preparou‑se e embarcou.                                                 
        A missão não era na capital, mas no interior. Entrando na capital,       
pareceu‑lhe dever ir visitar seus pais. Estavam mudados física e mo‑        
ralmente. Era com certeza a dor e o remorso de terem precipitado             
seu filho à resolução que tomou. Tinham vendido a casa comercial             
e viviam de suas rendas.                                                     
        Receberam o filho com alvoroço e verdadeiro amor. Depois das             
lágrimas e das consolações, vieram ao fim da viagem de Simão.               
        ‑‑ A que vens tu, meu filho?                                              
        ‑‑ Venho cumprir uma missão do sacerdócio que abracei. Venho              
pregar, para que o rebanho do Senhor não se arrede nunca do bom              
caminho.                                                                     
        ‑‑ Aqui na capital?                                                       
        ‑‑ Não, no interior. Começo pela vila de ***.                              
        Os dous velhos estremeceram; mas Simão nada viu. No dia se‑             
guinte partiu Simão, não sem algumas instâncias de seus pais para            
que ficasse. Notaram eles que seu filho nem de leve tocara em Hele‑          
na. Também eles não quiseram magoá‑lo falando em tal assunto.                
        Daí a dias, na vila de que falara frei Simão, era um alvoroço para       
ouvir as prédicas do missionário.                                            
        A velha igreja do lugar estava atopetada de povo.                        
        À hora anunciada, frei Simão subiu ao púlpito e começou o dis‑           
curso religioso. Metade do povo saiu aborrecido no meio do sermão.
A razão era simples. Avezado à pintura viva dos caldeirões de Pedro
Botelho e outros pedacinhos de ouro da maioria dos pregadores, o
povo não podia ouvir com prazer a linguagem simples, branda, per‑
suasiva, a que serviam de modelo as conferências do fundador da
nossa religião.                                                       
        O pregador estava a terminar, quando entrou apressadamente na
igreja um par, marido e  mulher: ele, honrado lavrador, meio reme‑
diado com o sítio que possuía e a boa vontade de trabalhar; ela, se‑
nhora estimada por suas virtudes, mas de uma melancolia invencível.
        Depois de tomarem água‑benta, colocaram‑se ambos em lugar
donde pudessem ver facilmente o pregador.                            
        Ouviu‑se então um grito, e todos correram para a recém‑chegada,
que acabava de desmaiar. Frei Simão teve de parar o seu discurso,
enquanto se punha temia ao incidente. Mas, por uma aberta que a
turba deixava, pôde ele ver o rosto da desmaiada.                    
        Era Helena.                                                        
        No manuscrito do frade há uma série de reticências dispostas em
oito linhas. Ele próprio não sabe o que se passou. Mas o que se
passou foi que, mal conhecera Helena, continuou o frade o discurso.
Era então outra cousa: era um discurso sem nexo, sem assunto, um
verdadeiro delírio. A consternação foi geral.                        
                                                                     
                              CAPÍTULO V                               
                                                                     
        O DELÍRIO de frei Simão durou alguns dias. Graças aos cuidados,
pôde melhorar, e pareceu a todos que estava bom, menos ao médico,
que queria continuar a cura. Mas o frade disse positivamente que se
retirava ao convento, e não houve forças humanas que o detivessem.
        O leitor compreende naturalmente que o casamento de Helena
fora obrigado pelos tios.                                            
        A pobre senhora não resistiu à comoção. Dous meses depois mor‑
reu, deixando inconsolável o marido, que a andava com veras.         
        Frei Simão, recolhido ao convento, tornou‑se mais solitário e taci‑
turno. Restava‑lhe ainda um pouco da alienação.                       
        Já conhecemos o acontecimento de sua morte e a impressão que
ela causara ao abade.                                                
        A cela de frei Simão de Santa Águeda esteve muito tempo reli‑
giosamente fechada. Só se abriu, algum tempo depois, para dar en‑
trada a um velho secular, que por esmola alcançou do abade acabar
os seus dias na convivência dos médicos da alma. Era o pai de Simão.
A mãe tinha morrido.                                                 
        Foi crença, nos últimos anos de vida deste velho, que ele não
estava menos doudo que frei Simão de Santa Águeda.