8 de agosto de 2020

URBANISMO

 

URBANISMO

 

Traçado colonial

Projeto leva a todo o país imagens inéditas das cidades brasileiras antes de 1822

 

 comandante de navio holandês Dierick Ruiters traficava pau-brasil em Angra dos Reis (RJ) em 1617, quando foi surpreendido pelos portugueses. Preso inicialmente no Rio de Janeiro e depois levado para o Recife, foi julgado e condenado em Salvador dois anos depois. Conseguiu fugir e, em 1623, já de volta à Holanda, publicaria A Tocha da Navegação. Nesse livro, detalhou em mapas o acesso por mar às cidades pelas quais havia passado como prisioneiro. No ano seguinte, Ruiters foi incorporado à expedição de Wouter Willenkens que invadiu Salvador e, em 1630, à frota de Lonck, que ocuparia por um quarto de século a Capitania de Pernambuco. Em ambas as invasões, o traçado de seus mapas foi seguido à risca.

 

Os mapas de Ruiters estão no projeto Imagens das Vilas e Cidades do Brasil Colonial - o mais ambicioso do gênero já realizado no país. Já se conheciam cenas urbanas do período, mas é a primeira vez que praticamente todas as imagens registradas das cidades do Brasil Colônia são reunidas num único projeto. É inédito também o alcance de seu itinerário. Nenhum Estado ficará de fora. Do projeto constarão uma exposição itinerante e um kit com livro, CD-ROM e coleção de pôsteres, que serão distribuídos em 5 mil escolas públicas e privadas, bibliotecas e museus.

 

 

 

 

Rio de janeiro

O Morro do Castelo em mapa de 1775, à esquerda da Praça XV, e a Igreja da Candelária (no destaque)

 

O principal mérito do projeto é tornar públicas imagens de um dos períodos mais desconhecidos da História brasileira. É em um dos mapas de Salvador, por exemplo, que o Elevador Lacerda, cartão-postal da cidade, é mostrado no seu original: um "monta-cargas", engenhoca mecânica movida por escravos que andavam ininterruptamente dentro de rodas-gigantes.

 

As 100 cidades retratadas pelo projeto foram mapeadas num período (1580-1822) em que a população branca brasileira cresceu de 3 mil para 3 milhões de pessoas. Até o final do século 17, somente Salvador, Olinda, Recife e Rio de Janeiro tinham população significativa. No final do século 16, o padre jesuíta José de Anchieta escreveu numa carta que a cidade de São Paulo tinha apenas 150 habitantes. Foi a mineração que povoou e urbanizou as cidades do Centro-Sul. Apenas no século 18, a capital de Mato Grosso, Cuiabá, à época a quarta cidade do país, inchada pela busca do ouro, assistiu a 60 espetáculos de ópera.

 

A maioria dos mapas é obra de engenheiros militares, os únicos que conheciam cartografia. Eles foram chamados a remodelar as cidades brasileiras para dotá-las de ruas retas e mais largas. É também a natureza militar do ofício que explica por que Estados ermos como Roraima foram registrados no período colonial. O Tratado de Tordesilhas, que havia deixado fora do Império português mais da metade do atual território brasileiro, ainda preocupava a metrópole. Tudo o que ficava além de seus limites, portanto, como o Forte de São Joaquim, de Roraima, a construção mais setentrional do país no século 18, foi mapeado com mais afinco, por exemplo, que as cidades de Minas.

 

O projeto resultou de 40 anos de pesquisas iniciadas pelo professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Nestor Goulart Reis Filho. Aos 68 anos, sempre com voz mansa, o professor conclui o projeto às vésperas da aposentadoria compulsória. Autor de um clássico de urbanismo colonial - Evolução Urbana do Brasil, já esgotado -, Goulart Reis e outros 50 profissionais vasculharam mapas em todo o país e em arquivos e bibliotecas de Paris, Nova York, Porto e Lisboa. Ao longo dessas quatro décadas, pelo menos US$ 1,8 milhão foi investido em salários, viagens e documentação. Para divulgar o projeto, a Volkswagen, o Ministério da Cultura e a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo estão investindo mais R$ 500 mil. O trabalho será bem-sucedido, diz Goulart Reis, se os jovens saírem das escolas conhecendo melhor as origens de suas cidades do que as pirâmides do Egito.

     Maria Cristina Fernandes

Arquitetura itinerante

Livro retrata os monumentos do Brasil colonial

 

Além do projeto do professor Nestor Goulart Reis Filho, a arquitetura brasileira vai ganhar outra contribuição no ano do quinto centenário do país. O arquiteto Jorge de Souza Hue, ex-aluno de Lúcio Costa e consultor da prefeitura do Rio de Janeiro na área de restauração e preservação de bens culturais, vai lançar na terça-feira 6 o livro Uma Visão da Arquitetura Colonial no Brasil. Com 200 páginas, 220 fotos e tiragem de 2 mil exemplares, o livro explora a arquitetura colonial de oito Estados (Rio, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraná). Para catalogar e fotografar os monumentos desses Estados, com o patrocínio do BNDES, Jorge Hue e os fotógrafos José de Paula Machado e Nelson Monteiro viajaram 50 dias por 63 cidades. 

 

Foto:Márcia Folletto/Ag. O Globo

 

 

 

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