A resistência da fé
Recife saúda a restauração da primeira
sinagoga
das Américas, recordando a perseguição aos
judeus na Colônia
beco
mudou de nome - a antiga Rua dos Judeus chama-se hoje do Bom Jesus. O pacato
bairro que acolheu o casario colonial erguido pela comunidade judaica às
margens do Rio Capibaribe, no século 17, é agora ponto de efervescência
turística no Recife. Moradias que sobreviveram ao tempo e à intolerância
anti-semita, algumas reformadas nos últimos anos pela prefeitura, cederam lugar
a bares e restaurantes da moda. Em meio a esse burburinho, a tradição judaica
resiste e se destaca. Nos números 197 e 203 da Rua do Bom Jesus, dois sobrados
geminados simbolizam a força dessa resistência. Os prédios abrigaram a primeira
sinagoga das Américas, construída pelos judeus durante a ocupação holandesa, em
1640. Sobreviveram à ira luso-brasileira após a expulsão dos invasores e agora
ganham vida nova. Tombado pelo Patrimônio Histórico, o mais antigo marco do
povo israelita no Brasil começa a ser restaurado ainda este mês,
transformando-se em centro cultural.
Trégua
No Recife dos holandeses, pintado por Franz Post, os judeus podiam assumir sua
fé
A
sinagoga Zur Israel, "Rochedo de Israel" em hebraico, evoca a saga
dos primeiros judeus nas Américas. Pernambuco, como outras capitanias da
Colônia, recebeu nos séculos 16 e 17 grandes levas de imigrantes europeus de
origem judaica, convertidos à força ao catolicismo durante a Inquisição. Eram
os chamados cristãos-novos, judeus batizados na Igreja Católica sob pena de
expulsão da Península Ibérica e de suas colônias. Muitos procuraram negócios no
Novo Continente e vieram para o Brasil. Em terras pernambucanas, concentraram-se
Os
primeiros judeus chegaram a Pernambuco na comitiva do donatário Duarte Coelho,
o fundador da capitania. Um deles, Diogo Fernandes, ganhou do governante o
engenho Camaragibe e dentro da casa-grande mantinha uma sinagoga clandestina,
onde os pretensos judeus conversos se reuniam para ler o livro sagrado, a Tora.
Em Olinda, os mais corajosos também praticavam o culto no recesso do lar. Um
deles percorria a cidade com um lenço vermelho preso ao tornozelo, senha para a
realização do culto. Em 1593, quando os inspetores do Santo Ofício chegaram a
Olinda, cerca de 100 cristãos-novos foram denunciados.
Hostilidade
precoce
A perseguição aos judeus foi a regra na
Colônia
O primeiro cristão-novo a pisar em chão brasileiro chegou com Cabral. Gaspar de
Lemos, um polonês que viveu em Goa, veio ao Brasil como intérprete. Em 1503,
outro judeu, Fernão de Noronha, arrendou as novas terras para explorar riquezas
locais, sobretudo pau-brasil. Ao lado de Pernambuco, a Bahia e o Rio foram
importantes pólos de fixação dos judeus na Colônia. E cenários de perseguição
religiosa após o recrudescimento da Inquisição, que culminou com dezenas de
execuções. No século 18, por exemplo, o teatrólogo Antônio José da Silva acabou
morrendo na fogueira em Portugal.
Olinda era uma
cidade virtual de cristãos-novos, mas na realidade era de judeus", afirma
o arquiteto José Luiz Menezes, responsável pelo projeto de restauração da
sinagoga. Existiam na época perto de 5 mil judeus em Pernambuco. "É
indiscutível a contribuição deles para o desenvolvimento da Colônia e para a
consolidação da economia do açúcar", destaca Menezes. Com a invasão
holandesa, em 1630, os judeus passaram a desfrutar de liberdade religiosa - a
Holanda era uma nação calvinista e recebia sem preconceito religioso grandes
contingentes de judeus perseguidos.
Após o incêndio que destruiu parte de Olinda, em
"O governo já reformou milhares de igrejas católicas e até centro de
candomblé, faltava uma sinagoga", afirma Boris Berenstein, presidente da
Federação Israelita de Pernambuco. O projeto é montar no andar superior uma
réplica da antiga Zur Israel. No térreo, além da sala de exposições, será
instalado um centro de documentação. A reforma deve custar R$ 700 mil, bancados
pelo Banco Safra por meio da lei de incentivo à cultura. Antes das obras, uma
prospecção arqueológica rastreará detalhes da arquitetura original e vestígios
dos antigos fiéis. "Às vésperas dos 500 anos do Descobrimento, é relevante
mostrar como a presença judaica foi importante para a formação da cultura
brasileira", ressalta Berenstein.
Sérgi
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