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8 de agosto de 2020
Subsolo da História
Subsolo da História
Vestígios do mais antigo engenho açucareiro em Porto Seguro põem em dúvida datação do início da atividade produtiva na colônia
Primos remotos
Nos fundos da Igreja de Trancoso, material arqueológico recolhido sob a supervisão de pesquisadores revela vestígios de um grupo indígena desconhecido que teria vivido em aldeia com até 200 índios já iniciados na prática da agricultura Porto Seguro ainda tem muito a contar sobre seus primeiros habitantes, seus costumes e a forma como ocuparam aquela região, uma das mais estudadas pelos historiadores em todo o país. Escavações realizadas ali nos últimos três anos por uma equipe de arqueólogos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob coordenação do professor de Antropologia Carlos Etchevarne, revelaram a existência de 70 sítios arqueológicos. Embora mal tenham começado a análise do material encontrado - fragmentos de cerâmica e objetos de adorno, principalmente -, os pesquisadores estão convencidos da descoberta de um grupo indígena ainda desconhecido dos antropólogos ou de uma nova unidade cultural indígena, no jargão técnico. O principal vestígio do grupo, ainda não identificado, é uma funerária com cerca de 650 anos, encontrada atrás da Igreja de Trancoso. Os pesquisadores estimam que o grupo era composto de 100 a 200 pessoas habituadas a lavrar a terra.
Outro achado de grande interesse para os pesquisadores é o Engenho de Açúcar de Itacimirim, a 3 quilômetros do centro de Porto Seguro. As peças de cerâmica encontradas na região datam, no máximo, de 1520. Ou seja, seriam restos do mais antigo engenho de açúcar até hoje descoberto no país. Os historiadores costumam dizer que naquele tempo havia apenas atividades extrativistas na nova colônia portuguesa. E apontam o início do Ciclo do Açúcar no Brasil em 1532, com o engenho de Martim Afonso de Sousa, em São Vicente. O pequeno engenho baiano estava descrito no livro do viajante Gabriel Soares de Souza de forma bastante minuciosa. O material encontrado indica que índios e portugueses conviviam no local. Um exemplo é um tembetá, adorno labial masculino, achado entre fragmentos de fôrmas usadas para assar pão. Isso faz supor que índios tupiniquins trabalhavam no engenho.
O mérito de tais descobertas deve ser creditado, em parte, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 1996, o Iphan condicionou a realização de várias obras de saneamento básico, iluminação e estradas em Porto Seguro - uma área toda tombada pelo próprio instituto - ao desenvolvimento paralelo de pesquisas arqueológicas. Assim se evitaria a destruição de parte importante da História do país. Engajada no projeto por força dessa exigência, a equipe da UFBA não se limita a acompanhar as obras. Ela fundou o Núcleo Avançado de Pesquisas Arqueológicas (Napas), planejado para sobreviver mesmo após o fim das obras.
Em Porto Seguro, a missão da equipe, composta de três pesquisadores, desenvolve-se em duas frentes. Enquanto um arqueólogo acompanha de perto as obras, os demais tentam localizar novos sítios, principalmente por meio de fotografias aéreas e bibliografias. Relatos de viajantes, por exemplo, podem conter informações preciosas. Através de uma crônica de época os pesquisadores encontraram os vestígios do engenho de açúcar do início do século XVI. Também foram descobertos sinais de um antigo povoado, Juacema, que portugueses habitaram por cerca de 40 anos, em meados daquele século, até ser expulsos por índios. O interessante é que o lugar, hoje uma fazenda, preservou o nome do antigo povoado. Entrevistas com moradores da região também se têm mostrado úteis. A antiga missão jesuítica de Vale Verde foi resgatada dessa forma. Embora desativada no final do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas ela voltou a se formar como distrito, onde hoje algumas casas conservam os traços coloniais de antigas moradias rurais.
Nos últimos três anos, os arqueólogos vêm coleciona índios e brancos em diversos locais.
Por causa desses achados, a estrada em construção que liga Porto Seguro a Arraial d'Ajuda teve de sofrer três desvios. "Só nesse caminho encontramos oito sítios arqueológicos, a maioria com material pré-colonial e europeu", diz o pesquisador Luiz Viva, que se transferiu para Porto Seguro no início do projeto. Ainda na parte alta da cidade, em um jardim de pouco mais de 20 metros quadrados situado nos fundos de uma casa, foram detectadas pistas de cinco séculos de ocupação. Acondicionado em 200 caixas, o material recolhido inclui desde objetos dos índios tupi-guaranis até faiança inglesa do século XIX.
Certos de que os 70 sítios localizados não esgotam todo o potencial arqueológico da região, os pesquisadores devem prosseguir com as escavações e buscas por mais dois anos. Feito o mapeamento detalhado da região, a pesquisa passará para a segunda fase. Com o apoio de um sólido banco de dados, será a hora de aprofundar o conhecimento de sítios específicos. Essa pesquisa trará novas luzes sobre os hábitos dos primeiros brasileiros encontrados pelos colonizadores.
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