8 de agosto de 2020

A capital das flores

 A capital das flores

 

Meio século depois da chegada ao Brasil, os holandeses formam no interior de São Paulo uma das mais bem-sucedidas colônias do país

 

 

Festa

Piet Schoenmaker, o coordenador do grupo de danças, chegou em 1959 

Na tarde do dia 14 de julho de 1948, ao fincar a primeira pá no solo da Fazenda Ribeirão, no município de Mogi Mirim, 144 quilômetros ao norte de São Paulo, o imigrante holandês Geert Heymeijer invocou ajuda divina. "Otrabalho que agora vamos iniciar é difícil e de grande importância. Rezemos um pai-nosso", proclamou. Era o começo da exploração das terras que viriam a se transformar, anos depois, em Holambra, uma das mais sólidas colônias de imigrantes do Brasil. A cidade, cujo nome é a junção das iniciais de Holanda, América e Brasil, abriga a maior comunidade holandesa do país e é conhecida pela vasta produção de flores e plantas ornamentais.

 

Não foi fácil no começo. Eles chegaram à região depois do fim da Segunda Guerra Mundial para escapar das dificuldades impostas pela destruição da Europa. As terras na Holanda ficaram muito caras e a legião de desempregados não parava de crescer. OBrasil foi o destino escolhido porque era um dos poucos países que aceitavam receber grupos de estrangeiros, facilitando a formação de colônias. Outro ponto a favor: deu-se prioridade a um país católico, porque a imigração era apoiada pela Organização dos Lavradores e Horticultores Católicos da Holanda.

 

"Nossa chegada foi cercada de problemas", recorda-se Wilhelmus Welle, de 85 anos, um dos primeiros a se aventurar no novo país. "A língua era difícil, o clima diferente e a região muito pobre, faltava tudo." Ao chegar à fazenda, os imigrantes eram acomodados em casas de taipa. Não tinham móveis, eram infestadas de cobras, aranhas e insetos. Os caminhões de mudança demoravam seis semanas para ir do Porto de Santos a seu destino, e, no caminho, grande parte dos pertences se quebrava. Welle lembra que os colonos brincavam à noite para ver quem encontrava mais cobras debaixo da cama.

 

As dificuldades não se restringiam à falta de conforto ou à nova realidade inóspita. A primeira atividade econômica tentada pelos holandeses fracassou. A maior parte do rebanho de 718 vacas trazidas da Europa não resistiu à febre aftosa e ao calor tropical do interior paulista. Em pouco tempo, o gado estava dizimado. "Alguns imigrantes desanimaram e resolveram voltar para a Holanda ou se aventurar pelo sul do país", diz Catharine Welle Sitta, filha de Welle e coordenadora do Museu da Imigração. A instituição, montada em um barracão ao lado da primeira casa de taipa da fazenda, dispõe de um acervo de 2 mil fotos que documentam a saga holandesa.

 

A situação só começou a melhorar quando a fazenda foi dividida em lotes e os colonos, com apoio financeiro do governo holandês, diversificaram a atividade produtiva. Passaram a fabricar queijo e ração para animais, a criar aves e suínos e a plantar café e milho. A produção era comercializada pela Cooperativa Agropecuária Holambra, fundada pelos primeiros imigrantes. No final de 1950, a colônia holandesa era composta de 649 pessoas. A tentativa de desenvolver a floricultura ocorreu em 1956, quando sementes de gladíolo, conhecido por palma-de-santa-rita, foram trazidas da Europa. Mas a produção em grande escala só prosperou a partir da segunda metade dos anos 60.

 

 

Floricultura

A produção anual é de 12 milhões de dúzias de rosas e 19 milhões de violetas 

Hoje, Holambra concentra 30% da produção de flores do país. Os 190 produtores do município cultivam mais de 250 espécies e 2 mil variedades de plantas. "Vendemos por dia 1.600 lotes de flores por meio de leilões e 1.200 por contratos", diz Renato Opitz, diretor-geral do Veiling, setor da cooperativa responsável pela comercialização. "O mercado de flores tem crescido continuamente e já movimenta R$ 1,2 bilhão no varejo", informa.

 

O sucesso da floricultura deu ao município de 8.500 habitantes, dos quais 15% são holandeses ou descendentes, uma qualidade de vida comparável à do Primeiro Mundo. Todas as casas estão integradas às redes de água e esgoto, o índice de mortalidade infantil é de 5,9 (a taxa brasileira é de 36,1 crianças mortas por mil nascidas vivas) e o consumo anual per capita de energia elétrica (1.300 kWh) é o maior do país. A cidade lembra a terra natal dos imigrantes. É pontilhada de moinhos e as ruas do centro dispõem de 5 quilômetros de ciclovia, um incentivo ao tradicional hábito de pedalar dos holandeses. Na falta dos canais, Holambra é cortada por dois lagos, nos quais a população pesca. As casas de tijolos aparentes e com amplos jardins floridos também ajudam a recordar a Holanda.

 

Setembro é o mês ideal para visitar a região e conhecer um pouco da cultura dos imigrantes. É quando acontece a Expoflora, a maior exposição de flores do país, e 230 mil visitantes invadem o pequeno município de 65 quilômetros quadrados. Um dos maiores destaques é o grupo de danças folclóricas criado por Piet Schoenmaker, o garoto-propaganda do evento. Os turistas podem experimentar a culinária típica, visitar fazendas de flores e conhecer o maior borboletário do país, instalado no Parque Ecológico Lindenhof.

 

 

Yuri Vasconcelos, em Holambra

 

Fotos: La Costa/Época

 

Volta

 

 

 

 

 

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