7 de julho de 2017

O cinema cai na folia













O cinema cai na folia
Cinema e carnaval, uma parceria que dá samba

Por Roberto Guerra

No quesito harmonia, cinema e carnaval sempre tiraram nota máxima ao longo dos anos. Desde os tempos do cinema mudo, passando pelas chanchadas e pelo Cinema Novo, esse bem-sucedido casamento sempre rendeu bons frutos, ajudando a recriar, seja por meio de documentários ou filmes de ficção, um panorama da maior festa popular brasileira.

Os primeiros registros documentais do carnaval datam de 1908. Nesses primeiros anos de cinema nacional, foram produzidos diversos documentários mudos de curtas-metragens registrando festas carnavalescas. Feitos em profusão, esses filmes antecederam uma tradição que faria escola mais tarde na ficção.

Sem desmerecer a importância desses primeiros registros - a maioria deles perdidos -, o carnaval precisava de algo mais do que imagens para ser retratado em sua essência. Esse algo mais, claro, era a música. Isso só aconteceu no final da década de 20 com a conquista do som, ocorrida em 1927 nos EUA e, em 1929, no Brasil.

Nesse contexto, os musicais, como pode se imaginar, despontaram como um dos principais gêneros cinematográficos. Já em 1933, o filme A Voz do Carnaval, dirigido por Ademar Gonzaga e Humberto Mauro - no qual Carmen Miranda estréia nas telas -, inicia o ciclo musical-carnavalesco. É seguido por Alô, Alô, Brasil! (1935), de Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro, e Alô, Alô Carnaval, de Ademar Gonzaga (1936). Outros filmes carnavalescos de importância são rodados na época, como Tererê Não Resolve (1938), de Luís de Barros, e Banana da Terra (1938), de Rui Costa. No mesmo período é produzido, e merece destaque, Favela de Meus Amores (1935), que destoa dos outros por ser um drama sobre o samba e o carnaval transcorrido numa favela carioca, que não se enquadrava na estrutura de musical.


Uma retrato da época

Mais do que enumerar os filmes produzidos na época, é interessante entender o contexto social em que eles surgiram. Quando, por exemplo, o filme Alô, Alô, Carnaval foi produzido, em fins de 1935, os estúdio da Cinédia, no Rio, formavam uma espécie de filial carioca de Hollywood. O bairro de São Cristóvão parou durante os dois meses de filmagens para assistir a um desfile de astros e estrelas do teatro e do rádio. Em primeiro lugar, não era qualquer evento que reunia de uma só vez Carmen Miranda, Francisco Alves, Lamartine Babo, Dircinha Baptista, além dos comediantes Oscarito e Jayme Costa. Por outro lado, filmes como esse serviam para apresentar os cantores, num tempo em que a TV não existia, ao grande público, que não tinha acesso aos cassinos. Aliás, a intenção de conquistar a massa evidencia-se ao analisarmos o argumento ingênuo do filme, talhado de forma a conquistar o espectadores pouco exigentes dos programas de auditório. A trama gira em torno de dois produtores de teatro de revista (Barbosa Júnior e Pinto Filho) que tentam convencer um empresário (Jayme Costa), proprietário do Cassino Mosca Azul, a bancar o espetáculo Banana da Terra. O empresário, a princípio, não quer saber do número, preferindo uma atração européia. Mas os estrangeiros dão um “bolo” e, sem alternativa, o dono do cassino contrata o espetáculo de revista. Essa, claro, é a deixa para o desfile das grandes estrelas do show biz brasileiro.



A época de ouro das chanchadas

Esses filmes produzidos nos anos 30 foram os precursores de um gênero que iria, nas décadas de 40 e 50, sintetizar e definir o cinema brasileiro: a chanchada. Assim eram chamados os filmes de amplo apelo popular, que misturavam comédia, números musicais e drama. Sem dúvida, foi o período em que cinema e carnaval estiveram mais intimamente ligados. Nessa época, foram produzidos filmes expressivos com temática carnavalesca como Carnaval no Fogo (1949), Aviso aos Navegantes (1950), ambos de Watson Macedo, e Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle. Esses dois últimos praticamente contavam com o mesmo elenco: Grande Otelo, Oscarito, José Lewgoy, como vilão, e Cyl Farney ou Anselmo Duarte como galãs. Outros, menos expressivos, como Carnaval em Caxias (1953), Carnaval em Lá Maior (1954) e Carnaval em Marte (1955), entre outros, levaram às telas enredos com temática carnavalesca.


Cinema Novo


Os anos 60 marcaram o fim das chanchadas e o nascimento de um movimento que passou a ser conhecido como Cinema Novo. Mas seu caráter diametralmente oposto ao modelo seguido na década anterior não o impediu de retratar o carnaval. Dois filmes que merecem ser citados, já nos anos 70, são Amor, Carnaval e Sonho (1972), de Paulo César Sarraceni, com Leila Diniz, Ana Maria Miranda e Harduíno Colassanti, e A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Júnior, com Cláudio Marzo, Anecy Rocha e Paulo César Pereio. Ambos contam histórias de amor bem cariocas, tendo como pano de fundo os desfiles carnavalescos. Amor, Carnaval e Sonho, além disso, registra cenas do último baile de carnaval do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.


Folia documentada
Os primeiros registros do carnaval foram feitos em documentários no início do século passado. Depois, os filmes de ficção, com enredos que tinham o carnaval como pano de fundo, pipocaram nas telas principalmente nas décadas de 30, 40 e 50. Mas, ainda assim, o gênero documental nunca deixou de registrar grandes momentos dessa festa popular. Dos anos 70 até os 90, muitos documentários de qualidade foram feitos sobre o tema. Podemos citar, por exemplo, Beija-Flor - Samba da Criação do Mundo (1978), de Vera Figueiredo, que mostra a primeira vitória do carnavalesco Joãozinho Trinta assinando sozinho o enredo A Criação do Mundo na Tradição Nangô, que deu a vitória à Beija Flor de Nilópolis, em 1976. O que hoje é “carne de vaca” nos desfiles - a nudez das passistas, os grandes carros alegóricos, a riqueza visual, o samba em ritmo acelerado - era novidade naquela época. A diretora, ciente disso, conseguiu captar o encantamento e o impacto que essas novidades causaram no público. Outros documentários importantes são o curta Artesanato do Samba, de Zózimo Bubul e Vera Figueiredo, um dos primeiros a mostrar os barracões das escolas de samba, e o média-metragem Fala Mangueira, de Fredi Confalonieri, que mostra o cotidiano da mais tradicional escola do Rio, além de trazer depoimentos de Cartola, Carlos Cachaça e de outros grandes sambistas. Recentemente, Helena Solberg dirigiu Banana is my Businnes (1995), filme que faz um misto de ficção e realidade para contar a história de Carmen Miranda nos EUA.

Uma constante fonte de inspiração
Em 1999, o cineasta Cacá Diegues filmou Orfeu, baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes. O filme conta a história de Orfeu e Eurídice, que começa num sábado de carnaval. O mais conhecido compositor dos morros do Rio de Janeiro, Orfeu, é o líder da favela onde mora e de sua escola de samba, a Unidos da Carioca. Ele trabalha nos últimos preparativos para o desfile de carnaval quando conhece Eurídice, recém-chegada à cidade em busca de uma tia, sua única parente viva, desde que seu pai morrera nos garimpos do Acre. Os dois se apaixonam perdidamente, provocando o ciúme de todos e a violência de alguns. O carnaval carioca, mais uma vez, é coadjuvante na trama.

Até hoje não se sabe ao certo qual a origem do carnaval, assim como a origem do nome, que continua sendo polêmica. Alguns estudiosos afirmam que a comemoração tem suas raízes em alguma festa primitiva, de caráter orgíaco, realizada em honra ao ressurgimento da primavera. Outros acreditam que tenha se iniciado nas alegres festas promovidas no antigo Egito. Mas seja lá qual for sua origem, o carnaval, seus mistérios, sua estética e seu apelo popular serão, por muito tempo ainda, fonte de inspiração para o cinema brasileiro.


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