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O cinema cai na folia
Cinema
e carnaval, uma parceria que dá samba
Por
Roberto Guerra
No quesito
harmonia, cinema e carnaval sempre tiraram nota máxima ao longo dos anos.
Desde os tempos do cinema mudo, passando pelas chanchadas e pelo Cinema
Novo, esse bem-sucedido casamento sempre rendeu bons frutos, ajudando a
recriar, seja por meio de documentários ou filmes de ficção, um panorama
da maior festa popular brasileira.
Os primeiros registros documentais do carnaval datam de 1908. Nesses
primeiros anos de cinema nacional, foram produzidos diversos
documentários mudos de curtas-metragens registrando festas carnavalescas.
Feitos em profusão, esses filmes antecederam uma tradição que faria
escola mais tarde na ficção.
Sem desmerecer a importância desses primeiros registros - a maioria deles
perdidos -, o carnaval precisava de algo mais do que imagens para ser
retratado em sua essência. Esse algo mais, claro, era a música. Isso só
aconteceu no final da década de 20 com a conquista do som, ocorrida em
1927 nos EUA e, em 1929, no Brasil.
Nesse contexto,
os musicais, como pode se imaginar, despontaram como um dos principais
gêneros cinematográficos. Já em 1933, o filme A Voz do Carnaval,
dirigido por Ademar Gonzaga e Humberto Mauro - no qual Carmen Miranda
estréia nas telas -, inicia o ciclo musical-carnavalesco. É seguido por Alô,
Alô, Brasil! (1935), de Wallace Downey, João de Barro e Alberto
Ribeiro, e Alô, Alô Carnaval, de Ademar Gonzaga (1936). Outros
filmes carnavalescos de importância são rodados na época, como Tererê
Não Resolve (1938), de Luís de Barros, e Banana da Terra
(1938), de Rui Costa. No mesmo período é produzido, e merece destaque, Favela
de Meus Amores (1935), que destoa dos outros por ser um drama sobre o
samba e o carnaval transcorrido numa favela carioca, que não se
enquadrava na estrutura de musical.
Uma retrato da época
Mais do que
enumerar os filmes produzidos na época, é interessante entender o
contexto social em que eles surgiram. Quando, por exemplo, o filme Alô,
Alô, Carnaval foi produzido, em fins de 1935, os estúdio da Cinédia,
no Rio, formavam uma espécie de filial carioca de Hollywood. O bairro de
São Cristóvão parou durante os dois meses de filmagens para assistir a um
desfile de astros e estrelas do teatro e do rádio. Em primeiro lugar, não
era qualquer evento que reunia de uma só vez Carmen Miranda, Francisco
Alves, Lamartine Babo, Dircinha Baptista, além dos comediantes Oscarito e
Jayme Costa. Por outro lado, filmes como esse serviam para apresentar os
cantores, num tempo em que a TV não existia, ao grande público, que não
tinha acesso aos cassinos. Aliás, a intenção de conquistar a massa
evidencia-se ao analisarmos o argumento ingênuo do filme, talhado de
forma a conquistar o espectadores pouco exigentes dos programas de
auditório. A trama gira em torno de dois produtores de teatro de revista
(Barbosa Júnior e Pinto Filho) que tentam convencer um empresário (Jayme
Costa), proprietário do Cassino Mosca Azul, a bancar o espetáculo Banana
da Terra. O empresário, a princípio, não quer saber do número, preferindo
uma atração européia. Mas os estrangeiros dão um “bolo” e, sem
alternativa, o dono do cassino contrata o espetáculo de revista. Essa,
claro, é a deixa para o desfile das grandes estrelas do show biz
brasileiro.
A época de ouro das chanchadas
Esses filmes
produzidos nos anos 30 foram os precursores de um gênero que iria, nas
décadas de 40 e 50, sintetizar e definir o cinema brasileiro: a chanchada.
Assim eram chamados os filmes de amplo apelo popular, que misturavam
comédia, números musicais e drama. Sem dúvida, foi o período em que
cinema e carnaval estiveram mais intimamente ligados. Nessa época, foram
produzidos filmes expressivos com temática carnavalesca como Carnaval
no Fogo (1949), Aviso aos Navegantes (1950), ambos de Watson
Macedo, e Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle. Esses
dois últimos praticamente contavam com o mesmo elenco: Grande Otelo,
Oscarito, José Lewgoy, como vilão, e Cyl Farney ou Anselmo Duarte como
galãs. Outros, menos expressivos, como Carnaval em Caxias (1953), Carnaval
em Lá Maior (1954) e Carnaval em Marte (1955), entre outros,
levaram às telas enredos com temática carnavalesca.
Cinema Novo
Os anos 60 marcaram o fim das chanchadas e o nascimento de um movimento
que passou a ser conhecido como Cinema Novo. Mas seu caráter
diametralmente oposto ao modelo seguido na década anterior não o impediu
de retratar o carnaval. Dois filmes que merecem ser citados, já nos anos
70, são Amor, Carnaval e Sonho (1972), de Paulo César Sarraceni,
com Leila Diniz, Ana Maria Miranda e Harduíno Colassanti, e A Lira do
Delírio (1978), de Walter Lima Júnior, com Cláudio Marzo, Anecy Rocha
e Paulo César Pereio. Ambos contam histórias de amor bem cariocas, tendo
como pano de fundo os desfiles carnavalescos. Amor, Carnaval e Sonho,
além disso, registra cenas do último baile de carnaval do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro.
Folia documentada
Os primeiros
registros do carnaval foram feitos em documentários no início do século
passado. Depois, os filmes de ficção, com enredos que tinham o carnaval
como pano de fundo, pipocaram nas telas principalmente nas décadas de 30,
40 e 50. Mas, ainda assim, o gênero documental nunca deixou de registrar
grandes momentos dessa festa popular. Dos anos 70 até os 90, muitos
documentários de qualidade foram feitos sobre o tema. Podemos citar, por
exemplo, Beija-Flor - Samba da Criação do Mundo (1978), de Vera
Figueiredo, que mostra a primeira vitória do carnavalesco Joãozinho
Trinta assinando sozinho o enredo A Criação do Mundo na Tradição Nangô,
que deu a vitória à Beija Flor de Nilópolis, em 1976. O que hoje é “carne
de vaca” nos desfiles - a nudez das passistas, os grandes carros
alegóricos, a riqueza visual, o samba em ritmo acelerado - era novidade
naquela época. A diretora, ciente disso, conseguiu captar o encantamento
e o impacto que essas novidades causaram no público. Outros documentários
importantes são o curta Artesanato do Samba, de Zózimo Bubul e
Vera Figueiredo, um dos primeiros a mostrar os barracões das escolas de
samba, e o média-metragem Fala Mangueira, de Fredi Confalonieri,
que mostra o cotidiano da mais tradicional escola do Rio, além de trazer
depoimentos de Cartola, Carlos Cachaça e de outros grandes sambistas.
Recentemente, Helena Solberg dirigiu Banana is my Businnes (1995),
filme que faz um misto de ficção e realidade para contar a história de
Carmen Miranda nos EUA.
Uma constante fonte de inspiração
Em 1999, o
cineasta Cacá Diegues filmou Orfeu, baseado na peça Orfeu da
Conceição, de Vinicius de Moraes. O filme conta a história de Orfeu e
Eurídice, que começa num sábado de carnaval. O mais conhecido compositor
dos morros do Rio de Janeiro, Orfeu, é o líder da favela onde mora e de
sua escola de samba, a Unidos da Carioca. Ele trabalha nos últimos
preparativos para o desfile de carnaval quando conhece Eurídice,
recém-chegada à cidade em busca de uma tia, sua única parente viva, desde
que seu pai morrera nos garimpos do Acre. Os dois se apaixonam
perdidamente, provocando o ciúme de todos e a violência de alguns. O
carnaval carioca, mais uma vez, é coadjuvante na trama.
Até hoje não se sabe ao certo qual a origem do carnaval, assim como a
origem do nome, que continua sendo polêmica. Alguns estudiosos afirmam
que a comemoração tem suas raízes em alguma festa primitiva, de caráter
orgíaco, realizada em honra ao ressurgimento da primavera. Outros
acreditam que tenha se iniciado nas alegres festas promovidas no antigo
Egito. Mas seja lá qual for sua origem, o carnaval, seus mistérios, sua
estética e seu apelo popular serão, por muito tempo ainda, fonte de
inspiração para o cinema brasileiro.
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