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Balaiada:
Rebelião de massas... de manobra
Angela Birardi, Erik
Hörner e Gláucia R. Castelani
angela@klepsidra.net, erikhorner@klepsidra.net, glaucia@klepsidra.net Segundo Ano - História/USP balaiada.doc - 188KB |
INTRODUÇÃO
A obscuridade com a qual
o tema foi tratado até então despertou a nossa curiosidade para com a revolta
da Balaiada. Dentre as rebeliões regenciais - Cabanagem, Sabinada,
Farroupilha e Balaiada -, esta última foi tratada de forma secundária ao
longo da historiografia nacional.
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Fabricantes
de Balaios
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No decorrer do presente
estudo, constatamos o desencontro de fontes e datas, bem como a inexpressiva
disponibilidade documental. Apesar das dificuldades bibliográficas, o estudo
desse movimento mostrou-se surpreendente, intrigante e enriquecedor, na medida
em que preencheu as lacunas do nosso conhecimento sobre o período.
O trabalho nos revelou
agradáveis surpresas, pois a revolta foi um movimento ímpar devido as suas
peculiaridades, como a heterogeneidade de interesses, responsáveis pela
fragilidade ideológica do mesmo. Daí o porquê de nos referirmos à revolta como
"Balaiadas", pois esta é uma forma de expressar a pluralidade do
movimento, ou seja, uma rebelião constituída em seu interior por levantes
distintos.
Algumas das diversas rebeliões regenciais, que eclodiram quase que simultaneamente
CONTEXTO NACIONAL – ECONOMIA, POLÍTICA, PODER
Permaneciam o comércio
grosso e o comércio a retalho controlados por portugueses, enquanto seus novos
rivais, os ingleses, detinham os negócios de exportação e importação
agrilhoando a economia nacional. A expansão do capitalismo no Brasil ia
afastando os portugueses das sólidas posições que haviam ocupado desde então.
Reinava o descontentamento tanto entre os lusitanos, que passavam a segundo
plano no mundo dos negócios, como entre os agricultores brasileiros, esmagados
pelos juros impostos por seus novos credores, pela desvalorização dos produtos
tradicionais no mercado internacional e pelo encarecimento do escravo
impulsionado pela determinação inglesa de extinguir o tráfico negreiro.
Com o avanço do
capitalismo, a formação do mercado de trabalho imporia a alienação dos poucos
direitos que o sertanejo considerava assegurados. Nesse contexto, muitas
famílias obrigadas a abandonar fazendas onde eram "moradoras" erravam
pelas caatingas ou se dirigiam aos centros urbanos, iniciando, desse modo, um
processo migratório em busca da sobrevivência.
Não
obstante, agravaram-se também as condições de vida do trabalhador escravo.
Devido às pressões econômicas da Inglaterra com relação a extinção do tráfico
negreiro, sobrecarregava-se mais ainda o trabalhador de encargos para
recuperar rapidamente o capital nele investido. Os antigos costumes dos
engenhos que permitiam aos africanos reunirem-se para cultivar seus deuses,
realizarem suas danças rituais e cultivarem pequenas roças foram desaparecendo.
As fugas multiplicavam-se e os quilombos cresciam ameaçadoramente. Além dos
desocupados e de negros aquilombados, o sertão ainda abrigava outros
marginalizados: índios, fugitivos da justiça e vencidos de lutas políticas,
bem como os bandos armados, formados por homens que haviam participado de
disputas políticas que se travaram entre membros das juntas governativas, no
período anterior à Independência e que se prolongaram pelo Primeiro Reinado.
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Negros
aquilombados
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O
Primeiro Reinado transcorreu sob forte tensão política entre D. Pedro I e a
maioria da Câmara de Deputados. Não podiam ser facilmente esquecidas a
dissolução da Assembléia Constituinte e a outorga da Carta de 1824. Além
disso reprimida com violência a Confederação do Equador, desvaneceram-se as
ilusões que os novos políticos brasileiros, ligados aos proprietários de
terras e escravos, nutriam de compartilhar o poder com o trono. Foi
justamente por ocasião da Confederação do Equador que se organizou
concretamente uma oposição ao governo de D. Pedro I, bem como manifestou-se
com vigor as tendências republicanas e federativas. Apesar de derrotado, tal
movimento deixou profundas marcas nos círculos políticos de âmbito
nacional.
A Câmara dos Deputados,
eleita em 1824 e só convocada em 1826, comportava dois grupos de
parlamentares: os exaltados e os moderados. Todavia, essas denominações ainda
não eram expressavam de acordos firmados ou plataformas rígidas. Baseavam-se
mais na veemência dos debates que exigiam modificações na distribuição do
poder. Liberais todos se intitulavam, desde republicanos a tradicionais
monarquistas. Os exaltados diziam-se dispostos a revolucionar o país,
enquanto os moderados presumiam poder criar brechas no sistema de poder, para
transformá-lo a partir do seu interior. De toda forma, em abril de 1831,
estavam juntos moderados e exaltados – eleitos na Assembléia Legislativa de
1830 – pressionando o governo para que o ministério, deposto no dia 5, fosse
reempossado.
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Pressionado
pelos grupos políticos e por forças militares heterogêneas (constituídas por
mercenários estrangeiros e nacionais; cidadãos e escravos) ambos de caráter
anti-lusitano, o imperador abdica no dia 7 de Abril sob "a presença
ameaçadora de batalhões e do povo". É justamente aí que surgem novos
componentes, atuando como instrumento de pressão junto à classe dominante: o
povo e as tropas.
Chegara, finalmente, o
momento dos grupos dominantes brasileiros gerirem o Estado. No entanto, não
seria fácil harmonizar a disparidade ideológica das tendências vencedoras. O
maior perigo nesse momento vinha das fileiras militares onde grassava a
insubordinação, ou seja, conter o exército era imperativo para o
estabelecimento da ordem civil.
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Compartilhando do mesmo
temor, moderados e lideranças do grupo exaltado uniram-se no comando do
processo político. Em Julho de 1831 era promulgada a lei que limitava as
atribuições nas Regências, privando-as de vários dispositivos legais próprios
do poder Moderador. Dessa forma, o enfraquecimento do Poder Executivo era
exigência natural de um movimento que nascera na Câmara, em oposição ao
autoritarismo real. Eleita a Regência Trina Permanente, os moderados eram a
maioria deliberante do país. Longe da paz almejada, agora
"desenvolver-se-iam com vigor os embates da história da formação das
classes dominantes no Brasil". Em outras palavras, os primórdios do
processo que permitiu a definição social e política dos vários segmentos que
irão compor a burguesia nacional.
A luta política que se
travou no Rio de Janeiro pela direção do governo Central foi intensa por todo o
período regencial. Não chegou a haver conflito armado, expressando-se, contudo,
a disposição belicosa em golpes e contragolpes políticos. Não havia ainda
clareza quanto à ideologia dos grupos políticos que se abriram sob a
denominação de moderados ou liberais. Pareciam apenas excluídos do
"congraçamento liberal" aqueles que esposavam o republicanismo.
Contra o governo da Regência, articulava-se uma frente oposicionista insólita,
integrada por restauradores (caramurus), exaltados (republicanos federalistas)
e oficiais portugueses do Exército. Sucediam-se manifestações de rua favoráveis
à volta de D. Pedro I, com a participação de militares ao lado de populares.
Para enfrentar o perigo, a
cúpula dos moderados- incompatibilizada com o Senado pelo bloqueio que fazia à
aprovação dos projetos enviados pela Câmara, da qual fazia parte o ministro da
Justiça, Feijó tenta em 1832 um golpe de Estado no interior do próprio governo.
Pretendiam os golpistas uma nova Constituição que abolisse o Senado, o Conselho
de Estado e o poder Moderador, bem como concedesse maiores poderes às
províncias. Contudo, o golpe falhou. A partir do golpe frustrado, tornou-se
mais complexo ainda o quadro político. Com o intuito de solucionar ou amenizar
os problemas de cunho político, cuja maior expressão era personificada pelas
rebeliões ou movimentos provinciais, em 12 de Agosto de 1834 é aprovado pela
Câmara o Ato Adicional (medida descentralizadora do poder). Entre suas
principais disposições estavam: transformação da Regência Trina em Una;
transformação das Assembléias Provinciais em Assembléias Legislativas ;
concentração administrativa na dependência das Assembléias Legislativas
Provinciais (esvaziamento do poder municipal). Essa última disposição traria
vários elementos complicadores para a política local, pois o poder se
concentraria em mãos dos mandões locais, provocando, dessa forma, indefinições
e rivalidades na esfera do poder tanto no âmbito local quanto no âmbito
nacional. A reforma da Constituição de 1824 suscitou controvérsias, em virtude
de ser considerada excessivamente liberal. Assim é que, em 1835, os moderados,
tomando como referencial o Ato Adicional, cindiram-se em duas correntes:
Progressistas e Regressistas. Os primeiros eram favoráveis à reforma, enquanto
que os Regressistas eram contrários às mesmas. Do rompimento definitivo dos
liberais moderados, surgirão, a partir das duas tendências, o partido Liberal e
Conservador.
O Ato Adicional não
abrandou o vagão da revolução mas, pelo contrário, acidulou as divergências
entre o Poder Central e as Províncias. Ironicamente, é após a sua promulgação
que eclode a quadra tradicional dos principais movimentos armados da época:
Cabanagem, Farroupilha, Sabinada e Balaiada.
O
Regente Feijó
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De
Outubro de
A oposição parlamentar
baseava-se em 3 questões para enfraquecer a autoridade de Feijó: a polêmica
com a Santa Fé (contra o celibato clerical); a inexpressividade e instabilidade
de seus ministérios e a disposição de aceitar a secessão das províncias do
Norte (oposição dos grandes proprietários do Norte). A pressão parlamentar e
a questão Farrapa foram responsáveis pela renúncia do regente. Esses
acontecimentos foram indicativos do declínio liberal e do conseqüente
fortalecimento regressista.
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Pedro
de Araújo Lima
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O
regressismo, dentro do período Regencial, significou a pressão da classe
dominante unida, visando a sua consolidação no poder, impedindo as rebeliões,
na busca da ordem e no exercício tranqüilo do mando político. Vitoriosos, os
conservadores assumiam o poder no governo do substituto legal, o Ministro do
Império Araújo Lima, que escolheria dentre eles quase todos os ministros. O
novo regente, representante da aristocracia rural do Nordeste, escolheu como
ministro da Justiça Pereira de Vasconcelos. Este, na liderança do ministério,
tomou medidas centralizadoras e anticonstitucionais como a Lei de
Interpretação do Ato Adicional de 12 de Maio de 1840. Inegavelmente, a Lei de
Interpretação mutilava o Ato Adicional, ao atingir um dos seus principais
pontos – restringia a autonomia provincial. Segundo afirmou Tavares Bastos,
um político do séc. XIX, "(...)A lei chamada de interpretação, o ato
mais enérgico da reação conservadora, limitou a autoridade das Assembléias
Provinciais, permitindo a criação da Política uniforme em todo o Império e a
militarização da Guarda Nacional" (JANOTTI, 1987, 34.) Fazendo uso de
tal lei, os conservadores reprimiram violentamente os exaltados, mergulhando
diversas regiões do país em um mar de perseguições arbitrárias.
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A eclosão de um discurso
de forte conteúdo social nas camadas sociais marginalizadas evidenciou as
conseqüências do longo período em que "os dominadores vinham armando os
dominados, para empregá-los como instrumento de suas aspirações, esquecendo-se
contudo, de que homens não são instrumentos passivos". Nesse clima de
manobras do poder surge a Balaiada, em 1838.
CONTEXTO REGIONAL – LEVANTE E REPRESSÃO
A administração portuguesa
criou em 1621, separado do Estado do Brasil, o Estado do Maranhão e Grão-Pará,
que teria seu nome alterado em 1751 para Grão-Pará e Maranhão. Anos mais tarde,
dividir-se-ia em dois
Estados : o do Maranhão e Piauí, com sede em São Luís , e o do
Grão-Pará e Rio Negro, com sede em Belém. Com a vinda da Côrte portuguesa, foi
realizada em 1811 nova divisão administrativa pela qual o Maranhão e o Piauí se
constituíram em unidades autônomas. Essa instabilidade administrativa, até
meados do séc. XVIII, era acompanhada por obstáculos econômicos que
dificultavam a vida dos colonos.
Durante
o governo do marquês de Pombal, interessado em promover a integração da
região no comércio colonial português, foi criada a Cia Geral do Grão-Pará e
Maranhão, que detinha o monopólio do comércio em todo o Estado. Até então, a
agricultura não passava dos níveis necessários à sobrevivência, e a pequena
exportação que se realizava provinha das missões jesuíticas e da extração de
produtos nativos. A vinda da Companhia de Comércio modificaria esse quadro
desalentador, ao investir com sucesso no desenvolvimento das plantações de
algodão. Motivações externas, como a necessidade inglesa de matérias-primas
como o algodão, no momento em que nascia a indústria contemporânea, bem como
a Guerra de Independência dos Estados Unidos beneficiaram diretamente a
economia maranhense.
Desse modo, a vida
social e econômica do Maranhão alterou-se substancialmente: aumentou-se o
volume da produção de arroz e algodão; estendeu-se a área cultivada;
formaram-se fortunas locais nos setores comercial e agrícola; cresceu a
população escrava.
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O
marquês de Pombal (ao centro)
foi figura importantíssima à sua época |
Esse impulso econômico
transformou o Maranhão em uma das capitanias mais ricas da Colônia. Caxias,
pequena cidade da região, tornou-se importante centro comercial, catalisando
inclusive o comércio de escravos e couros. Conseqüentemente, intensa rivalidade
política e social iria germinar entre os prósperos comerciantes de Caxias e os
tradicionais latifundiários de Alcântara.
Além da agricultura, a
criação de gado era uma atividade importante no sertão maranhense e,
diferentemente do recente impulso agrícola, vinha há muito se desenvolvendo
como atividade subsidiária da região açucareira. Com a criação da indústria da
carne seca nas margens do Rio Parnaíba, alteraram-se também as relações de
produção nesse setor econômico. As relações entre os criadores de gado e seus
vaqueiros, predominantemente homens livres, eram bem menos estratificadas que
as estabelecidas na agricultura. No entanto, nem por isso deixavam de ser
relações de dominação.
O setor pecuarista também
beneficiou-se da expansão algodoeira, acumulando e descentralizando seu mercado
de consumo. Em decorrência dessas circunstâncias, novas fortunas se consolidam
nas diversas atividades ligadas à pecuária, embora menos significativas do que
na agricultura. Todas essas camadas sociais, recentemente enriquecidas, teriam
importante papel nas agitações políticas, pois desentendiam-se na luta pela
conquista do poder hegemônico.
D. João
VI
|
A
penetração direta do comércio inglês no Maranhão, facilitada pelos tratados
firmados por D. João VI, traria consideráveis conseqüências para a exportação
e cultura algodoeiras. Respaldados em concessões que lhes garantiam taxas
alfandegárias inferiores às de Portugal, os ingleses organizaram o primeiro
cartel que o comércio maranhense conheceu. Monopolizaram tanto a exportação
quanto a importação de tecidos, louças e ferragens. Controlavam os preços da
venda do algodão sempre em benefício da balança comercial britânica. Já o
cultivo do arroz representou o monopólio dos grandes comerciantes
portugueses.
Sufocados de um lado
pelos portugueses e de outro pelos ingleses, os proprietários maranhenses, com
forte tom nacionalista, apelaram para o socorro da Coroa sem, contudo, serem
ouvidos, considerando inclusive como mostra de descaso da Corte o fato do
imposto cobrado na Alfândega maranhense (tributo por escravo vindo da África)
de
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A 13 de Dezembro de 1838, a Vila de Manga, no
Maranhão foi invadida por um pequeno grupo de homens, que visavam assaltar a
cadeia local. Tal grupo era constituído por empregados do Padre Inácio Mendes
de Morais e Silva, pessoa influente e temida no sertão do Brejo, tido como
membro da oposição ao governo. O mestiço Raimundo Gomes Vieira, capataz do
grupo, chefiou o assalto a prisão, e depois de libertar os detidos e conseguir
a adesão do destacamento local da Guarda Nacional, assenhoreou-se do lugarejo,
dando início a um movimento que polarizaria, durante dois anos e meio, os
acontecimentos históricos do norte do país. Começava a Balaiada.
A província do Maranhão
estava conturbada por acerbar disputas políticas entre bem-te-vis e cabanos,
desde a abdicação de D. Pedro I. Durante o governo de Feijó, os liberais,
popularmente chamados de bentevis, exerceram completa autoridade sobre a
província, relegando seus antagonistas, os cabanos, ao ostracismo político.
Estes haviam-se originado do partido português, que pretendia a volta de D.
Pedro I ao Brasil, e em 1838 identificavam-se com a política centralista de
Pereira de Vasconcelos. Com a regência de Araújo Lima, a situação no Maranhão
inverteu-se, tendo os cabanos ascendido aos postos anteriormente ocupados por
seus rivais. Repetindo os mesmos processos que os liberais haviam utilizado,
agora os cabanos dirigiam as eleições à sua maneira, através da fraude e
violência.
A luta política no
Maranhão era a mesma que se dava em nível nacional, resultante das
divergências, dentro do grupo dominante, acerca da melhor forma de governar o
país. Confundiam as demais camadas sociais, procurando afastá-las dos reais
motivos de suas dissidências, com argumentos ideológicos de fundo nacionalista.
Os cabanos imediatamente
acataram as medidas centralizadoras que emanavam da Corte, o que ocasionou a
reação dos liberais, que consideravam tais medidas inconstitucionais,
qualificando a Assembléia do Maranhão como usurpadora. Senhores absolutos do
poder, os cabanos procuravam por todos os meios disponíveis punir os membros da
oposição. Para tanto, usaram o recrutamento indiscriminado de boiadeiros,
agregados e escravos das fazendas dos bem-te-vis do interior para integrarem a
Guarda Nacional. Nesse clima de incompatibilidades, surgiu o Manifesto de
Raimundo Gomes, cuja responsabilidade os cabanos atribuíam aos liberais.
Negros,
vaqueiros e sertanejos
também lutaram na Balaiada |
Enquanto
os setores políticos enfrentavam-se acirradamente, Raimundo Gomes iniciava
sua marcha pelo interior do Maranhão, arregimentando em torno de si elementos
marginalizados: desertores da Guarda Nacional; escravos fugidos, pequenos
artesãos sem residência fixa, vaqueiros sem trabalho, assaltantes de
estradas, agricultores espoliados de suas terras e sertanejos retirantes do
Ceará. Em Janeiro de 1839, Manuel dos Anjos Ferreiro, o balaio, se alistou no
movimento.
Todas as expedições
oficiais de repressão tinham sido, até então, completamente ineficazes. A
Balaiada espalhou-se pelo Piauí, encontrando reforço e apoio em muitas vilas,
onde era forte a oposição ao governo. Durante todo o período inicial da
Balaiada, os bem-te-vis não cansaram de responsabilizar os cabanos pelo
crescimento da revolta, pela ineficiência administrativa, corrupção da Guarda
Nacional. A cúpula do partido bentevi pretendeu manipular os revoltosos,
transformando-os em instrumento de suas ambições. Esqueciam, porém, que
fazendeiros do sertão, pertencentes ao seu próprio partido, integravam as
forças balaias. Estes seriam submetidos, no final do movimento, pelos
proprietários que conseguiram ter acesso aos aparelhos do Estado,
concentrados na capital da província.
Com a tomada de Caxias,
em Julho de 1839, significativas mudanças operavam-se tanto no comportamento
político dos grupos dominantes como no desenvolvimento da ação revolucionária.
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Os bentevis adotavam uma
posição oscilatória em relação ao movimento. Os da capital procuravam através
dele conseguir sucesso nas eleições e novamente controlar o governo. No
interior, alguns participavam francamente, enquanto a maioria se beneficiava
com os acontecimentos.
Crescia cada vez mais o
número de contingentes balaios, formados por grupos heterogêneos, no qual há
uma distinção primordial entre balaios e bem-te-vis. Essa distinção entre
balaios e bem-te-vis tem como principal fundamento tanto os motivos que levaram
os indivíduos a se engajar na luta quanto sua origem social. Os balaios, homens
do sertão e marginalizados, alinhavam-se em torno de Raimundo Gomes, D. Cosme,
entre outros. Os balaios foram vistos como pertencentes às "classes
inferiores", sem princípios, ladrões e viciados. Não obstante, eram
designados como "homens de cor", negros, índios e mestiços. Tal
designação demonstra o preconceito sócio - econômico e racial que havia na
sociedade maranhense, ou seja, preconceitos de "casta", com os quais
a aristocracia se protegia do contato com os pobres. Já os bentevis oriundos,
em sua maior parte, da população das vilas e povoados, incluíam oficiais e
soldados desertores da Guarda Nacional, políticos do Ceará e Piauí, membros do
partido liberal, juizes de paz e estavam sob a liderança de Lívio Lopes Castelo
Branco e Silva.
Quanto às barbaridades
cometidas durante a revolução, é importante notar que foram atribuídas
exclusivamente aos balaios, e nunca aos bentevis, ou seja, aos liberais. Dessa
forma, há duas histórias da Balaiada: uma dos sertanejos, outra das lutas entre
cabanos e bentevis. Depois de haver incrementado a agitação revolucionária, o
Partido Liberal, assustado com o desenrolar da luta e ameaçado de perder suas
propriedades e a situação que gozava, retirou todo o apoio ao movimento. Não
obstante, os objetivos da cúpula política do Partido Liberal foram em parte
conseguidos no governo de Manuel Felizardo. Pressionado pelo fragor da luta,
prometeu-lhe a revogação da lei dos prefeitos e das Guardas Nacionais. Era o
primeiro sucesso dos liberais da província depois da queda de Feijó. Essa
vitória lhes bastava pois, era a que pretendiam. Era o momento de se
desvencilharem dos balaios. O preço para que os liberais readquirissem alguns
cargos públicos foi altíssimo: a vida dos balaios.
Em 1839, organizaram-se
listas de contribuições com a finalidade de subornar alguns líderes e provocar
a dissensão. Lançava-se mão da corrupção para enfraquecer a luta popular. Nesse
contexto, um dos primeiros balaios a trair o movimento foi Coque, manipulado
pelos Cabanos.
Decidiu-se, no Rio de
Janeiro, que para pôr fim à luta do Maranhão dever-se-ia nomear um outro
presidente que enfeixasse em suas mãos tanto o poder civil quanto o militar. A
Carta Imperial de 1839 nomeava o Coronel Luís Alves de Lima para o posto de
presidente e comandante das Armas do Maranhão. A província estava econômica e
financeiramente arruinada. Comerciantes e fazendeiros uniam-se em listas de cidadãos
que hipotecavam solidariedade ao governo. A população branca temia que a
Balaiada desse origem a uma "revolução haitiana", em virtude do
elevado número de negros em
armas. A situação das tropas oficiais era calamitosa:
encontravam-se sem víveres, roupas e armamentos, bem como não recebiam o soldo
que o governo lhes devia. Por essas razões, atacavam a população. Luís Alves de
Lima começou por tomar medidas a esse respeito. Autorizou o pagamento dos
soldos atrasados, coibiu os excessos contra a propriedade e a população civil e
exigiu rigorosa prestação de contas das despesas com víveres. Essas e outras
medidas vieram organizar as forças oficiais quando os revolucionários já se
encontravam nos limites finais de sua resistência. Abandonados pelos bem-te-vis,
enfraquecidos por deserções, os chefes começaram a se desentender. Batidos
alguns grupos de Lívio Castelo Branco, este abandonou a luta.
A
cidade de Caxias
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Luís
Alves de Lima dividiu a sua tropa de 8 mil homens em três colunas. A primeira
operou na região entre Caxias e Pastos Bons, a segunda entre Vargem Grande e
Brejo, e a terceira na zona de Icatú e Miritiba. Dever-se-ia fechar o cerco
sobre Brejo, que era o reduto dos balaios. Do Piauí também vieram
contingentes militares. Raimundo Gomes ainda conseguiu arregimentar mil
homens e voltou ao Maranhão, mas foi sempre vencido e as forças debandadas
caíram nas emboscadas dos grupos militares. O final da luta foi extremamente
doloroso, acompanhado pela fome e pela doença. Raimundo Gomes pediu condições
para a capitulação, mas estas lhe foram negadas. Refugiou-se junto aos negros
de D. Cosme, mas foi feito prisioneiro por eles. Os demais chefes da Balaiada
estavam mortos ou prisioneiros, tendo D. Cosme ficado como o principal
comandante do movimento.
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Os últimos bandos se
internaram pelo sertão ou depuseram armas como Pio, Tempestade e Coco. Raimundo
Gomes libertara-se de Cosme e ainda tentaria apoderar-se do Rosário e Miritiba,
mas não obteve sucesso, e foi preso. D. Cosme e suas tropas lutavam sem nenhuma
esperança, eram escravos, não queriam voltar ao jugo de seus senhores, pois
tinham sido homens livres e temidos. Lutaram até a morte... D. Cosme foi
enforcado. Acabava a Balaiada.
Com o fim da revolta, a
população marginalizada que havia lutado durante anos enfrentaria enormes
dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas: venderia sua força
de trabalho a preço vil ou continuaria como nômade a percorrer o sertão em
busca de sobrevivência. Muitos grupos que se mantiveram armados preferiram
internar-se no sertão vendendo proteção aos mandões locais, formando os
primeiros bandos de cangaceiros. Ou seja, a situação havia permanecido estática
ou piorado para essa classe, vítima da dominação e desmandos da elite política.
"AS BALAIADAS"
Sendo Raimundo Gomes
Vieira o homem de confiança de Padre Inácio, incumbido de levar às feiras e
vender os bois do rico pecuarista, teve certa vez de passar na Vila de Manga do
Iguará, onde o prefeito, no encargo também de comandante da força policial,
mandou prender alguns dos vaqueiros de Raimundo Gomes, com o intuito de
prejudicar o padre, seu inimigo político.
Impossibilitado de
prosseguir a marcha e sofrendo prejuízos resultantes de fuga e morte do gado, o
capataz invadiu, junto com nove companheiros, a cadeia municipal guardada por
23 soldados, soltou os presos (entre eles o seu irmão) e apoderou-se do
armamento, deixando livres os soldados desarmados. Estaria iniciada a Revolta.
Após esta audaciosa
surpresa, Raimundo Gomes afixou na Vila da Manga um manifesto contendo suas
reivindicações:
"Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d´Abreu. Vila da Manga, 15 de
dezembro de 1838. Como Acho nesta Vila com a reunião de Povo e bem do socego
publico como conta do Art.º sigTe. 1.º) Que seja considerada a constituição e
garantindo dos cidadãos. 2.º) Que seja admitido o Presidente de Provincia e em
Tregue o governo Vice-Prezidente. 3.º) Que seja abolidos os Prefeitos e
Subs-Prefeitos, Comissarios ficando com.tes em Vigorar Leis geraes e
as Provincias que não forem de encontro a Constituição do Império. 4.º) Que
sejão espulcados empregos portuguezes e Dispejarem A Provinsia dentro em 15
dias com exseção dos cazados com familias brasileiras e os de 60 anos para
cima.
Raimundo
Gomes Vieira – Comde da Forca armada.
Segeu o Cap. Alberto Gomes Ferreira avizar todos os Cidadoes
Brasileiros e amigos da Patria e do sucego Publico para se acharem neste
Quartel da forca Armada para o bem do Brazil. Quartel da Forca.
Manga 14 de Dr.o de 1838. Comde da Forca.
Fora
feitores e escravos."(JANOTTI, 1987, 44 e 45.)
A
redação do documento poderia evidenciar a sua autoria, mas, logo se nota o
interesse bentevi agindo sobre o vaqueiro. Os artigos 1.º), 2.º) e 3.º) mostram
o descontentamento dos liberais com as Leis Provinciais denominadas Leis dos
Prefeitos e Lei da Criação dos Oficiais da Guarda Nacional, pelas quais ficava
determinada a nomeação pelo Presidente da Província dos prefeitos, agora com
atribuições anteriormente conferidas ao juiz de paz.
Os juizes de paz,
responsáveis pelas eleições municipais, pela ordem e pelo comando da Guarda
Nacional, eram tradicionalmente eleitos pelas Câmaras Municipais, ou seja,
constituíam representantes dos interesses das famílias mais poderosas da
região.
Relativo ao manifesto,
apenas o 4º artigo expressa os interesses populares, descontentes
com a presença (até certo ponto privilegiada) dos portugueses no Maranhão, o
que veio a se tornar característica marcante da Balaiada: o anti-lusitanismo.
Outra reivindicação de cunho popular que aparece no documento é o pedido "Fora
feitores e escravos" que, no entanto, não aparece em nenhum outro
manifesto pesquisado por este presente estudo.
Curiosamente, a data do
documento afixado por Raimundo Gomes não coincide com a data oficial da invasão
da cadeia de Manga. Tanto Maria de Lourdes Janotti quanto Astolfo Serra afirmam
ter sido iniciada a Revolta no dia 13 de dezembro de 1838, mas o documento
apresenta as datas 14 e 15 do mesmo mês e ano. Supõe-se, então, que a confecção
do manifesto foi realizada depois da invasão, dando tempo suficiente para uma
articulação política bentevi.
Com o engrossamento do
grupo rebelde pelos soldados da Vila de Manga, temerosos de represálias, o
vaqueiro Raimundo Gomes vaga pelo interior do Maranhão ganhando novos adeptos.
O governo da província não
relevou muita importância ao movimento, considerando até mesmo extinta a
rebelião. Porém, um mês depois, no dia 22 de janeiro de 1839 o vaqueiro surge
na Vila de Tutóia à frente de uma centena de homens, rumo ao rio Parnaíba,
acontecendo então o primeiro confronto armado da Balaiada, na Barra do Longá,
entre rebeldes e a tropa do Prefeito de Parnaíba, no Piauí.
Os rebeldes, com 3 mortos,
dois feridos e 18 prisioneiros, foram vencidos pelas tropas legalistas que
tiveram, segundo consta, apenas uma baixa: um soldado morto involuntariamente
pelo seu próprio camarada.
Este embate vitorioso foi
suficiente para o Presidente do Maranhão, Sr. Vicente Pires Camargo, declarar a
Revolta terminada e a paz restaurada, o que não ocorreu. Durante mais de dois
meses o mestiço Raimundo Gomes circulou livremente pela Província, já dominando
Mucambo, Queimada da Soledade, Espigão, Miritiba, Belas Águas, Chapadinha,
Miriquitas e Caissara. Diante deste triste panorama a presidência provincial
foi entregue a Manoel Felisardo de Souza Melo, "capitão graduado do
imperial corpo de engenharia".
Novos chefes se apresentam
com seus seguidores, firmando como característica do movimento a existência de
caudilhos rebeldes, dividindo a Revolta, e que por isso só constituíam uma
legião: Relâmpago, Trovão, Corisco, Canino, Sete Estrelas, Tetéu, Andorinha,
Tigre, João Cardoso, Gitirana, os irmãos Ruivos, Cocque, Mulunguêta, Matruá,
Francisco Ranelinho e José Gomes, entre outros.
Nesta altura dos
acontecimentos aderem também duas importantes lideranças: Manoel Francisco
Ferreira dos Anjos, denominado Balaio, e D. Cosme, líder dos aquilombados.
Manoel Francisco Ferreira
dos Anjos era, assim como o vaqueiro Raimundo Gomes, representante da classe
mais pobre do Maranhão; no entanto, Ferreira dos Anjos não vivia agregado e tão
pouco era empregado de algum poderoso. Sustentava esposa e duas filhas graças à
confecção de balaio, originando sua alcunha, e à pequena oficina de costura
mantida pelas mulheres da casa.
Conta-se que Balaio aderiu
à Revolta após as tropas legalistas terem passado pelo vilarejo onde residia,
nas proximidades de Coroatá. Aproveitando-se da estadia na vila, um oficial de
nome Guimarães violentou as duas filhas de Ferreira dos Anjos. Ferido em sua
honra, o artífice publicou o incidente e incitou a fúria de amigos e conhecidos
a combater os legais, "vendidos aos portugueses"(SERRA, 1946, 214.).
Com esses argumentos, Balaio arregimentou um grupo de seguidores e partiu para
a luta com grande ferocidade e dando o seu nome à Revolta, mesmo aderindo
depois do seu início e morrendo antes do término da mesma.
Também engrossando as
fileiras rebeldes surge Cosme, na liderança de 3.000 negros aquilombados. Este
líder não se enquadra necessariamente entre os Balaios, e poderíamos inclusive
considerá-lo chefe de uma Revolta Negra Maranhense, apesar de ter se articulado
fracamente com a Balaiada. A participação negra é contestada quanto ao
engajamento sincero, tanto no início como no final da Revolta quando D. Cosme
prende Raimundo Gomes e o teria matado se este não tivesse fugido.
Dom Cosme Bento das
Chagas, tutor e Imperados das liberdades bentevís, como se auto-denominava,
após fugir da prisão de São Luís, na qual estava sob a acusação de exercer a
feitiçaria, apresentou-se frente à grande população negra fugida, unindo-os sob
a sua bandeira e estabelecendo um quartel - general na Fazenda Lagoa Amarela,
na Comarca do Brejo, onde instituiu uma hierarquia interna e fundou uma escola
de primeiras letras.
Vários confrontos são
registrados no mês de abril de 1839 entre rebeldes e legalistas com decisivas
vitórias balaias, iniciando o período de apogeu da revolta. No dia 15 do dito
mês o pardo Manoel Rodrigues Cocque, ex-cabo do extinto corpo de polícia da
província, combateu com os seus homens os soldados do major Feliciano Antônio
Falcão, em um lugar denominado Mutuns. As perdas foram enormes para ambas as
partes.
Mas sem sombra de dúvida o
golpe mais violento infligido ao exército governista até então ocorreu em
Angicos, próximo a Brejo, em 18 de abril. Os revoltosos chefiados por Antônio
José do Couto Pinheiro, o Mulunguêta, massacraram os homens do Capitão Pedro Alexandrino,
que, após render-se, foi assassinado a tiros junto com o tenente-coronel João
José Alves. O sangrento episódio repercutiu em toda a província resultando no
entrincheiramento da capital São Luís e o aumento do prestígio balaio entre as
massas anônimas.
Caíram então nas mãos dos
rebeldes a cidade de Brejo, sem resistência alguma em vista da debandada do
prefeito e os 200 soldados que lá se encontravam, seguida de Tutóia, Miritiba e
Coroatá, sob o comando de Cocque.
Astolfo Serra nos
apresenta ainda dois documentos que exemplificam a participação bentevi e o
anti-lusitanismo popular. No entanto, há um desencontro de datas acerca destes,
que nós não conseguimos elucidar neste presente estudo, em virtude da
impossibilidade de acesso aos originais teremos que confiar na compilação feita
por Serra.
"Autorizado pelo povo reunido com as armas na mão Comandante
em chefe, cumpre-me levar ao Conhecimento de V. Excia., os inclusos.
Artigos,
a fim de V. Excia. os fazer efetivos por achar-se de presente reunida a
Assembléia Provincial não fazendo menção do artigo 4.º por já se achar
remediado pela resolução do Govêrno Supremo. – Deus Guarde a V. Excia. – Vila
do Brejo, 5 de maio de 1839. – Ilmo. e Exmo. Snr. Manoel Felisardo de Souza e
Melo Presidente da Província. – O alferes Comandante da Fôrça Armada Pedro José
Gitirama.
REQUISIÇÔES
- "Os habitantes dêste
Município vem em marcha reunida representar a Ilustre Câmara da
Assembléia Geral.
Art. 1.º Da vontade dos povos para sossêgo e bem estar da
Província inteira.
Art.
2.º Que seja sustentada a Constituição do Brasil garantia dos direitos do
cidadão Brasileiro que lhe conseguem a sua liberdade.
Art.
3.º Que sejam despedidos os Prefeitos e Sub-Prefeitos e Comissários de Polícia,
pois têm aquebrantado tôdas as Leis do Brasil, e têm sofrido todo o despotismo
a respeito desta Lei; ficando somente em vigor as Leis Gerais e Provínciais que
não forem de encontro à Constituição do Império.
Art.
4.º Que seja já demitido o Presidente da Província, e entregue o Govêrno ao
Vice-Presidente.
Que
sejam expulsos, os portuguêses dos empregos políticos, e despejarem a Província
dentro em quinze dias, com a exceção dos que juraram a independência e os que
casaram com famílias brasileiras e os velhos de 60 anos para cima; e
protestamos não largarmos as armas das mãos sem primeiro vermos tomadas estas
medidas acima exprimidas ao Govêrno, certificamos que seguramos as vidas dos
cidadãos sem ser debaixo do fogo, e seguramos todos os seus cabedais na tranquilidade
do País. – Maranhão, 1.º de Novembro de 1839."(SERRA, 1946, 230 e 231.)
"Ilmo.
e Exmo. Snr.
Achando-me
na qualidades de Comandante em Chefe de tôdas as tropas presentemente reunidas,
e estacionadas nesta vila, e nos diferentes pontos de tôda província, tenho a
honra de levar ao conhecimento de V. Excia. que achando-nos com as armas na mão
protestamos não largarmos enquanto não forem derrogadas as Leis Provinciais
números 61, de 8 de Junho, e 79, de 29 de Julho do ano passado de 1838, sendo
aquela da criação dos Oficiais das Guardas Nacionais e esta dos Prefeitos,
ficando a primeira em vigor sòmente pelas Leis Gerais, e a Segunda de nenhum
efeito combinando-se em tudo com os artigos datados em o 1.º de Novembro do
mesmo ano de 1838, remetidos a V. Excia. pelo comandante Pedro José Gitirama, e
porque se ache a assembléia provincial reunida, levar ao conhecimento dela a
fim da mesma Decretar sôbre os objetos expendidos. – Deus Guarde a V. Excia. –
Quartel do Comando da fôrça Armada na vila de São Bernardo, 7 de Maio de 1839 –
ilmo. e Exmo. Sr. Manoel Felisardo de Souza e Melo Presidente do Mrn. – Pedro
Alex. Dos Stos., Comte." (SERRA, 1946, 229 e 230.)
Segundo
Astolfo Serra, observa-se nestas "pitorescas requisições" recalques
coletivos, pois no presente artigo "há resíduos das lutas independentistas
e azedumes político – partidários", como a despedida dos prefeitos, a
extinção do despotismo e a expulsão dos portugueses dos empregos públicos. Para
o autor não há em tal artigo o famigerado espírito de rapinagem, ou seja,
"não foi uma aventura de bandoleiros, mas ao lado dos crimes cometidos
houve uma orientação política bem assinalada".
No dia 7 de maio de 1839
os Balaios se puseram em marcha com destino a Caxias, a segunda cidade da
província, localizada a 276
Km da capital na fronteira com o Piauí, onde chegaram no
dia 24 do dito mês. No mesmo dia cercaram a cidade, que se encontrava
totalmente desguarnecida de trincheiras. Participaram do cerco os chefes
Balaio, Gitirana, o Ruivo, S.J. Teixeira, Mulunguêta e Silveira.
Mesmo sem apoio do
Governo, os soldados de Caxias resistiram, chegando a vencer Gitirana e o
desalojando de seu ponto; mas a posição foi reconquistada pelos rebeldes no dia
seguinte. Chegaram no dia 27 os reforços rebeldes liderados por Violete e
Cocque, Lívio Castelo Branco, do Piauí, com 600 homens e Milhome (ou Milone)
com 300 ou 400 rebeldes de Pastos-Bons.
Finalmente Caxias cai
rendida no dia 1º de julho do mesmo ano, assistindo à entrada
triunfal dos rebeldes, que estabeleceram na rica cidade uma Junta Provisória,
órgão civil administrativo composto por cidadãos respeitáveis de Caxias, um
Conselho Militar, órgão de comando formado por todos os chefes rebeldes e logo
em seguida uma deputação (diplomática) composta por um sacerdote e vários
cidadãos para as negociações de paz.
"Ilmo. e Exmo. Sr. – O Conselho Militar reunido na cidade de
Caxias, e composto dos comandantes das fôrças do partido Benteví, que conta
seis mil homens bem armados e municiados, tomou por medida salutar e mui
conveniente ao sossêgo da província, mandar perante V. Excia. uma deputação
composta dos Srs. João Fernandes de Morais, Hermenegildo da Costa Nunes, João
da Cruz, Feliciano José Martins, padre Raimundo de Almeida Sampaio, Brasileiros
probos e dignos de tôda a consideração para apresentar a V. Excia. os desejos e
votos do partido Benteví, os recursos com que conta, e a firme determinação em
que se acha para fazer respeitar as leis, a constituição e o trono augusto de
S. M. o Imperador; e muito confia que V. Excia., convocando imediatamente a
assembléia provincial, haja de adotar as medidas que se propõe, porque elas são
sem dúvida a declaração da vontade da província. Caxias, 10 de junho de 1839 –
Ilmo. e Esmo. Sr. Manoel Felisardo de Sousa e Melo. Segue-se as
assinaturas."
Além
dêste ofício do conselho militar, vejamos o seguinte discurso da deputação cujo
original temos ante os olhos.
"Ilmo.
e Exmo. – O partido denominado Benteví, que parecia fraco, nas que tem
adquirido fôrças e muito elementos de resistência a outro qualquer que o
pretenda suplantar, havendo à custa de esforços e trabalhos conseguido
apoderar-se de tornar sua tôda a província maranhense, respeitando sempre as
leis e o trono augusto de S. M. o Imperador, nos manda em deputação perante V.
Excia., a representar a V. Excia. o estado de engrandecimento em que se acha, e
as medidas em que se julga convenientes ao bem da província, a fim de que V
Excia., tomando-as na devida consideração, as adote para salvar a província das
imensidades de males que a ameaçam, si elas não foram aprovadas. Não há dúvida,
Exmo. Snr., que alguns excessos praticou êste partido no seu comêço; hoje,
porém, que êle acaba de tomar Caxias, onde se municia de oitenta mil cartuchos
embalados, mil armas, peças de artilharia, e mais de trezentos barris de
pólvora, apoiados em mais de seis mil homens apresenta uma barreira
irresistível, e manifesta a vontade da província. Assim, Snr., o partido
Benteví, querendo sustentar os objetos mais caros aos bons Brasileiros, nos
manda perante V. Excia., como muito interessado no sossêgo da província, haja
de lhe dar uma resposta satisfatória, ou as condições que julgar convenientes,
porque a deputação está autorizada a recebê-las ou modificá-las."
Vejamos
as instruções do conselho militar à deputação.
Art.
1.º - O Conselho Militar e tropa reconhece e respeita o govêrno de S. M. o
Imperador, as leis e a constituição do Império.
Art.
2.º - O Conselho Militar declara que o povo e a tropa, que se acha reunido e se
conserva com as armas nas mãos, não tem outras vistas mais que impedir ao Exmo.
Snr. presidente da província abrogação das leis provinciais que criaram as
prefeituras, e ofenderam a lei geral sobre a organização de uma guarda
nacional, além dos artigos seguintes.
Art.
3.º - Que o Exmo. Snr. Presidente da Província, reunindo extraordinariamente a
assembléia provincial conceda uma anistia àquelas pessoas que de qualquer modo
se acham comprometidas na presente luta, por quanto ela só tem por fim lançar
por terra aquelas leis, que ameaçam as liberdades pátrias.
Art.
4.º - Pede ao Exmo. Snr. Presidente da Província oitenta contos de réis em
dinheiro, para indenização da tropa, por quanto a indenização imposta aos
habitantes desta cidade (Caxias) que lhe fizeram a mais decidida oposição, não
é suficiente para cobrir os deficits dos respectivos presos.
Art.
5.º - Que os presos do Estado que se achavam em custódia, sendo processados
legalmente, respeitando-se o fôro de cada indivíduo, conforme a constituição do
Império e leis existentes, sejam obrigados a cumprir suas sentenças, havendo
recursos delas na forma do código do processo.
Art.
6.º - Que saiam da província os portuguêses, propriamente falando, ficando
sòmente os adotivos, a quem não será permitido os empregos públicos, a venda de
armas de qualquer natureza, munições ou quaisquer outros gêneros combustíveis,
sob pena de serem tomados pela fazenda pública, com denúncia ou sem ela, e por
inabilitados de pegar em armas em qualquer ocasião.
Art.
7.º - Que dentre as fôrças Bentevís sejam considerados em seus respectivos
postos aquêles oficiais de melhor conduta, e que mereçam a opinião assim do
govêrno como do público, para serem empregados nos corpos da província.
Art.
8.º - Que o conselho militar obriga-se a fazer depor as armas, logo que estas
requisições sejam adotadas pelo Exmo. Snr. Presidente da Província e Assembléia
Provincial, podendo admitir-se aquelas modificações que a deputação entender
fazer, em cumprimento dos interesses e dignidades do partido Benteví."
(SERRA, 1946, 225 a
228.)
O
Conselho Militar era um órgão de comando rebelde, do qual fazia parte todos os
chefes de oposição, bem como líderes políticos do Partido Bentevi. O teor do
ofício do Conselho Militar endereçado ao Presidente da província, Senhor Manoel
Felisardo de Sousa e Melo, é datado de 10 de julho de 1839, ou seja, nove dias
após a tomada da cidade de Caxias pelas tropas rebeldes. Dentre suas
reivindicações percebe-se que o movimento possuía um caráter localista, pois
não havia contestação por parte dos rebeldes no que diz respeito à ordem
estabelecida em âmbito nacional: em outras palavras, eles respeitavam as leis e
a Constituição do Império.
O partido coloca-se como
porta voz do povo e da tropa no que se refere às suas reivindicações.
Percebe-se o uso deste como "massa de manobra": esta foi a forma
encontrada pelo partido Bentevi de legalizar o movimento, denotando-lhe um
caráter popular embora as reivindicações do povo nunca tenham sido atendidas. A
principal delas é a abolição das leis provinciais que criaram as prefeituras,
bem como "ofenderam a lei geral sobre a organização de uma Guarda
Nacional".
Tais leis provinciais,
números 61 de 08 de junho e 79 de 29 de julho de 1838, esvaziaram o poder
municipal, pois concentraram o poder administrativo nas dependências das
Assembléias Legislativas Provinciais, acarretando indefinições e rivalidades na
esfera do poder local. Não obstante, o partido Bentevi denuncia a ilegalidade
de tais leis, pois "ameaçavam as liberdades pátrias e traduziam a
ineficiência administrativa e a corrupção da guarda nacional sob liderança do
partido cabano.
Um dos traços mais
importantes é a forte tendência xenófoba em relação a comunidade lusa que
exercia cargos públicos e monopolizava o comércio maranhense. Essa xenofobia
possui traços sócio – políticos: social quando referente ao comércio luso que
impedia o acesso da camada média brasileira à economia local. Política quando
referentes às pretensões Bentevis de assumir o mando político provincial, que
estava em mãos do partido Cabano oriundo do partido Restaurador e suas
tendências lusitanas. Daí a reivindicação de cargos públicos para os melhores
oficiais do partido Bentevi.
Parte dos objetivos
políticos buscados pelo partido Liberal foram conseguidos no governo Manoel
Felisardo. Pressionado pelo fragor da luta, prometeu-lhe a revogação da
"lei do prefeitos" e dos "guardas nacionais". Tal vitória
política foi suficiente para que os liberais se desvencilhassem dos balaios.
Percebe-se o fraco teor
ideológico do movimento liberal no interior do movimento balaio, que se mostrou
heterogêneo em suas origens ideológicas. Consequentemente, essa fragilidade de
ausência ideológica corroborou para o insucesso do movimento.
Faz-se necessário aqui
abrirmos um parêntesis para esclarecermos o surgimento de Lívio Lopes Castelo
Branco e Silva. Este, sem dúvida, é um dos poucos representantes autenticamente
bentevi engajado ativamente na luta. Natural de Campo Maior, no Piauí, era
filho de uma das famílias mais ilustres do norte, foi vereador da câmara,
promotor e juiz de paz na sua cidade natal.
Além de suas posses e
cargos desempenhados, Lívio possuía ainda um motivo "todo especial"
para entrar na Revolta: era inimigo político, dos mais ferrenhos, do Presidente
da Província do Piauí, Visconde de Parnaíba. A Balaiada mostrava-se assim, uma
oportunidade única para o líder piauiense. Conta-se também que Lívio Castelo
Branco teria aderido por estar com a cabeça a prêmio em sua província, pelo
preço de um conto de réis. No entanto, não se sabe de onde surgiu a acusação.
O piauiense se engajou de
livre e espontânea vontade, assim como abandonou o movimento. Após conceder uma
face política ao mesmo, se refugiou no interior do Ceará e Pernambuco, foi
anistiado (como poucos) e chegou a ganhar cargos políticos, atingindo assim
seus objetivos.
Com a tomada de Caxias, o
Maranhão e a Corte parecem acordar de seu torpor, começando a organizar os
reforços: tropas do Pará são enviadas, a marinha de guerra comandada pelo
futuro almirante Marquês de Tamandaré aporta em São Luís com uma charrua,
uma corveta e um vapor, e o Piauí envia seus homens.
O Visconde de Parnaíba
organiza grandes reforços para conter a Balaiada, que nesta altura já avançava
sobre o Piauí. Suas tropas cruzam o rio Parnaíba para o Maranhão, excursionando
pela província vizinha e atacando finalmente Caxias, a base rebelde, que é
libertada para em seguida ser tomada novamente pelos balaios.
Nesta segunda tomada de
Caxias, o Balaio acaba morto pelas mãos de um francês residente na cidade
chamado Isidoro que, após se negar a entregar dinheiro e fazendas, dispara
contra o líder rebelde. Ferido, Ferreira dos Anjos ordena a morte do francês e
dos seus, resultando em uma carnificina: um homem (Isidoro), duas mulheres e
oito crianças, além do confisco de todas as duas posses. Balaio morreu saindo
de Caxias.
No aniversário de um ano
da invasão da Vila de Manga, o presidente do Maranhão, Manoel Felisardo, é
exonerado do cargo. Assume em seu lugar, como presidente e comandante das Forças
na província, o Coronel Luiz Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias,
como o chamaremos a partir de agora, afim de facilitar a narrativa).
Começa em 1840 o declínio
da Balaiada, que deixa de ter a união inicial em consequência da luta interna pelo
poder. Todos os líderes rebeldes se consideravam aptos a o cargo supremo em
vista de suas façanhas pessoais.
Duque de Caxias, se
aproveitando desta desunião, empreendeu um plano de guerra eficiente. Após
examinar a situação, computou 11 mil rebeldes ou 5% da população maranhense,
que segundo Astolfo Serra era composta de 217.000 "almas". A partir
destes dados, reuniu uma força legalista de 8.000 soldados divididos em três
colunas, estabeleceu hospitais em todos os acampamentos, com médicos,
cirurgiões e capelães, melhorou o Hospital Central na capital e agilizou a
compra e fornecimento de mantimentos.
Com as três colunas
expedicionárias foram impedidas articulações entre líderes e, principalmente,
entre os balaios e os negros do temido D. Cosme. Logo se fez notar os efeitos
da ofensiva legalista com a reconquista das comarcas do Brejo e Tutóia, a saída
de Lívio Lopes Castelo Branco, e posteriormente, a tomada da cidade de Caxias,
onde foi firmado o quartel- general das tropas do governo.
No entanto deve-se o
sucesso do novo presidente da província ao seu comportamento apartidário, que
primeiramente estabeleceu a ordem política para depois restabelecer a paz geral
no Maranhão, como evidencia o documento seguinte:
"Proclamação.
Maranhenses!
(…)
eu venho partilhar das vossas fadigas, e concorrer, quanto em mim couber, para
a inteira e completa pacificação desta bela parte do Império.
Um
punhado de facciosos, ávidos de pilhagem, poude encher de consternação, de luto
e de sangue, vossas cidades e vilas! O terror que necessariamente deviam
infundir-vos esses bandidos, concorreu para que se engrossassem suas hordas;
contudo graças à providência e às vitórias até hoje alcançadas pelos nossos
bravos, seu número começa a diminuir diante das nossa armas. Mais um esforço e
a desejada paz virá curar os males da guerra civil.
Qualquer
que seja o estado em que se acham hoje os rebeldes, eu espero com os socorros
que o governo geral nos envia, e com a força que me acompanha, fortificar
nossas fileiras, e não abandonar-vos enquanto não os houver debelado. Eu passo
a fazer que julgo necessário ao nosso exército, e com a maior brevidade
possível me colocarei à sua frente. Maranhenses! mais militar que político, eu
quero até ignorar os nomes dos partidos que por desgraça entre vós existiam.
Deveis conhecer as necessidades e as vantagens da paz, condição da riqueza e da
prosperidade dos povos; e confiando na divina providência, que por tantas vezes
nos tem salvado, espero achar em vós tudo o que for mister para o triunfo da
nossa santa causa.
Palácio
da Presidência da cidade de São Luiz do Maranhão, 7 de fevereiro de 1840".
(JANOTTI, 1987, 63 e 64.)
As
sucessivas vitórias dos soldados de Caxias desarticularam o movimento, e muitos
rebeldes traíram seus companheiros ou foram obrigados a lutar contra os negros
aquilombados em troca da anistia. Várias capitulações foram tentadas por parte
dos balaios, entre eles Raimundo Gomes e Manoel Lucas de Aguiar, líder da
Revolta no Parnaguá, mas todas foram negadas.
A proposta de capitulação
de Manoel Lucas de Aguiar, de 12 de março de 1840, é transcrita aqui:
"Artigos de uma Capitulação proposta pelo chefe da revolta do
Parnaguá, Manoel Lucas de Aguiar ao comandante da coluna de oeste, José Martins
de Souza
Posto
que a fôrça armada de Parnaguá e seu respectivo chefe estivesse na firme
disposição de se reunir e fazer causa comum com a gente armada da província do
Maranhão, presentemente alterada com o sistema político que admite estrangeiros
no govêrno pátrio e nacional, com a notória desonra e afronta dos nacionais do
país, êle deve ao brio dos soldados do município, e ao valor a boa conduta de
seus habitantes declarar que livremente se rende as proposições de paz,
oferecidas pelo major José Martins, menos pelo temor das armas do que pelo
acendimento da discórdia civil, por onde se pode perpetuar inimizades entre as
diversas famílias desta província; contudo não pode aceitar proposições de paz,
que não sejam com as condições seguintes:
Art.
1.º - Que êle major e comissário do Exmo. govêrno da província, que até agora
tem a consideração de prefeito dêste município de Parnaguá, renuncie e deponha
desde já êste emprêgo, como também qualquer outro, que já nele tenha, podendo,
não obstante, continuar na sua morada e residência dêste município, tratando de
seu estabelecimento e de sua família, como um simples cidadão, até que para o
tempo em diante, convencendo-se o povo de suas virtudes de seu amor para com
seus nacionais o possam empregar em qualquer um dos ramos de sua pública administração.
Art.
2.º - Que igualmente outro qualquer homem, que não fôr aqui nascido e que se
ache constituído em emprêgo público civil ou militar, o deponha e renuncie, e
só o possa reassumir para o tempo adiante por unânime vontade dos povo.
Art.
3.º - Que êste povo seja livre de propôr já ao govêrno quem deve aqui ocupar os
cargos, que por tais princípios devem vagar.
Art.
4.º - Que todo e qualquer homem natural, casado, compatriotado neste município,
e que de presente se ache debaixo do comando dêste major fazendo a guerra à
província do Maranhão, seja entregue a esta fôrça armada, para ser restituído à
sua respectiva habitação e ao trato de suas famílias.
Art.
5.º - Que de nenhuma maneira seja chamada ou aperreada pelo govêrno pessoa
alguma dêste município para o fim de fazer a guerra à província do Maranhão, e
aos que se acham ali Bentevis; porque êste município não é contrário à
constituição do Império, à sagrada pessoa do Imperador, antes quer a sua defesa
e estabelecimento.
Art.
6.º - Que de agora em diante, nas eleições que se aqui fizerem, para qualquer
sorte de empregado, ou deputados da província, e de cortes se admitam mais três
homens eleitos na própria ocasião de tais eleições para examinar e conhecer
debaixo de juramento religioso, se em tais eleições entram cabalas e chapas, e
que por eles sejam logo despedidos, e substituídos os membros em que estas se
possam presumir.
Art.
7.º - Que êste povo quer ser inteirado por uma tabela da receita e despesa
dêste município todos os anos; porque êle não tem podido sem dor e sentimento
ver a ruína total do seu único templo, da cadeia e casa do conselho, e de suas
públicas assembléias, e também o pouco caso, que o govêrno tem feito até o
presente, de lhe fazer constar o em que se tem absorvido suas contribuições,
objeto êste bem solene a todos os povos civilizados como aos governos.
Art.
8.º - Que para êste município se forme em cada um ano um tribunal de três
membros aptos, a quem o govêrno envie uma vez todos os anos esta tabela, os
quais a examinarão e farão ver ao povo o consumo de suas contribuições.
Art.
9.º - Que os soldados que de presente se acham debaixo de armas pela defesa
dêstes seus direitos sejam pagos a 320 rs. por dia, pelo tempo vencido, pelas
rendas dêste município, de que o poderá indenizar a assembléia geral
legislativa.
Art.
10.º - Que o govêrno da província nenhuma ordem mande aqui as diferentes
autoridades civis e policiais, para o processo, prisão ou perseguição de uma só
pessoa, sôbre que possa cair a suspeita de assim o fazer, pelo motivo de
concorrência para a presente fôrça armada.
Art.
11.º - Que de ora em vante tôda e qualquer ordem do govêrno deve conter em si o
convencionamento de razões que devem constituir o nosso dever, de onde deve
nascer a nossa obediência, porque sendo êste povo livre, e bem amantes das
leis, protesta não faltar ao que convier para sua salvação, única causa do
estabelecimento das sociedades humanas.
Art.
12.º - Que o govêrno de nenhum homem particular de aqui soldados da nação para
sua guarda, como fez a Raimundo Medeiros de Sá e Albuquerque, que por isso
ousou cometer homicídios sem castigo.
12
de Março de 1840." (SERRA, 1946, 239 a 241.)
A
capitulação de 12 de Março de 1840, proposta pelo chefe da Revolta do Parnaguá,
Manoel Lucas de Aguiar, foi a última tentativa rebelde de negociação e
rendição. A paz seria buscada, caso as reivindicações rebeldes com a renúncia
do prefeito de Parnaguá; "que êste povo seja livre de propor já ao govêrno
quem aqui deve ocupar os cargos" (eleições populares); criação de um
tribunal de contas responsável por uma tabela de receita e despesas do
município; remuneração das tropas como forma de evitar o mandonismo de nenhum
homem ou grupo particular que utilize os serviço dos mesmos.
O art. 11.º é o mais
peculiar, pois propõe a formulação de um conjunto de leis ou uma constituição
local que atendesse aos direitos e estabelecesse os deveres seguidos pelo povo.
Indiretamente há no referido artigo a defesa da autonomia provincial.
Raimundo Gomes ainda
tentou nova investida à frente de mil homens, mas foi vencido. Buscou refúgio
entre os rebeldes de D. Cosme, sendo preso por estes. O vaqueiro, após a fuga
do cativeiro negro, investe, com um novo bando, contra Rosário e Miritiba. Sem
sucesso, acaba preso e morto por asfixia enquanto era deportado para São Paulo.
D. Cosme fica como
principal líder da Balaiada, lutando até o fim junto aos seus homens que não
tinham nada a perder, pois lutavam pela própria liberdade. O Líder negro acabou
enforcado. Os demais líderes e respectivos bandos se internaram no sertão,
dando origem aos primeiros grupos de cangaceiros e jagunços profissionais.
A Revolta se desfez no
mesmo ritmo em que se formou: aos poucos e sem lógica, cada qual com seu
interesse, motivação ou convicção, traídos por alguns, abandonados por outros,
sendo o restante dizimado pela, agora, corajosa e organizada tropa legalista.
"Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os
chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província…
Se
calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o número de
capturados e apresentados durante o meu governo passante de quatro mil, e para
mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as
armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil
rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do
infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as
fazendas, temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas lutaram, e dos
quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais:
todo esta província o sabe.
…
A comarca do brejo é a que mais contém em suas matas grandes cópias de ociosos,
e com menos de quinhentas praças não se fará a tal polícia…
De
tudo que hei dito achará V. Excia. documentos na secretaria do governo, e na
memória recente de todos, e termino desejando que V. Excia. neles encontre o
mesmo acolhimento que me prodigalizaram… Deus Guarde V. Excia. – S. Luiz do
Maranhão, 13 de maio de 1841, Luiz Alves de Lima." (JANOTTI, 1987, 68 e
69.)
CONCLUSÃO:
AS REBELIÕES REGENCIAIS
O período subsequente ao 7
de abril de 1831 passou para a História do Brasil como um dos mais conturbados
que o País conheceu. Quase toda a Nação conheceu rebeliões, arruaças, sedições
e agitações contra a ordem estabelecida. Já é sabida a crítica instabilidade
política em que o Império mergulhara, instabilidade esta provocada pelos
choques dentro da própria classe dominante e desta com os demais componentes da
estrutura social vigente. É conhecida, também, a grave crise econômico -
financeira que abalava o País, contribuindo ainda mais para o aumento das
contradições existentes.
Entretanto, como entender
de maneira clara a efervescência revolucionária do Período das Regências? Numa
perspectiva mais ampla, é a partir da Independência que entenderemos a crise
regencial. As contradições amadureceram no pós - independência e no Período
Regencial chegaram às vias de fato.
A Independência do Brasil
processou-se de forma pacífica, sendo desde o início empresariada pela classe
dos grandes proprietários de terras. Deste modo, a emancipação revestiu-se de
um caráter elitista, relegando-se a um segundo plano outros setores da
sociedade. Dentro da organização imperial, de feição eminentemente
conservadora, a posição de destaque, o mando e as instituições traduziam as
aspirações da aristocracia rural. Quanto às demais categorias, a marginalização
tornou-se um imperativo, em virtude da continuidade da mesma estrutura socio-econômica
do período colonial: de um lado, o mandonismo senhorial e de outro lado, a
servidão. Em tal organização social, deve ser afastada qualquer hipótese de uma
homogênea oposição dos "debaixo" contra "os de cima".
Ante a ameaça representada
pelo próprio Imperador Absolutista, uniu-se a classe senhorial na defesa de
seus "interesses comuns". A classe dominante, em choque aberto contra
o Imperador, sentiu a necessidade de mobilizar os ditos novos componentes ( o
povo e as tropas), atribuindo ao próprio D. Pedro o entravamento de reformas
mais democráticas, que supostamente beneficiavam os menos favorecidos. Daí as
promessas, que jamais seriam cumpridas.
Nesse contexto, a Balaiada
ocorrida no Maranhão não se apresentou como uma manifestação revolucionária
única, mas sim, como um movimento fracionado, com tendências e levantes
sucessivos e ininterruptos, indicando direções variadas. Assim, é difícil
encontrar, na Balaiada, um programa político claramente definido. A Balaiada
foi a síntese de vários movimentos de cunho sócio – político, ocasionados pelos
seguintes fatores: 1) Divergências político – partidárias entre liberais e
conservadores; 2) estratificação de hierarquização sócio – econômica que gerou
o preconceito de "casta" na sociedade maranhense. Daí o caráter
popular do movimento, pois o mesmo englobava grupos populares diversos. Em tal
organização social, deve ser afastada qualquer hipótese de uma homogênea
oposição dos "debaixo" contra "os de cima".
A heterogeneidade de
componentes, bem como interesses defendidos, faz com que haja, na verdade, duas
versões históricas sobre a rebelião Balaia: uma dos sertanejos e outra das
lutas entre cabanos e bentevis. Apesar de distintas entre si, tais versões
encontram-se interligadas. Tal distinção tem como principal fundamento tanto os
motivos que levaram os indivíduos a se engajarem na luta, quanto as suas
origens sociais. De um lado, apresentam-se os "balaios", homens do
sertão e marginalizados, que personificavam uma classe social que vivia, como
bem definiu Caio Prado Júnior, às margens da sociedade (classe inorgânica), e
que buscavam melhores condições de sobrevivência. Compunham-se de vaqueiros
(Raimundo Gomes), artesãos (Ferreira dos Anjos, o "Balaio") e
aquilombados (D. Cosme) que se reuniram no interior e, desta reunião nasceram
os movimentos de massa que rapidamente, pela inexistência de um programa
político se desmantelaram.
Além das organizações
populares, havia também um desacerto político – partidário no quadro da elite
dirigente provincial, em que a oposição ao governo do Maranhão organizava-se em
torno do grupo radical, denominado Bentevi. Seus membros originavam-se da
classe média, na qual incluíam-se militares, políticos e membros do partido.
Para este grupo, as agitações populares só tinham aprovação enquanto servissem
de anteparo às "odiosas interferências centralizadoras". Logo,
confundiam as demais camadas sociais (balaios), procurando afastá-los dos reais
motivos de suas dissidências, com argumentos ideologicamente frágeis e de fundo
nacionalista. Atendidas as suas reivindicações e temendo a radicalização do
movimento (ameaça haitiana), os liberais retiram o "apoio" ao
movimento.
A heterogeneidade de
interesses tanto entre o grupo balaio quanto o bentevi, e consequentemente a
ausência de uma proposta ideológica, frustou o movimento. Enquanto a classe
dominante ressurgia no cenário político, a população marginalizada enfrentaria
enormes dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas. As
consequências do fracasso da revolta podem ser vislumbradas ainda hoje no
quadro social nordestino atual: o sertanejo permanece como nômade em constante
processo migratório e o mandonismo local ampara-se política e militarmente por
bandos armados. Ou seja, a Balaiada não promoveu uma mutação sócio – econômica
e política, pois a classe popular permanece submetida à dominação e desmandos
da elite política.
A área assinalada em vermelho, é a área onde ocorreu a Balaiada
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Carlota – O
Sertão - subsídios para a história e geografia do Brasil. 1.ª ed. Rio
de Janeiro: Emp. Ed. Obras Scient Literarias, 1924.
_________ - Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 3.º vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
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HOLANDA, Sérgio Buarque de
(org.) – História Geral da Civilização Brasileira. 2.ª ed. Tomo II, 2.º
vol. São Paulo: DIFEL, 1969.
JANOTTI, Maria de Lourdes
Mônaco – A Balaiada. 2.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO JR, Caio. Evolução
Política do Brasil: colônia e império. 21.ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1999.
SERRA, Astolfo – A
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