7 de julho de 2017

Identidade redescoberta



Identidade redescoberta

Capitais do Nordeste investem alto para
 recuperar centros históricos degradados e
assim incentivar o turismo cultural

sol presente o ano todo e as praias paradisíacas já não são as únicas atrações turísticas das capitais do Nordeste. Às vésperas dos 500 anos do Descobrimento, as metrópoles da região transformam seus centros históricos em canteiro de obras com especial interesse no turismo cultural. Mais do que salvar casarios coloniais das ruínas, estão dando vida nova a bairros inteiros, antes guetos de decadência econômica e prostituição. Esses sítios, ruas e praças já reformados são hoje concorridos palcos de shows e feiras culturais. Bares e restaurantes da moda, instalados em velhos armazéns reestilizados, estão formando novos pólos de agitação noturna. Como resultado, o valor dos imóveis multiplicou.

Assim ocorreu no Pelourinho, em Salvador - um dos primeiros megaprojetos de revitalização a sair do papel, no início dos anos 90. O exemplo baiano foi seguido pelos vizinhos. No Recife, o alvo inicial foi o casario da Rua do Bom Jesus, a mais famosa do velho bairro portuário onde se instalou o governo holandês no século 16. Com a deterioração, o antigo centro econômico da cidade virou reduto de prostíbulos. No imóvel em que um deles funcionava aloja-se hoje o London Pub, animada casa de jazz e blues. "O centro histórico tornou-se o melhor local para se investir em entretenimento", afirma André Lubambo, dono do bar e de uma creperia recém-inaugurada na Rua do Bom Jesus, além de presidente de uma associação que reúne 79 restaurantes no bairro. "Eram apenas 12 antes da reforma, todos com uma casa de prostituição ao fundo", conta o empresário.

Só nesta década, 200 edificações do bairro foram restauradas. Algumas obras estão em fase de conclusão, como a da Torre Malakoff, observatório astronômico erguido em 1853 como portal de entrada da cidade. As ruas ganham luminárias imitando antigos lampiões a gás e o armazém da alfândega passa por reformas para abrigar um shopping center. As despesas serão cobertas com parte dos R$ 200 milhões destinados este ano ao Brasil pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a restauração do patrimônio histórico. A verba também será aplicada na instalação de um complexo de cinemas no prédio da velha boate Chantecler, outrora palco das mais concorridas festas do Recife. Para estimular novos negócios no bairro, a prefeitura concede desconto de 10% a 25% nos impostos.

O modelo recifense foi seguido por João Pessoa. O núcleo original da cidade - a terceira mais antiga do Brasil, fundada em 1585 - situa-se no entorno do Porto do Capim, desativado desde a década de 30. Hoje em ruínas, o local está sendo recuperado para permitir passeios a barco no estuário do Rio Sanhauá. Saindo do porto, 50 metros de caminhada numa ladeira estreita e íngreme levam ao largo da setecentista Igreja São Pedro Gonçalves, em obras. Ao lado situa-se o prédio do antigo Hotel Globo, o principal da cidade desde sua criação, nos anos 20, até o final dos 50. No imóvel em estilo neoclássico e art noveau, agora recuperado, funciona um centro cultural. A reforma foi feita pelos alunos da Oficina-escola de João Pessoa, moças e rapazes de baixa renda que trabalham por salário mínimo e comida.

Dali, descendo por uma ladeira lateral, chega-se à Praça Anthenor Navarro, onde 13 sobrados foram transformados em ateliês de arte, livrarias e bares hoje freqüentados por consumidores de alto poder aquisitivo. No novo complexo de vida noturna, os aluguéis triplicaram. O êxito da iniciativa fez com que o projeto de recuperação fosse estendido ao Teatro Santa Roza, o terceiro mais antigo do país, e à Estação Ferroviária, hoje endereço de feiras culturais e festas alternativas do tipo rave.





Além de recuperar áreas
 deterioradas, em Fortaleza a
prefeitura decidiu construir um
 centro cultural, de linhas
futuristas, entre os antigos
 armazéns da zona portuária.
Inaugurado este ano, ao custo de
 US$ 25 milhões, o Centro Dragão
do Mar abriga museus, salas de
 exposição, auditórios, cinemas e
planetário, instalados no prédio
 em ziguezague que serpenteia no
bairro. Perto dali, o casario
 vizinho à orla da Praia de
Iracema, depois de remodelado,
passou a atrair bares, animados
pelo forró.




Mais ousada foi a estratégia
adotada por Maceió. Atraída pela
 isenção tributária, a Universidade Estácio de Sá, do Rio,
 aliou-se a um colégio local para criar um centro de ensino superior em um antigo bordel, no bairro histórico do Jaraguá. A faculdade terá, já em janeiro, 1.800 alunos em três turnos. De olho nessa clientela, vão se instalar ali livrarias, lanchonetes, cinemas. Cerca de R$ 22 milhões estão sendo investidos na restauração dos prédios em geral.

A velha Rua Sá e Albuquerque, espinha dorsal do bairro, roubou a efervescência noturna da orla marítima. Hoje, os principais endereços da diversão em Maceió são a boate Aeroporco e o bar Casa da Sogra, instalados em antigas lojas de ferragens e armazéns portuários no Jaraguá. Grande exportador de fumo e açúcar no século 16, o porto conserva resquícios de seu esplendor, como o prédio neoclássico da Associação Comercial. A decadência do açúcar resultou em abandono. Restaurado, o prédio será reaberto neste mês, com escritórios e um museu sobre a formação socioeconômica do Nordeste.

Por exigência das agências financiadoras, a revitalização dos centros históricos deve vir acompanhada de melhorias na infra-estrutura urbana. São Luís é um exemplo. Patrimônio da Humanidade, a capital maranhense ostenta um dos maiores núcleos históricos do país, com 3.500 edificações em 270 hectares. Fundada em 1612 pelos franceses, a cidade tornou-se pólo comercial na Colônia e atraiu famílias abastadas, cujas propriedades costumavam ter fachadas com azulejos portugueses, transportados como lastro nas caravelas. No início deste século, a estagnação econômica e o colapso da navegação à vela fizeram do centro histórico celeiro de cortiços e prostíbulos. "Como não havia dinheiro sequer para demolição, muitos prédios dos séculos 17 a 19 permaneceram intactos", conta Luis Felipe Andrés, coordenador do projeto de restauração.

Nos últimos dez anos foram gastos US$ 95 milhões na reforma do bairro da Praia Grande, hoje palco de atrações culturais na cidade. A fase inicial, beneficiando mil imóveis em ruínas, reconstruiu a paisagem urbana do século 19, sem ignorar a bela igreja neoclássica construída pelos jesuítas no século 17. Com o reforço de US$ 46 milhões recebido do BID pela prefeitura este ano, uma antiga fábrica de arroz, movida pela força das marés no século passado, está sendo recuperada para abrigar um estaleiro-escola para 200 alunos. Os andaimes e tapumes chegam agora ao antigo casarão de Lilah Lisboa, promotora dos saraus mais animados da cidade no século passado. A majestosa casa, hoje deteriorada, será sede da Escola de Música de São Luís. Um dos vizinhos é Tomás Cantuária, 72 anos, o último alfaiate da Rua de Nazaré, famosa por acolher dezenas de costureiros no passado. O negócio não pode morrer. A diversificação das atividades é o segredo para tornar o bairro dinâmico e viável economicamente. A força da História e o glamour da arquitetura garantem o resto.

Sérgio Adeodato, do Recife
Fotos: Roberto Setton/Época 

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