9 de agosto de 2020

Caravelas da globalização

 

Caravelas da globalização

Quinto maior investidor no país, Portugal

exporta executivos para o Brasil, onde a

colônia se reduz em tamanho, mas não em

 importância

 

 

A história da imigração portuguesa no

país se confunde com a própria

formação do povo brasileiro. Se

Cabral, ao lançar âncoras no litoral

baiano em 1500, só pretendia

estabelecer um entreposto mercantil

de Portugal, logo aportariam seus

patrícios, como João Ramalho e

Diogo Álvares Correia, com planos de permanência e

dispostos a fundar uma nova raça. Desde então, o

exemplo foi seguido por mais de 3 milhões de lusitanos,

hoje reduzidos a aproximadamente um décimo (300 mil).

A herança lusitana vai muito além das estatísticas. Ela se perpetua na arquitetura das cidades coloniais, a exemplo de Ouro Preto, Olinda, Parati, São Luís e Rio de Janeiro. Na língua falada em todo o país e na religiosidade. Está presente em vários aspectos do cotidiano, como na culinária - muitos doces mineiros são criação portuguesa - e na cachaça, nascida como subproduto da primeira empresa agrícola nacional, o engenho de açúcar. A herança tem raízes bem fincadas nos campos de futebol, onde o Vasco da Gama e a Portuguesa de Desportos são destaque. Com base nessa identidade, não é de estranhar que, em plena globalização, os portugueses tenham eleito o Brasil como o principal porto de seus investimentos no Exterior. Como os primeiros navegadores, os imigrantes que continuam a chegar de além-mar, embora em número bem menor, querem provar que ainda sabem fazer a América melhor que ninguém.

Vai longe o tempo em que o retrato mais bem acabado do imigrante português no Brasil era o daquele senhor bigodudo e afável, metido em camiseta e calçado em tamancos, atrás de um balcão de botequim ou padaria. Era o imigrante clássico, personagem bonachão conhecido de todos os brasileiros que os anos cuidaram de reduzir a mera caricatura. Hoje, os patrícios chegam d'além-mar em ternos bem talhados, passeiam com desenvoltura pelos salões mais requintados da elite econômica e disputam palmo a palmo com empresários de outros países o topo do ranking dos investimentos externos no país. Quinhentos anos depois de Cabral, Portugal já ocupa a quinta posição na lista dos maiores investidores em solo brasileiro. Perde apenas para os Estados Unidos, a Alemanha, a França e quase ganha da Espanha. Deixa para trás vizinhos europeus poderosos como a Itália e potências como o Canadá.

É transformação recente. Ocorreu nos últimos três anos. Segundo o Ministério da Economia de Portugal, que mantém em São Paulo uma representação do Departamento de Investimentos, Comércio e Turismo (Icep), cerca de 180 empresas vieram para cá nesse período. São gigantes como o grupo Sonae, holding da terceira maior rede de supermercados do Brasil (Big, Cândia e Mercadorama). Ou como a Cervejaria Cintra, já instalada em Mogi Mirim (SP) e a caminho de Campos (RJ). Ou ainda como a Caixa Geral de Depósitos, imagem e semelhança da Caixa Econômica Federal brasileira, que comprou aqui o Banco Bandeirantes. Somadas a outras dezenas de empreitadas - pequenas e grandes -, os portugueses já investiram US$ 7 bilhões na ex-colônia nestes três anos. A cifra corresponde a 40% de todos os investimentos de Portugal mundo afora. Nota atrás de nota, a fila de dólares atravessaria o Atlântico numa ponte imaginária entre Lisboa e Porto Seguro, a primeira parada de Cabral, em 1500.

Nesse oceano de dólares, R$ 1 bilhão veio de um grupo, o Sonae. Vicente Dias, 47 anos, diretor de marketing do grupo, conta que o Brasil se tornou "destino prioritário" dos investimentos portugueses por "afinidades culturais". O Sonae chegou em 1996. Emprega 24 mil brasileiros em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O faturamento bruto este ano deve chegar a R$ 3,5 bilhões. "Ainda estamos na fase de investimentos pesados", diz Vicente. Num tempo em que "navegação" não é mais sinônimo de caravelas, mas de Internet, demonstrações como essa apontam para uma espécie de Redescobrimento do Brasil. Há coincidências. Como Cabral e seus marinheiros do 22 de abril de 1500, nem todos os viajantes portugueses do ano 2000 vêm para ficar. Chegam, estabelecem negócios, deixam meia dúzia de patrícios representantes e voltam para a Península Ibérica.

É o caso de José Manuel Romão Mateus, de 42 anos, presidente da Telesp Celular, arrematada pela Portugal Telecom em leilão de privatização, em julho do ano passado, por US$ 3,1 bilhões. "Ficarei três anos aqui", conta ele. "Para depois disso, não faço planos." A empresa está há 14 meses sob o comando de Romão. O tempo é curto, mas ele já coleciona resultados invejáveis. Só no primeiro semestre de 1999, a receita operacional líquida bateu R$ 1,016 bilhão - 32% maior que a do mesmo período do ano anterior. Os portugueses foram pioneiros no Brasil no lançamento do celular pré-pago.




 

Nenhum comentário: