23 de outubro de 2014

Brasil Império



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1824: Uma contituição Antidemocrática

"Causa-me horror só ouvir falar em revolução".
Muniz Tavares, antigo revolucionário de 1817 na Assembléia Constituinte (21/mai/1823). Anais do Parlamento Brasileiro - Assembléia Constituinte, 1823, tomo I, Rio de Janeiro, pág. 90.

"Durante as discussões da Constituinte ficou manifesta a intenção da maioria dos deputados de limitar o sentido do liberalismo e de distingui-lo das reivindicações democratizantes. Todos se diziam liberais, mas ao mesmo tempo se confessavam antidemocratas e antirevolucionários. As idéias revolucionárias provocavam desagrado entre os constituintes. A conciliação da liberdade com a ordem seria o preceito básico desses liberais, que se inspiravam em Benjamim Constant e Jean Baptiste Say. Em outras palavras: conciliar a liberdade com a ordem existente, isto é, manter a estrutura escravista de produção, cercear as pretensões democratizantes".
Emília Viotti da Costa
Da Monarquia à República: Momentos Decisivos
Livraria Editora Ciências Humanas
São Paulo, 1979, pág.116, Segunda Edição.

O primeiro processo constitucional do Brasil iniciou-se com um decreto do príncipe D. Pedro, que no dia 3 de junho de 1822 convocou a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história, visando a elaboração de uma constituição que formalizasse a independência política do Brasil em relação ao reino português. Dessa maneira, a primeira constituição brasileira deveria ter sido promulgada. Acabou porém, sendo outorgada, já que durante o processo constitucional, o choque entre o imperador e os constituintes, mostrou-se inevitável.

A abertura da Assembléia deu-se somente em 3 de maio de 1823, para que nesse tempo fosse preparado o terreno através de censuras, prisões e exílios aos opositores do processo constitucional.

A) ANTECEDENTES: DIVERGÊNCIAS INTERNAS
O contexto que antecede a Assembléia foi marcado pela articulação política do Brasil contra as tentativas recolonizadoras de Portugal, já presentes na Revolução do Porto em 1820. Neste mesmo cenário, destacam-se ainda, divergências internas entre conservadores e liberais radicais. Os primeiros, representados por José Bonifácio resistiram inicialmente à idéia de uma Constituinte, mas por fim pressionados, acabaram aderindo, com a defesa de uma rigorosa centralização política e a limitação do direito de voto. Já os liberais radicais, por iniciativa de Gonçalves Ledo, defendiam a eleição direta, a limitação dos poderes de D. Pedro e maior autonomia das províncias.

Apesar da corrente conservadora controlar a situação e o texto da convocação da Constituinte ser favorável à permanência da união entre Portugal e Brasil, as Cortes portuguesas exigem o retorno imediato de D. Pedro, que resistiu e acelerou o processo de independência política, rompendo definitivamente com Portugal, a 7 de setembro de 1822. Sofrendo severas críticas de seus opositores e perdendo a confiança do imperador, José Bonifácio e seu irmão Martim Francisco demitiram-se em julho de 1823, assumindo uma oposição conservadora ao governo, através de seus jornais A sentinela da Liberdade e O Tamoio. Rompidas definitivamente as relações com Portugal, o processo para Constituinte tem prosseguimento, discutindo-se a questão dos critérios para o recrutamento do eleitorado que deveria escolher os deputados da Assembléia.

O direito de voto foi estendido apenas à população masculina livre e adulta (mais de 20 anos), alfabetizada ou não. Estavam excluídos religiosos regulares, estrangeiros não naturalizados e criminosos, além de todos aqueles que recebessem salários ou soldos, exceto os criados mais graduados da Casa Real, os caixeiros de casas comerciais e administradores de fazendas rurais e fábricas. Com esta composição social, ficava claro o caráter elitista que acabará predominando na Constituinte, já que retirava-se das camadas populares o direito de eleger seus representantes.

B) O ANTEPROJETO: LIBERAL E ANTIDEMOCRÁTICO
Com um total de 90 membros eleitos por 14 províncias, destacavam-se na Constituinte , proprietários rurais, bacharéis em leis, além de militares, médicos e funcionários públicos. Para elaborar um anteprojeto constitucional, foi designada uma comissão composta por seis deputados sob liderança de Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio.

O anteprojeto continha 272 artigos influenciados pela ilustração, no tocante à soberania nacional e ao liberalismo econômico. O caráter classista e portanto antidemocrático da carta, ficou claramente revelado com a discriminação dos direitos políticos, através do voto censitário, onde os eleitores do primeiro grau (paróquia), tinham que provar uma renda mínima de 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegeriam os eleitores do segundo grau (província), que necessitavam de uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos, elegeriam deputados e senadores, que precisavam de uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente, para se candidatarem.

A postura elitista do anteprojeto aparece também em outros pontos, como a questão do trabalho e da divisão fundiária. O escravismo e o latifúndio não entraram em pauta, pois colocariam em risco os interesses da aristocracia rural brasileira. Segundo Raymundo Faoro "o esquema procurará manter a igualdade sem democracia, o liberalismo fora da soberania popular". Tratava-se portanto, de uma adaptação circunstancial de alguns ideais do iluminismo aos interesses da aristocracia rural.

Destaca-se ainda, uma certa xenofobia na carta, que expressava na verdade, uma lusofobia marcadamente anticolonialista, já que as ameaças de recolonização persistiam, tanto no Brasil (Bahia, Pará e Cisplatina), como em Portugal, onde alguns setores do comércio aliados ao clero e ao rei, alcançam uma relativa vitória sobre as Cortes, no episódio conhecido como "Viradeira". A posição anti-absolutista do anteprojeto, fica clara devido a limitação do poder de D. Pedro I, que além de perder o controle das forças armadas para o parlamento, tem poder de veto apenas suspensivo sobre a Câmara. Dessa forma, os constituintes procuram reservar o poder político para a aristocracia rural, combatendo tanto as ameaças recolonizadoras do Partido Português, como as propostas de avanços populares dos radicais, além do próprio absolutismo de D. Pedro I.

"Afastando o perigo da recolonização; excluindo dos direito político as classes inferiores e praticamente reservando os cargos da representação nacional aos proprietários rurais; concentrando a autoridade política no Parlamento e proclamando a mais ampla liberdade econômica, o projeto consagra todas as aspirações da classe dominante dos proprietários rurais, oprimidos pelo regime de colônia, e que a nova ordem política vinha justamente libertar." (PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil).

C) A DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLÉIA
A posição da Assembléia em reduzir o poder imperial, faz D. Pedro I voltar-se contra a Constituinte e aproximar-se do partido português que defendendo o absolutismo, poderia estender-se em última instância, à ambicionada recolonização. Com a superação dos radicais, o confronto político se polariza entre os senhores rurais do partido brasileiro e o partido português articulado com o imperador. Nesse ambiente de hostilidades recíprocas, o jornal "A Sentinela", vinculado aos Andradas, publica uma carta ofensiva a oficiais portugueses do exército imperial. A retaliação dá-se com o espancamento do farmacêutico David Pamplona, tido como provável autor da carta. Declarando-se em sessão permanente, a Assembléia é dissolvida por um decreto imperial em 12 de novembro de 1823. A resistência conhecida como "Noite da Agonia" foi inútil . Os irmãos Andradas, José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos, são presos e deportados.

Perdendo o poder que vinham conquistando desde o início do processo de independência, a aristocracia rural recua, evidenciando que a formação do Estado brasileiro não estava totalmente concluída.

". . . Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléia Constituinte Geral e Legislativa, por decreto de 3 de junho do ano passado, a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes: E havendo esta assembléia perjurado ao tão solene juramento, que prestou à nação de defender a integridade do Império, sua independência, e a minha dinastia: Hei por bem, como Imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma assembléia e convocar já uma outra na forma de instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual deverá trabalhar sobre o projeto da Constituição que eu lhe ei de em breve lhe apresentar, que será mais duplicamente liberal do que a extinta assembléia acabou de fazer ." (Decreto Da dissolução da Assembléia Constituinte). 12/nov/1823

D) A CONSTITUIÇÃO DE 1824
Foi a primeira constituição de nossa história e a única no período imperial. Com a Assembléia Constituinte dissolvida, D. Pedro I nomeou um Conselho de Estado formado por 10 membros que redigiu a Constituição, utilizando vários artigos do anteprojeto de Antônio Carlos. Após ser apreciada pelas Câmaras Municipais, foi outorgada (imposta) em 25 de março de 1824, estabelecendo os seguintes pontos:

- um governo monárquico unitário e hereditário.
- voto censitário (baseado na renda) e descoberto (não secreto).
- eleições indiretas, onde os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da província e estes elegiam os deputados e senadores. Para ser eleitor da paróquia, eleitor da província, deputado ou senador, o cidadão teria de ter, agora, uma renda anual correspondente a 100, 200, 400, e 800 mil réis respectivamente.
- catolicismo como religião oficial.
- submissão da Igreja ao Estado.
- quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O Executivo competia ao imperador e o conjunto de ministros por ele nomeados. O Legislativo era representado pela Assembléia Geral, formada pela Câmara de Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (nomeado e vitalício). O Poder Judiciário era formado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com magistrados escolhidos pelo imperador. Por fim, o Poder Moderador era pessoal e exclusivo do próprio imperador, assessorado pelo Conselho de Estado, que também era vitalício e nomeado pelo imperador.

Nossa primeira constituição fica assim marcada pela arbitrariedade, já que de promulgada, acabou sendo outorgada, ou seja, imposta verticalmente para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo constitucional parecia favorecer a elite rural, surgiu o golpe imperial com a dissolução da Constituinte e consequente outorga da Constituição. Esse golpe, impedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural, que somente em 1831 restabeleceu-se na liderança da nação, levando D. Pedro I a abdicar.

A Abolição da Escravidão

13 de Maio: A Revolução Social Brasileira

Por Henrique Cunha Júnior *

13 de maio tem sido uma data pouco comemorada e pouco analisada no calendário nacional e escolar. Já foi feriado nacional e depois deixou de ser. Mas deveria ser uma reivindicação da população que datas como 13 de maio e 20 de novembro fossem cercadas por grandes manifestações, que tivéssemos na escola e na sociedade um símbolo importante marcado por estas datas para refletirmos sobre a realidade brasileira, sobre a nossa história e sobre as conquistas populares. Em todos os países da América onde houve escravismo recente, a data da abolição é comemorada com grandes festas, muitos discursos e uma ampla revisão histórica. Aqui no Brasil, pelo contrário, se quer fazer esquecer o 13 de maio, pois uma parte da sociedade não quer ser considerada culpada pela criminalidade do escravismo, enquanto outra parte perdeu o referencial do que o 13 de maio representa para as lutas do povo brasileiro.
O primeiro fato importante que tem sido omitido da população brasileira sobre o 13 de maio - me é daí que leva a não darmos importância a ele -, é o que permite uma parcela da população fazer de conta que não tem importância o escravismo e o quanto foi criminoso. Por outro lado, o 13 de maio tem sido omitido enquanto resultado de um longo processo de lutas do negro brasileiro e da população consciente contra o regime criminoso do escravismo.

O Escravismo foi Crime Contra a Humanidade

A maioria das pessoas tem vergonha de dizer que são descendentes de escravizados. Isto porque existem informações errôneas e antiéticas sobre a história brasileira. Se tivéssemos a informação correta, moral e ética, diríamos que o escravismo foi um regime criminoso contra a humanidade, de leis e fatos, imorais, antiéticos, condenáveis em qualquer sociedade que fizesse bom juízo dos fatos. Quem deveria ter vergonha, pois roubou e matou, viveram na continuidade dos benefícios do roubo.
Algumas pessoas vão erradamente argumentar: mas era lei da época. Não justifica. Vejamos como comparação o que ocorreu durante o nazismo na Alemanha. As leis da época do nazismo permitiam a prisão e o massacre dos judeus. Passado o nazismo, todos que governaram e se beneficiaram do regime foram julgados e condenados. Tinham estabelecido lei de estado criminosos que atentavam contra a humanidade. Portanto, crime é crime, com lei ou sem lei que os proteja. Assim deveria ter ocorrido com o escravismo. Atualmente, apenas a Igreja Católica, através do Papa admitiu o erro, demonstrou ter vergonha do erro, do regime. Deveria ser referencial para começar a discutir o 13 de maio.
O enfoque sobre o escravismo como crime contra a humanidade, leva a uma possibilidade de discutir melhor o 13 de maio, como ele foi e não como é pensado agora. O 13 de maio é o fim da criminalidade praticada pelo estado brasileiro e por todos aqueles que se beneficiavam vergonhosamente do trabalho roubado da população negra.
Mas o que realmente ocorreu no 13 de maio?

Onda Negra Medo Branco

Azevedo (1987)¹ elucida parte do que provocou assinatura da abolição do escravismo em 13 de maio de 1888. Primeiro, boas parte da população africana e Afro-descendente que vivia no Brasil já tinha conseguido reconstituir a liberdade perdida por diversas formas de luta contra o escravismo. Entretanto, no 13 de maio 700.000 pessoas que ainda eram mantidas injusta e criminosamente no regime de cativo readquirem a liberdade. Esta é, portanto, a maior mudança constitucional do país. A população do país nesta época era de 6.000.000 habitantes. Portanto, uma parcela considerável ascende à liberdade. O dobro desta população já tinha a liberdade através das lutas de Quilombos e de outras formas como a compra de alforrias, através de leis anteriores como a do ventre livre e a dos sexagenários. Possivelmente, mais do dobro dos negros, africanos e descendentes já estavam livres no momento do 13 de maio. Isto produzia, também, um medo dos brancos poderosos de que a população negra, tanto livre como escrava produzisse uma revolução total e conjunta, depusesse os brancos do poder como tinha ocorrido a quase um século antes do Haiti.
No Brasil, as revoltas dos escravizados eram muito comuns. Os quilombos eram numerosos em todas as partes do país e os brancos proprietários viviam em clima de pavor contra possível reação da população livre escravizada. Mesmo porque, nem todos os brancos apoiavam o regime criminoso do escravismo. Pelo contrário, muitos deles se uniram aos negros para lutar contra o regime. Antes da guerra do Paraguai (terminada em 1872), o governo brasileiro usava o exército para controlar as revoltas da população negra. Foi assim que Caxias e outros militares fizeram carreira, destruindo Quilombos, eliminando revoltas populares. Mas a guerra do Paraguai trouxe nova consciência ao exército ao exército nacional. Ficou evidente que a função do exército não era defender os grandes proprietários e mantê-los no seu estado criminoso de beneficiados pelo escravismo. O exército existia para defender a nação e manter a soberania nacional, não para servir contra o povo. Depois da guerra do Paraguai o exército passou a se negar a perseguir os negros revoltosos, ficando estes casos para a polícia e os militares locais. Assim aumentou o medo branco, eles mesmos começaram a pensar na abolição como forma de evitar uma revolta maior da população negra. Entretanto, a abolição foi discutida num longo processo na sociedade brasileira. Negros ilustres como Luís Gama, Quintino de Lacerda, José do patrocínio participaram ativamente destes debates. Daí que, a Assembléia Nacional reunida no Rio de Janeiro em 1888 votou a abolição do escravismo. Decidido o fim do escravismo, o Estado brasileiro saia da situação de criminalidade contra a humanidade que se mantinha até então. Logo, em 13 de maio de 1888 a lei foi assinada. Portanto, não foi princesa nenhuma que deu liberdade aos negros. A liberdade foi uma conquista da população brasileira, uma vitória dos movimentos populares. Temos assim, uma confirmação de que governantes estavam criminosamente errados e neste dia, o erro foi abolido.
É neste sentido que a abolição foi comemorada pela população brasileira nos dias 13 e 14 de maio e deveria ser comemorada até o presente.

A lei existiu, mas não foi completa

Os poderosos capitularam, perderam, mas não se entregaram. A lei deveria ter sido votada com um amplo apoio, indenização e reintegração dos escravizados à sociedade brasileira. Entretanto, os poderosos omitiam a discussão do direito da população que tinha sido escravizada. Fizeram um esforço e conseguiram que a sociedade nunca discutisse o escravismo a luz dos valores éticos e morais. Fizeram uso dos meios de propaganda para transformar pessoas criminosas em generosas. Generosas por terem "dado" a liberdade aos negros. Isto foi e ainda é uma manipulação de informação histórica. É a omissão dos culpados pelo crime e a manipulação de informação destes por histórias deturpadas. Hoje chega a se dizer que o escravismo no Brasil foi brando, que os chamados senhores foram bondosos, que até cruzarem com os negros. Escravidão é crime, os escravistas foram criminosos, não existe nada que os isentem, a não ser o nosso esquecimento da verdade ou a nossa inconsciência produzida pela informação malévola.
A lei de 13 de maio foi incompleta, poderia ter resolvido problemas nacionais dos quais até padecemos como é o caso da reforma agrária e do aceso das populações a terra. Poderia ter promovido uma repartição da renda retornando aos ex-escravizados, através de políticas o que nos seria de direito. Visto não ter sido feito, o país até hoje sofre destes erros. Existe, portanto, mais motivos para festejarmos e realizarmos uma revisão ética da nossa verdadeira história nacional nesta data. O 13 de maio é uma revolução nas datas nacionais, é uma verdade para a população negra e brasileira. As classes escravistas foram criminosas e a humanidade deve julgá-las.

O que ocorre depois da aula do 13 de Maio nas escolas

No enfoque tradicional do 13 de maio as alunas e alunos negros vivem um pesadelo. Depois da são motivos de chacotas, gracinhas e xingamentos pelos estudantes que se acham brancos, mesmo porque a aula sobre 13 de maio costuma ser duplamente falha. O que temos é o reforço mais eloqüente de desinformações históricas e deseducativas alinhadas aos esforços dos discursos racistas. As gracinhas e piadas não são inocentes, não são coisas de crianças ou brincadeiras. Elas são manifestações de racismo e preconceitos que tiveram suporte no processo deseducativo propiciado pela sala de aula repetindo as formulações antigas e impensadas sobre o 13 de maio.
O que ocorre na aula dos educadores e educadoras desinformadas? Aqueles que não passaram por uma reflexão nova, por uma visão renovada do 13 de maio? Eles repetem as fórmulas da cultura do racismo e do preconceito. Não adianta dizer que os educadores não são racistas e preconceituosos. São sim. Façam uma revisão de consciência sobre o que elas e eles pensam sobre o negro, sobre o escravismo e sobre a África. Vejam se existe alguma coisa de positivo é um forte sinal da presença do racismo nas próprias idéias. Idéias que não são só suas, foram transmitidas continuamente nos processos do cotidiano e nos processos educacionais. Vejam o que a sociedade no senso comum repete: negro não presta, a negra fede, negro é preguiçoso. Repetem daí o que a escola também fala: o negro foi escravo, os negros vêm de tribos africanas de homens nus. São informações erradas. O que sai destes dois diálogos, o do cotidiano da rua com o da escola? Saem apenas visões negativas sobre os africanos e os descendentes destes fortalece a cultura do racismo. No 13 de maio estes discursos ficam eloqüentes, o escravo é o negro coitadinho, humilhado. Os alunos que se pensam brancos reforçam as idéias de inferioridade dos negros e aí expressam seus racismos através de piadas. Um exemplo: hei negão, se não fosse a Isabel tu estarias apanhando! Isto é racismo.
Outro aspecto que a escola não foi capaz de trazer à realidade nacional em discussão está na manutenção das idéias sobre raças e cores de pele. Não foi capaz de ver que a maioria daqueles que estão ali na sala são descendentes de africanos escravizados no Brasil. A escola não foi capaz de mostrar um horizonte mais amplo sobre a história da humanidade. História, na qual, os portugueses, mesmo antes de 1500 já tinham forte miscigenação com os africanos da mesma forma os italianos e os franceses. Não foi capaz, também de trazer para a consciência dos alunos que os europeus tinham sido escravizados muito antes da vinda para o Brasil, que houve na história da humanidade os dias em que os europeus escravizaram europeus. Por isto, de uma maneira geral todos, negros ou brancos são, de alguma maneira, descendentes de escravos. Apenas mudou o período histórico e o lugar, ou seja, os negros no Brasil entre 1532 e 1888 foram escravizados por criminosos brancos.

A Balaiada

Por Carlos Alberto Ricardo

A 'revolta dos balaios' - ocorrida no Maranhão durante o período de 1830 a 1841 - resultou em mais uma manifestação do processo de crise por que passava a sociedade brasileira durante o período regencial.
Na época do movimento, a província contava com aproximadamente 200 mil homens, dos quais 90 000 eram escravos e outra grande parte formada de sertanejos ligados à lavoura ou à pecuária.
Herdando uma estrutura social gerada, em fins da época colonial na produção do algodão, a região encontrava-se, nesse momento, econômica e socialmente instável. A produção algodoeira, fundando-se apenas em razão de condições internacionais - guerra de Independência dos Estados Unidos, Revolução Industrial etc. -, declinou paralelamente ao desaparecimento dos acontecimentos externos favoráveis à economia exportadora .

"Retirantes" de Candido Portinari
Base social necessária para o funcionamento dessa economia, a massa de escravos negros constituía um enorme contingente, populacional que, não raras vezes, apresentou sinais de rebeldia, aquilombando-se nas matas, "de onde saíam para surtidas rápidas e violentas sobre propriedades agrárias ". O grande contingente de homens livres, disperses pelo Maranhão e com formas rudimentares de divisão do trabalho, deveu-se basicamente à pecuária extensiva. O caráter mesmo dessa atividade, na região, possibilitou o crescimento vegetativo normal da população que, em épocas de retração da economia, dedicava-se à subsistência. Será o caráter de sua participação no movimento - aliada à dos negros - que dará à Balaiada uma configuração especial dentre as mobilizações ocorridas no período. Se a rebeldia desses grupos já possibilitara sua participação como braço armado durante os conflitos ocorridos pela época da independência, na revolta dos balaios, a participação de negros e homens livres (sertanejos) adquire caráter próprio, escapando ao controle das disputas partidárias.
Em nível das camadas dominantes, o quadro da região não difere das demais, na época. "A política da Província era regulada pelos Bentevis (liberais) e Cabanos (conservadores), seguindo os moldes do revezamento de partidos, adotado durante o período imperial. Algumas crises, estabelecidas sobre o quadro de 'rotatividade de elites' no poder, eram seguidas - ou precedidas conforme o caso, de agitações locais, envolvendo geralmente as camadas populares corno instrumento de luta.".
Os conflitos ocorridos entre tais grupos - que também podem ser observados através dos jornais por eles encabeçados - teriam se acirrado com a votação da lei dos prefeitos pelo legislativo, sob a presidência do cabano Vicente Pires de Camargo. Tal medida visava a um maior controle da província pelo partido dominante, através de poderes legados aos prefeitos.
O fato com que se costuma marcar o início da revolta ocorreu quando Raimundo Gomes - um vaqueiro que administrava a fazenda do Padre Inácio Mendes (bentevi) passava pela vila do Manga levando uma boiada para ser vendida em outra localidade. O subprefeito da vila, José Egito, cabano e adversário político de Padre Mendes, baixa uma ordem para o recrutamento de alguns homens que acompanhavam Gomes e também para a prisão do irmão do vaqueiro. Reagindo, Raimundo Gomes assalta a cadeia e foge para Chapadinha. Irrompidas as agitações populares concentradas, num primeiro momento, na coluna de Raimundo Gomes, o aparecimento de manifestações em outras regiões passa a ser freqüente. Delas tentará se aproveitar o partido bentevi. Entretanto, "o movimento, ampliando-se, seja no raio de ação geográfica, seja no quantitativo dos que a ele vieram trazer a sua participação,"não possuía as características simplistas de mais um pronunciamento de políticos desejosos de poder" Nesse sentido, vale lembrar a participação de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, construtor e vendedor de balaios, "daí ser chamado 'Balaio', nome que passaria ao movimento", bem como a do preto Cosme, que se colocou à frente de três mil negros rebolados.
Um ofício que Caxias, então no comando da repressão à Balaiada, envia ao Ministro da Guerra em 5 de março de 1840, permite observar o caráter adquirido pelo movimento: "A opinião geral é que as eleições, e só as eleições deram origem às dissensões dos dois partidos conhecidos com as denominações de Cabanos e Bentevis; os segundos perseguidos pelos primeiros, que tinham apoio na Assembléia Provincial e, desgraçadamente no Governo de então, influíram no interior no rompimento da revolta; mas hoje nada há de comum entre os rebeldes salteadores e as opiniões políticas dos denominados Bentevis, que sofrem como os Cabanos grandes perdas nas suas Fazendas, e que se prestam para a pacificação da Província."
Nessa medida, adotando o sistema de guerrilhas e atacando as propriedades através de emboscadas, as ações e os objetivos dos balaios - certamente não muito claros para eles próprios - deixam de ser incorporados por quaisquer dos dois partidos em disputa.
O
número de adesões crescia nas regiões de Tutóia, Vargem Grande, Coroatá e Brejo, seguidas de freqüentes choques com as forças repressoras. A mobilização atinge grande parte da província. Em 1839, "a 24 de março, apresentavam-se às portas de Caxias, segunda cidade da província em importância. Depois de um cerco de sete dias, tomaram a cidade, fazendo valiosa presa. O pânico alastrava-se pela província e ameaçava a capital ..."
Em Caxias, os rebeldes intentaram uma primeira forma de organização política da qual participaram os elementos bentevis da cidade. A participação desses elementos certamente serviu para conter as propostas mais radicais. Assim, em seu curto espaço de duração, esse conselho "limitou-se tão-somente a providências de caráter militar e de emergência , e a mandar a São Luís uma delegação a fim de se entender com o presidente da província".
As propostas enviadas pela delegação e que sintetizavam os objetivos básicos do conselho resumiam, em última instância, apenas proposições liberais dos bentevis que, como partido da camada dominante, não desejava mudança alguma que pudesse abalar a estrutura social da província. Só nesse quadro podem ser compreendidos o reconhecimento da soberania do império e a exigência de expulsão dos portugueses e da restrição dos direitos dos adotivos - motivos que percorreram todas as agitações partidárias dos movimentos de independência - movimentos com caráter eminentemente de classe dominante.
De qualquer forma, frente ao vulto adquirido pelo movimento que atinge as Províncias do Ceará e Piauí, é nomeado para reprimir a rebelião o Coronel Luís Alves de Lima e Silva, que obtém não só o comando das armas como também a função de presidente da província. "Em Brejo, registrou-se a primeira grande derrota dos 'balaios' . Seguiu-se a dispersão deles que, penetrando no Piauí, com Raimundo Gomes, não alcançaram ali qualquer sucesso." A direção final do movimento ficou praticamente em mãos do preto Cosme, "Tutor e Imperador das Liberdades Bem-te-vi." Utilizando-se do recurso da anistia, o governo imperial consegue, em 22 de agosto de 1840, a rendição de muitos rebeldes...
as partidas volantes e concedendo anistia aos chefes sob a condição de ajudarem na perseguição dos que continuavam rebolados, a repressão, assim montada por Caxias, conseguiu acabar com o movimento que povoou a Província do Maranhão até 1841. Vale lembrar que a repressão à Balaiada marcaria o início da chamada "pacificação" através da qual Caxias sufocou as freqüentes agitações que perpassaram a sociedade brasileira durante o império.

A Confederação do Equador

A CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR
Introdução
A Confederação do Equador contou com a participação de diversos segmentos sociais, incluindo os proprietários rurais que, em grande parte, haviam apoiado o movimento de independência e a ascensão de D. Pedro I ao trono, julgando que poderiam obter maior poder político com o controle sobre a província de Pernambuco. Dessa maneira as elites agrárias da região pretendiam preservar as estruturas socioeconômicas e ao mesmo tempo chegar ao poder, até então manipulado pelos mercadores e militares de origem portuguesa, que se concentravam em Recife. No entanto esse movimento não foi protagonizado apenas pelas elites. A necessidade de lutar contra o poder central fez com que a aristocracia rural mobilizasse as camadas populares. Se as camadas populares não tinham até então sua própria organização, isso não significa que não tivesse condição para organizar suas reivindicações e caminhar com as próprias pernas, questionando não apenas o autoritarismo do poder central, mas da própria aristocracia da província
A Manutenção do Clima Revolucionário
A Confederação do Equador pode ser considerada como um desdobramento da Revolução de 1817, marcada pelo liberalismo radical e que fora reprimida por D. João VI. No entanto, apesar da violenta repressão, as idéias republicanas e autonomistas estavam fortemente arraigadas em parcelas significativas da sociedade pernambucana. Essas idéias haviam se desenvolvido ao longo do século XVIII, devido as influências do iluminismo europeu e principalmente á decadência da lavoura canavieira associada à política de opressão fiscal do governo do Marquês de Pombal, e se manifestaram principalmente na Revolução Pernambucana de 1817 e no Movimento Constitucionalista de 1821. Em outros momentos da história, as idéias liberais encontraram terreno para expansão, como durante a Revolução do Porto e nos primeiros momentos pós independência.
A Independência de Pernambuco
Em 1821 iniciou-se um novo movimento emancipacionista em Pernambuco, quando foi organizada a "Junta Constitucionalista", antecipando em 1 ano a independência. Nesse ano, era possível encontrar na região uma série de elementos ainda relacionados com a revolução de 1817; ainda subsistiam as condições objetivas da crise e os elementos subjetivos, iluministas, expressos na Revolução do Porto, em andamento em Portugal, que difundia idéias constitucionalistas e liberais, apesar de suas contradições . O governo de Pernambuco estava nas mãos de Luís do Rego Barreto, responsável pela repressão em 17, muitos líderes da Revolução se encontravam em liberdade. A "Junta Provisória" foi formada em outubro de 1821, na cidade de Goiana, organizada principalmente por proprietários rurais - organizados na maçonaria- e por parcelas das camadas urbanas de Recife. Na prática era um poder paralelo, na medida em que, com um discurso liberal, condenavam o governo de Luís do Rego e defendiam sua deposição. O movimento, de caráter político, transformou-se rapidamente em uma luta armada, que impôs a Convenção de Beberibe, determinando a expulsão do governador para Portugal e a eleição pelo povo, de uma nova junta de governo. O novo governo foi formado principalmente por ex-combatentes da revolução de 1817, predominando porém os elementos da camada mais rica da sociedade local. Uma das medidas mais importantes do novo governo foi a expulsão das tropas portuguesas do Recife, que na prática representou o rompimento definitivo da província de Pernambuco com Portugal.
A Reação Conservadora
O movimento pernambucano representava uma ameaça aberta tanto aos interesses portugueses de recolonização, expresso nas cortes de Lisboa, como principalmente à elite tradicional brasileira e a seu projeto moderado de independência política. O regionalismo e o sentido de autonomia que se manifestava na região nordeste contrariavam as intenções da aristocracia rural, organizada principalmente no Rio de Janeiro. Para essa elite, a independência deveria conservar as estruturas socioeconômicas e promover mudanças políticas apenas no sentido de romper com Portugal e garantir a soberania do Brasil, possibilitando dessa forma, que essas elites exercessem com maior liberdade, seus interesses econômicos. A manutenção da unidade territorial (ao contrário do que ocorria na América Espanhola) era a forma de garantir que os interesses predominantes no Rio de Janeiro fossem igualmente predominantes em todo o Brasil. A repressão ao movimento foi articulada por José Bonifácio, articulado com alguns fazendeiros de Pernambuco, que depôs a Junta em 17 de setembro de 1822. Um novo governo formou-se na província, do qual participava Francisco Paes Barreto e outros ricos proprietários, o que fez com que o governo ficasse popularmente conhecido como "Junta dos Matutos". Em 8 de dezembro de 1822 D. Pedro I foi reconhecido imperador em Recife e a elite pernambucana passou a participar da elaboração de uma constituição brasileira. A historiografia tradicional encara a "Formação do Estado Nacional" de forma elitizada, desprezando as guerras de independência que ocorreram em várias províncias do país. Enquanto movimentos antilusitanos se desenvolviam no nordeste, reunia-se no Rio de Janeiro uma Assembléia Constituinte, concentrando as atenções das elites, incluindo as de Pernambuco. As discussões políticas na Assembléia deixavam antever a organização das primeiras tendências que se desenvolveriam mais tarde no país. No entanto, naquele momento, a tendência predominante foi a centralizadora, vinculada principalmente aos interesses lusitanos e apoiada principalmente pelos portugueses residentes no Brasil, em sua maioria comerciantes, que pretendiam reverter o processo de independência. O fechamento da Constituinte foi o primeiro passo concreto para a realização desse objetivo, seguido da imposição da Constituição em 1824, autoritária e centralizadora, fazendo com que as elites provinciais vissem ruir qualquer possibilidade de autonomia.
A Confederação do Equador
Além dos elementos já analisados, na organização do movimento foi de grande importância o papel da imprensa, em especial dos jornais "A Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco", de Cipriano Barata e do "Tífis Pernambucano" de Frei Caneca. A eclosão do movimento está diretamente associada as demonstrações de autoritarismo do imperador na província de Pernambuco, nomeando Francisco Paes Barreto como presidente da província, em lugar de Pais de Andrade, apoiado pelo povo. As Câmaras Municipais de Recife e Olinda não aceitaram a substituição. Em 2 de Junho de 1824 foi proclamada a Confederação do Equador. O caráter separatista do movimento pretendia negar a centralização e o autoritarismo que marcavam a organização política do Brasil. A consolidação dessa situação dependia em grande parte da adesão das demais províncias do nordeste, que viviam situação semelhante tanto do ponto de vista político como econômico. Dessa maneira, as idéias republicanas e principalmente federalistas assimiladas dos EUA serviram como elemento de propaganda juntas às elites de cada província. O governo da Confederação deslocou homens para outras províncias a fim de obter a adesão de seus governantes. Foi convocada uma Assembléia Legislativa e Constituinte, cuja abertura estaria marcada para o dia 7 de agosto de 1824. Do ponto de vista político, pais de Andrade elaborou um projeto de Constituição, tendo como modelo a Constituição Colombiana, vista como a mais liberal na América Latina; do ponto de vista social, o projeto elaborado por Frei Caneca determinou a extinção do tráfico negreiro para o porto do Recife. Essa medida é considerada como a primeira e mais importante fissura do movimento, uma vez que atingia diretamente os interesses dos proprietários rurais. No entanto os trabalhos preparatórios da Assembléia Constituinte foram suspensos devido a ameaça das forças de repressão. O governo provisório encabeçado por Pais de Andrade procurou adquirir armas nos Estados Unidos, garantir a adesão das demais províncias e organizar milícias populares para fazer frente as tropas monárquicas de D. Pedro I Os presidentes das províncias do Ceará e do Rio Grande do Norte aderiram ao movimento e organizaram tropas para defende-lo. Na Paraíba, o apoio veio das forças contrárias ao presidente Filipe Néri, fiel ao imperador, que acabou deposto.
Confronto e Derrota

A organização de tropas para defender o Confederação permitiu a grande participação popular. Setores da camada popular já estavam organizados em "brigadas" desde 1821, compostas por mulatos, negros libertos e militares de baixa patente. Em 21, quando do movimento Constitucionalista, essas brigadas foram organizadas pelos líderes do movimento e acionadas em determinados situações, porém, sob o controle das elites locais. No entanto, em vários momentos na história das brigados houve insubordinação e radicalização, expressando não o sentimento nativista, mas a radicalização contra proprietários ou ainda a população branca. Em 1823 ocorreram ataques diretos aos portugueses, que ficaram conhecidos como "mata-marinheiro" e protestos raciais, marcados pelo exemplo haitiano. Esse processo de radicalização amedrontava as elites e por várias vezes foram responsáveis por seu recuo na luta contra o poder central. As divisões internas ao movimento, entre as elites haviam tendências diferenciadas, assim como o distanciamento destas em relação a massa popular contribuiu para a derrota do movimento. Por outro lado, havia a presença de tropas mercenárias contratadas pelo poder central, comandadas por Lord Cochrane que cercavam a província. Essa situação foi responsável pela política vacilante de Pais de Andrade, que não aceitou os termos de rendição propostos pelo mercenário, devido principalmente, a forte pressão que sofria das camadas baixas da população. Essa situação é reforçada quando, depois da tomada de Recife pelas tropas mercenárias, Pais de Andrade refugiou-se em um navio inglês, enquanto os elementos mais radicais resistiam em Olinda, liderados por Frei Caneca. A violenta repressão, financiada pelo capital inglês, foi responsável por debelar o movimento, prender seus principais líderes, que foram executados, dentre eles o próprio Frei Caneca.

A Guerra do Paraguai: Os Protagonistas

INTRODUÇÃO

Apesar de a grande maioria das pessoas já perceber que a Guerra do Paraguai não foi uma disputa de mocinhos e bandidos, pouca coisa foi escrita sobre esse importante acontecimento, que normalmente é estudado de forma superficial. Para compreendermos esse conflito, é necessário entender o conjunto de interesses envolvidos, superando o maniqueísmo que envolve a relação de Brasil e Paraguai e aprofundar o entendimento sobre o papel do imperialismo inglês.



"abordagem do encouraçado Barroso pelos paraguaios" de Edoardo De Martinho (Museu Histórico Nacional RJ)


O PARAGUAI tornou-se independente em 1811, no quadro de crise do Antigo Sistema Colonial espanhol, quando da dominação napoleônica na Península Ibérica. Assim como em outras regiões da América, a elite criolla liderou o movimento, porém permaneceu vinculada à antiga ordem, mantendo seus tradicionais privilégios. A necessidade de desvincular-se das pretensões de Buenos Aires contribuiu para o inicio da formação do Estado Nacional, que tornou-se mais efetiva a partir de 1814, com a ascensão de José Rodrigues de Francia.
Iniciava um governo centralizado, ditatorial. O poder concentrou-se nas mãos de El Supremo, ditador perpétuo do país. Francia iniciou uma transformação radical no país, uma vez que sua ditadura passou a apoiar-se nas camadas populares, com a eliminação da escravidão, a redução drástica do poder da Igreja Católica e com a criação das "Estâncias da Pátria", fazendas estatais, onde o trabalho era comunitário, sendo que a metade da produção ficava com o Estado; deu início ainda a organização do ensino, que em poucos anos acabaria com o nalfabetismo.
Apesar da precariedade da economia do novo país, há um processo de crescimento e lentamente Francia busca a modernização: a produção agrícola aumenta e forma-se uma base de sustentação interna fora do modelo britânico, já dominante na maioria da América.

Ao mesmo tempo formou-se uma grande oposição a seu governo fora do Paraguai: a antiga elite desterrada e as camadas dirigentes das nações vizinhas, particularmente a Argentina e o Brasil. O Paraguai tem, desde o início, grande dificuldade de exportar sua produção - os principais produtos eram o fumo e o erva mate - uma vez que depende do Rio da Prata, dominado pelos mercadores de Buenos Aires.
Em 1840 com a morte de Francia, assume o poder Carlos Antonio Lopez, apoiado em um discurso de "modernização" e "progresso", Lopez manteve a centralização política e aprofundou o isolamento do país frente ao capital internacional. Ferrovias e pequenas industrias foram criadas com a contratação de especialistas estrangeiros e a educação continuou a ser estimulada pelo governo. "Tudo o que o Paraguai consome, ele mesmo produz".
Porém essa autonomia é precária, apesar do desenvolvimento interno do país, a pobreza ainda é muito grande ( menor do que no período colonial) porém todos tinham trabalho e a alimentação básica. O enfraquecimento da Igreja em oposição ao fortalecimento do Estado; a organização de uma estrutura militar e a elevação do nível de vida, garantiam o apoio popular à ditadura. É importante lembrar ainda que a criminalidade havia praticamente desaparecido.
Nessa sociedade, 80% da população era "ïndia", que passava a desfrutar dos mesmos direitos civis que possuía a população branca.






Em 1862 Francisco Solano Lopez assume o lugar do pai e preserva a poítica ditatorial. Solano pretendia construir o "Grande Paraguai", porém a situação interna e externa se modificavam rapidamente e levariam o país à guerra.

O BRASIL, única monarquia na América e região que preservou a unidade territorial após a independência, vivenciou duas décadas de intensas lutas regionais ao mesmo tempo em que preservou as estruturas coloniais. O Primeiro Reinado e o Período Regencial foram marcados por grave crise, que começou a ser superada com o governo de D Pedro II, com o aumento das exportações e com a consolidação do Estado Nacional.
Apesar de adotar um modelo político monárquico centralizado, o Brasil era governado pelas elites agrário exportadoras, influenciada por uma pequena elite urbana vinculada a importação e exportação e associada ao capital inglês. A maior estabilidade política verificada após 1850, deveu-se ao maior equilíbrio entre as elites regionais, que por sua vez foi possível com o aumento das exportações, principalmente de café. No entanto, se as exportações aumentavam, o mesmo acontecia com as importações, determinando um crescente déficit nas finanças do Estado. A crise econômica aprofundava-se, em grande parte devido à submissão do país ao capitalismo inglês. A Maior parte da produção agrícola era exportada para a Inglaterra, assim como a maior parte de nossas importações provinha desse país. Os investimentos em infra estrutura eram feitos por banqueiros ingleses, que ao mesmo tempo controlavam bancos e as casas de importação e exportação e emprestavam dinheiro diretamente ao Estado. Mesmo durante a ruptura de relações diplomáticas entre os dois países, as relações comerciais foram mantidas.




A ARGENTINA foi um dos primeiros "países" a proclamar sua independência, em 1810, com a formação do cabildo de Buenos Aires; no entanto, desde esse período, as lutas internas foram intensas devido aos vários interesses regionais, destacando-se principalmente a disputa entre unitaristas e federalistas, possibilitando o desenvolvimento do caudilhismo. Mesmo a existência de uma Constituição e de governos centralizadores, como a ditadura de Rosas, não conseguiram, na [prática, forjar a unidade nacional, pois os interesses regionais chocavam-se entre si e principalmente com os interesses de Buenos Aires.
Essas divisões internas acabaram por facilitar a dominação econômica da inglesa. A Argentina possuia uma economia exportadora, tanto de produtos derivados da pecuária, como de generos agrícolas, e a elite da capital, ligada ao comércio, aumentou seus vínculos com o capital britânico. A visào em relação ao Paraguai era um dos poucos motivos que poderia unir os distintos interesses argentinos: Nos anos posteriores a independência, a Argentina pretendera a anexação do Paraguai, uma vez que faziam parte do mesmo território colonial - o Vice-Reino do Prata. Um raciocínio semelhante pode ser usado em relação ao Uruguai, pretendido pelos argentinos, que assim dominariam a Bacia do Prata.

O URUGUAI é normalmente tratado como um país que desenvolveu-se a partir de interesses externos. Sua localização geográfica tornava-o peça fundamental para todos que possuíam interesses no comércio platino.
Depois de anos sob domínio do Brasil, o Uruguai conquistou sua independência definitiva em 1828, com o apoio da Inglaterra, com o discurso de "preservar a liberdade de navegação na bacia do Prata" procurou não só a libertação frente ao domínio brasileiro, como preserva-lo face aos interesses argentinos. Desta forma o Uruguai passou a ser visto como um "Estado tampão", separando Brasil e Argentina e garantindo a livre navegação.
Apesar da independência, o território uruguaio continuou a ser cobiçado pelas "potências sul americanas": foi comum a invasão e ocupação de terras por pecuaristas gaúchos. Grande parte das atividades internas, rurais ou urbanas, desenvolveram-se a partir de empreendimentos do Barão de Mauá, se bem que, muito mais representando os interesses ingleses do que brasileiros.

A INGLATERRA é vista tradicionalmente como a grande responsável pela guerra entre o Brasil e o Paraguai. Uma das dificuldades da História é definir o peso que cabe a cada um dos interesses envolvidos, uma vez que a Inglaterra é a grande potência imperialista da época.
O século XIX foi caracterizado pela Segunda Revolução Industrial, pela expansão imperialista sobre a África e Ásia e pela "divisão internacional do trabalho", fruto do imperialismo de poucas nações. A Inglaterra continuou a ser a maior potência industrial, porém passou a ter concorrentes em relação ao desenvolvimento tecnológico, necessitando garantir cada vez mais o controle sobre suas colônias e áreas de influência.
Na América, os países recém independentes tinham um papel fundamental dentro dessa nova ordem capitalista, e nesse sentido, a economia paraguaia destacava-se, fugindo da órbita do imperialismo inglês.
Para a Inglaterra, a preservação de suas áreas de influência era vital para a preservação de sua posição hegemônica, e para isso, os mecanismos usados foram variados, porém sempre com caráter imperialista ( Guerra do Ópio, Guerra dos Cipaios...) quando a diplomacia e o poder econômico não funcionavam, a intervenção militar direta ou indireta era o caminho usado, justificada tanto pelos interesses econômicos como pelo discurso racista, de superioridade em relação a outros povos, como por exemplo os "índios" paraguaios.

A Guerra dos Fazendeiros

Farroupilha: A Revolução dos Fazendeiros
Por Mário Maestri (*) - setembro de 2005

A Guerra Farroupilha [1835-45] foi um entre os muitos movimentos liberais provinciais contra o centralismo do Império e, a seguir, as tímidas concessões regenciais. A crise que abalava o Brasil era alimentada pelas dificuldades da economia escravista. Movimentos como a Balaiada e a Cabanagem radicalizaram-se com a participação das classes subalternizadas, levando os liberais regionais a abandonarem a luta.
O movimento farrapo interpretou as reivindicações dos criadores do meridião do RS. Sua longevidade deveu-se também à capacidade dos seus chefes de manterem as classes infames na sujeição. A revolta não galvanizou todo o RS. Os comerciantes, a população urbana, os colonos alemães mantiveram-se neutros ou optaram pelo Império, pois o programa farroupilha opunha-se aos seus interesses. Charqueadores e comerciantes escravistas temiam que a separação comprometesse o tráfico negreiro.


Batalha de Farrapos. José Wasth Rodrigues, PMSP.

Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do litoral. Porto Alegre sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do Império o título de "Mui leal e valorosa". Em 1835, os farroupilhas dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas da fronteira.

Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas era formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral descendentes de nativos que haviam perdido as terras comunitárias para os criadores. Eles acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam nas lides campeiras. O gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e soldo. A política era monopólio dos proprietários.

Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um liberto, quando arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas tropas farroupilhas; preferiam a guerra à escravidão; criam na promessa da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam as tropas com cativos comprados.

Não houve democracia racial farroupilha. Negros e brancos marchavam, acampavam e morriam separados. Eram brancos os oficiais dos soldados negros. Em suas Memórias, Garibaldi lembrava: "[...] todos negros, exceto os oficiais [...]." Para a Constituição republicana eram cidadãos apenas os "homens livres".

A República apoiava-se no latifúndio e na escravatura. Os chefes farroupilhas jamais prometeram terras aos gaúchos e liberdade aos cativos, como Artigas. Eles dependiam dos cativos para explorar as fazendas. Terra e liberdade eram conquistas que deviam nascer das reivindicações das então frágeis classes sociais.

Não foi por democratismo que os farroupilhas exigiram do Império respeito à liberdade dos soldados negros. Eles receavam que se formasse guerrilha negra e que os ex-cativos se homiziassem no Uruguai. O Império não aceitava que negros gozassem da liberdade por combaterem a monarquia.

A solução encontrada foi o massacre do serro de Porongos, quando o general David Canabarro, chefe militar republicano, em conluio com o barão de Caxias, entregou os soldados negros aos inimigos, no mais vil fato de armas da história militar do Brasil. Carta do barão elucidou as razões da falsa surpresa militar.

Caxias ordenou ao coronel Francisco de Abreu que não temesse surpreender os rebeldes. A infantaria farrapa estaria desarmada, devido à "ordem de um ministro e do General-em-Chefe". Ele esperava que o "negócio secreto" levasse em "poucos dias ao fim da revolta" e solucionasse o caso dos soldados negros.

Caxias ordenava: "[...] poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente de gente branca da província ou índios, [...] esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro." Preparava já a intervenção no Prata, na qual os ex-farrapos marcharam com o Império, em defesa das suas fazendas no Uruguai.

Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas imperiais caíram sobre os 1.200 soldados farroupilhas. Cem combatentes foram mortos e 333 presos. Eram sobretudo negros.

A infâmia abriu as portas à rendição acertada em Ponche Verde. O Império pagaria as contas republicanas e manteria os postos dos oficiais. Os rebeldes aceitariam a anistia e entregariam os soldados negros restantes.

Em novembro de 1844, 220 lanceiros, aprisionados em Porongos e no Arroio Grande, foram remetidos ao Rio de Janeiro. Em início de 1845, 120 soldados negros foram entregues aos imperiais. Na Corte, em 1848, eles trabalhavam como cativos no Arsenal e na fazenda de Santa Cruz, como assinala Moacyr Flores em Negros na Revolução Farroupilha [Porto Alegre: EST, 2004]

Neste 20 de setembro, merece celebração sobretudo a vontade libertária dos milhares de cativos que aproveitaram o confronto senhorial para aquilombar-se e fugir sobretudo para o Uruguai, seguindo a sábia lembrança de que, se "deus é grande, o mato é maior!"

A Maçonaria no Brasil

INTRODUÇÃO

Desde a crise do Antigo Sistema Colonial, a maçonaria está presente em nossa história, destacando-se inicialmente, entre alguns revolucionários da Inconfidência Mineira e da Conjuração Baiana no final do século XVIII. Nesse período que antecede a Independência, a maçonaria assumiu uma posição avançada, representando um importante centro de atividade política, para difusão dos ideais do liberalismo anticolonialista.
Sua influência cresceu consideravelmente durante o processo de formação do Estado Brasileiro, onde apareceu como uma das mais importantes instituições de apoio à independência, permanecendo atuante ao longo de todo período monárquico no século XIX. Nesse processo, a história do Brasil Império é também a história da maçonaria, que vem atuando na política nacional desde os primeiros movimentos de independência, passando pelos irmãos Andradas no Primeiro Reinado, até as mais importantes lideranças do Segundo Império, no final do século XIX.

Monumento à Maçonaria na cidade de Sorocaba



O QUE É A MAÇONARIA ?

Trata-se de uma associação semi-secreta, difundida no mundo todo, que adota os princípios de fraternidade e da filantropia entre seus membros. A maçonaria discrimina as mulheres, sendo composta principalmente por profissionais liberais, que se iniciam através de rituais incluindo juramentos de fidelidade e uma série de simbolismos, onde a moral, a fraternidade e a retidão são representadas pelo livro sagrado, pelo compasso e pelo quadrado. No cotidiano os maçons se comunicam através de sinais secretos, senhas e cumprimentos especiais.
A maçonaria não é uma seita religiosa, embora o único obstáculo para aceitação de um novo membro seja o ateísmo, já que os maçons professam a crença em um ser supremo. Ela é supra-religiosa, pois são aceitos cristãos, judeus, muçulmanos, budistas e qualquer homem de fé.

HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS
Em meados do século XV na Inglaterra as lojas medievais de free masons ("pedreiros livres"), inicialmente reservadas somente a profissionais ligados a esse ofício (arquitetos e engenheiros), abriram-se para membros da nobreza, da burguesia e do clero. Durante os séculos XVI e XVII, crescia cada vez mais o número desses maçons aceitos que conservaram os ritos e os símbolos da maçonaria tradicional de pedreiros, arquitetos e engenheiros, apegando-se contudo às suas próprias interpretações no tocante a questões filosóficas, científicas e espirituais.
No início do século XVIII aparece a franco-maçonaria moderna, com orientação interna baseada no Livro das Constituições publicado em 1723 por James Anderson, que exerceu influência internacional no pensamento das sociedades modernas, difundindo-se principalmente, nos países anglo-saxônicos.
A hierarquia para iniciação maçônica possui três níveis (aprendiz, companheiro e mestre), que são desenvolvidos em lojas ou oficinas. Do quarto grau até o décimo quarto o maçom se desenvolve em lojas de perfeição, depois, do décimo quinto ao décimo oitavo, em capítulos, e do décimo nono ao trigésimo em areópagos. A partir do trigésimo grau até o trigésimo terceiro e último, a iniciação é realizada por conselhos que administram os quatro grupos precedentes.
A simbologia da maçonaria é composta por elementos de uma linguagem coerente e complexa. Apesar de não possuir definição político-partidária ou religiosa, a maçonaria sempre atuou no campo político-ideológico.
No Brasil, a maçonaria distanciou-se dos interesses populares, passando a representar a aristocracia rural, estendendo-se no máximo às classes médias emergentes.

A MAÇONARIA NO BRASIL

Apesar da maçonaria estar presente no Brasil desde a Inconfidência Mineira no final do século XVIII, a primeira loja maçônica brasileira surgiu filiada ao Grande Oriente da França, sendo instalada em 1801 no contexto da Conjuração Baiana. A partir de 1809 foram fundadas várias lojas no Rio de Janeiro e Pernambuco e em 1813 foi criado o primeiro Grande Oriente Brasileiro sob a direção de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva.
A lusofobia tão presente nos movimentos de emancipação, também caracterizava a maçonaria brasileira, que desde seus primórdios não aceitava se submeter ao Grande Oriente de Lisboa.
Como em toda América Latina, no Brasil a maçonaria também se constituiu num importante veículo de divulgação dos ideais de independência, sendo que em maio de 1822 se instalou no Rio de Janeiro o Grande Oriente Brasiliano ou Grande Oriente do Brasil, que nomeou José Bonifácio de Andrada e Silva o primeiro grão-mestre da maçonaria do país.
Com D. Pedro I no poder, o Grande Oriente do Brasil foi fechado, ressurgindo apenas com a abdicação do imperador em 1831, tendo novamente José Bonifácio como grão-mestre. Nesse mesmo ano ocorre a primeira cisão na maçonaria brasileira, quando o senador Vergueiro funda o Grande Oriente Brasileiro do Passeio, nome referente à rua do Passeio, no Rio de Janeiro.
A divisão enfraqueceu a maçonaria, que começou a perder influência no quadro político do Império brasileiro. Essa situação agravou-se em 1864, quando o papa Pio XI, através da bula Syllabus, proibiu qualquer ligação da Igreja com essa sociedade.
No contexto de crise do Império brasileiro, esse quadro tornou-se mais crítico em 1872, quando durante uma festa em comemoração à lei do Ventre-Livre, o padre Almeida Martins negou-se a abandonar a maçonaria, sendo suspenso de sua atividade religiosa pelo bispo do Rio de Janeiro. Essa punição tinha sido antecedida por um discurso feito pelo padre Almeida Martins na loja maçônica Grande Oriente, no qual o religioso exaltou a figura do visconde do Rio Branco, que, além de primeiro-ministro, era grão-mestre da maçonaria.
Neste processo, o bispo de Olinda, D. Vital e o de Belém, D. Macedo determinam o fechamento de todas irmandades que não quiseram excluir seus associados maçons. A reação do governo foi rápida e enérgica, quando em 1874, o primeiro-ministro, visconde do Rio Branco, determinou a prisão dos bispos seguida de condenação a quatro anos de reclusão com trabalhos forçados. Apesar da anistia concedida no ano seguinte pelo novo primeiro-ministro duque de Caxias, a ferida não foi cicatrizada e o Império decadente junto com a maçonaria que o sustentava, perdiam o apoio do clero e da população, constituindo-se num importante fator para queda do obsoleto regime monárquico e para separação do mesmo com a Igreja.


No período republicano a maçonaria conseguiu crescer e diversificar suas atividades pelo país, apesar de ter perdido o poder de influência no Estado brasileiro. Nesse final de século, a maçonaria permanece como uma associação, que apesar de defender os princípios de fraternidade e filantropia, exclui, mesmo que de forma não assumida, a participação das camadas sociais menos abastadas entre seus membros.

Abolição

Abolição, Um engodo nacional

Nada temos a comemorar nesse 13 de maio. O Dia da assinatura da Lei Áurea, bem como a maioria das nossas datas cívicas, foi introduzido pela elite branca, não celebrando em absoluto nenhuma conquista popular, nenhuma transformação social verdadeira. Serve, principalmente, para a elite branca lembrar- se desse seu ato de "magnanimidade", limpando- se de qualquer responsabilidade direta ou indireta pela situação social dos negros no passado e no presente.
Além de inferiorizá- los, colocando uma mulher branca como sua "redentora" (como se a liberdade não fosse um direito inato a todos os homens), ainda quer incutir nos negros um certo sentimento de gratidão eterna. De "áurea" essa lei não teve nada.
Foi com Zumbi dos Palmares que os negros verdadeiramente conquistaram a liberdade, e não a receberam como esmola de uma Princesa branca. Palmares é o verdadeiro símbolo de liberdade e mudança social. Foi onde os negros tornaram- se senhores de seus destinos e recuperaram a dignidade humana. Mas dentro desse nosso país de preconceito velado, colocar com "negro fujão" como um dos nossos heróis nacionais parece algo impossível, infelizmente....
A escravidão é uma aberração quase tão antiga quanto foram as guerras. De maneira geral, os escravos eram os derrotados nas guerras ou os muito pobres que se vendiam, por contrato, para servir a seus amos por períodos de tempo variáveis. Muitos dos nossos ancestrais europeus , "caucasianos", já devem ter sido escravos e servos. A escravidão era o resultado imediato de um esforço de guerra ou da miséria absoluta, jamais antes havia sido um esforço empresarial de tal porte que transplantou mais de 5 milhões de pessoas de um continente para outro.
Reis, rainhas, príncipes, princesas, os mais bonitos, os mais fortes e mais saudáveis foram arrancados de suas comunidades na África, postos em barcos imundos e trazidos para o Brasil, somente para servir de engrenagem, de combustível, não a um esforço colonizador, mas o que é pior, a um esforço meramente mercantil, que visava somente o lucro e nada mais. A cor da pele justificava esse ato, até mesmo para a Igreja.
Aqui chegando, os que sobreviviam a travessia eram logo separados do seu grupo lingüístico e cultural africano e misturados com outros de tribos diversas para que não se comunicassem, não se reestruturassem dentro da colônia canavieira. Para terem um veículo comum de comunicação foram aprendendo o português dos capatazes e o Brasil, que até então falava português nas rodas da elite e um tupy-português na massa do povo, começou a falar uma única língua. Por ironia, os escravos acabaram "aportuguesando" o falar da massa popular no Brasil, acabaram dando uma língua nacional, uma língua materna e única a todos os brasileiros, pobres e ricos: a língua portuguesa como veículo de comunicação único e nacional.
A crueldade desse sistema inumano culmina no final do século passado. Quando a miséria assola a Europa e nossos antepassados europeus se tornam uma mão de obra mais barata para a elite empresarial nacional do que a manutenção dos escravos. Nesse momento, o único valor que o negro tinha, que era sua força de trabalho, desapareceu e essa mesma elite que havia destruído suas identidades e violentado suas dignidades, precisava agora livrar- se deles.

A Lei Áurea cumpriu esse papel

Os negros já não tinham qualquer vínculo mais forte com a África de seus avós, eram brasileiros, nascidos aqui, criados e treinados para servir de força de trabalho e nada mais. A Lei da Princesa Isabel, a "Redentora", simplesmente retirou dos senhores de escravo qualquer eventual obrigação que tinham para com esse povo. Não veio revestida de nenhum projeto de reintegração desses ex-escravos à malha econômica, nenhum apoio para que pudessem reestruturar suas famílias já na condição de homens livres e cidadãos plenos nesse país. Ficaram ao deus-dará. Foi uma cruel irresponsabilidade... Resultado: expulsos das fazendas e após vagarem pelas estradas foram acabando na periferia das cidades, criando nossas primeiras favelas e vivendo de pequenos e esporádicos trabalhos, normalmente braçais.
Esse ato foi tão funesto, tão avassalador e de envergadura tão ampla que a maioria dos descendentes desses ex-escravos, mais de um século depois, ainda vive em condição muito semelhante: nas periferias, de trabalhos esporádicos e lutando para serem contextualizados com justiça, dignidade e respeito no nosso tecido social.
A escravidão e sua abolição, feita muito mais para os brancos que para os negros em si, formam duas das maiores máculas e injustiças que esse país já foi autor. Nossa dívida, enquanto nação, para com esse povo africano, que se abrasileirou e formou o Brasil é imensurável. Eles, que aqui vieram para ser o combustível consumível e descartável dos engenhos e fazendas, tornaram- se o cimento forte sobre o qual se sustenta o que hoje tão orgulhosamente chamamos de cultura brasileira. Entre a Princesa Isabel e Zumbi dos Palmares, eu sou muito mais Zumbi. E você?

Antecedentes da Revolução Farroupilha

Difícil relacionamento com o Centro

Através da criação de gado e da produção de charque, o Rio Grande do Sul integrou-se à economia central de exportação de forma subsidiária, como abastecedor do mercado intemo. Com isso, o Rio Grande passava a possuir uma riqueza econômica, deixando de ser considedado apenas como ponto estratégico da defesa do contrabando no Prata.

Na verdade, estes foram processos que ocorreram interligados ao longo do século XVIII: de um lado, a apropriaçào econômica da terra, por parte de particulares, mediante o saque e a violência contra os espanhóis; de outro, a preocupação oficial lusa com o comércio platino, implicando disputas e controvérsias em torno da posse de Sacramento e das Missões.
Em face do permanente estado de alerta, mais contavam para a defesa da terra as forças irregulares da campanha gaúcha - os estancieiros com seus homens - do que propriamente as tropas de linha, sediadas em Sacramento ou em Rio Grande, reduto militar fundado pela Coroa em 1737.

Além dos sucessivos incidentes de tomada e retomada da Colônia do Sacramento pelos portugueses, o Rio Grande do Sul sofreu três invasões castelhanas em seu território, além de ser palco da chamada "Guerra Guaranítica", que envolveu tropas luso-castelhanas em um combate com os índios missioneiros, tentando obrigá-los a abandonar as reduçòes em obediência às disposições do Tratado de Madri. Assinado em 1750 entre as duas nações ibéricas, este tratado estabeiecia que as Missões passariam para o domínio português, ficando Sacramento com a Coroa espanhola, não chegando contudo a se efetivar a troca. Dentro deste contexto de verdadeiro acampamento militar a que ficara reduzido o Rio Grande, estabeleceu-se um modus vivendi entre a Coroa e os senhores locais. Além da terra que lhes era concedida, os estancieiros passaram a ocupar cargos de chefes e guardas da fronteira. Este poder dos senhores de terras, exer- cido na maior parte das vezes em defesa de seus interesses privados, entrava seguidamente em choque com a autoridade dos comandantes militares que representavam os interesses da Coroa no Rio Grande.

Se, por um lado, a economia gaúcha antes do fim do século não atingira ainda um grau de estabilidade e rendimento que desse respaldo ao poder dos senhores locais, por outro lado, a importância militar do estancieiro-soldado com suas tropas fez com que a Coroa permitisse uma certa autonomia do poder local em relação à administração lusa.
Desta forma, a apropriaçào econômica da terra foi acompanhando a apropriação militar: em cada nova àrea conquistada aos espanhóis, eram distribuídas sesmarias para a criação de gado. No final do século XVIII, o enriquecimento proporcionado pelo charque contribuiu para agravar os pontos de atrito existentes entre a camada senhorial local e os representantes da Coroa. Clãs familiares enriquecidos passaram a pressionar o govemo no sentido de obter cada vez mais poder e autoridade, usufruindo dos cargos em proveito da consolidação da sua riqueza.
Um exemplo dessa interferência foi a política de redistribuição de terras iniciada a partir de 1780, quando começou o processo de expropriação dos antigos proprietários, como os colonos açorianos ou mesmo detentores de sesmarias da primeira fase de expansão da fronteira, em funçào da nova elite enriquecida. Conforme depoimento da época, ocorreu uma verdadeira "febre" na corrida pelas sesmarias, registrando-se muitos abusos. Referia-se, em 1808, Manoel Antomio de Magalhães, no seu Almanack da Vila de Porto Alegre, à apropriação de terras no Rio Grande do Sul:

"Um homem que tinha a proteçào tirava uma sesmaria em seu nome, outra em nome do filho mais velho, outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço, e deste modo há casa de quatro e mais sesmarias: este pemicioso abuso parece se deveria evitar."

Na verdade, os agentes da Coroa no Rio Grande do Sul não eram os representantes dos fazendeiros nem os defensores dos seus interesses, mas o poder colonial, por razões niilitares, era obrigado a ceder às ambições dos chefes locais, dando-lhes terras, fazendo "vista grossa" aos abusos de poder que se registravam".
Paralelamente ao florescimento das charqueadas gaúchas, surgiram estabelecinientos similares no Prata - os saladeros - que passarani a disputar com o produto rio-grandense o abastecimento do mercado intemo brasileiro, além de controlarem o fornecimento para Cuba.

No final do século XVIII, o charque tomou-se o primeiro produto de exportação do Vice-Reinado do Prata e a base de sua economia, reorientando a criação de gado para fins niercantis.
As necessidades da economia pecuária e a defesa de sua produção foram levadas em conta pelas autoridades do Vice-Reinado, assim como as da própria Coroa espanhola. Desde 1778 vigorava o regime de livre comércio, o que permitiu aos saladeiristas, fazendeiros e comerciantes mantereni uma atividade de exportação em crescimento.
No mesmo intuito de beneficiar o setor de ponta da econoniia platina, foi concedida a isenção de direitos de importaçào sobre o sal de Cádiz (insumo fundamental para a produção do charque) e, pelas Reais Ordens de 10.4.1793 e 20.12.1892, estabeleceu-se a isenção dos direitos de exportação sobre as cames salgadas. Tais incentivos, concedidos pelas autoridades, acarretavam um menor custo de produção para os saladeiros platinos, permitindo que eles colocassem sua produção a um mais baixo preço nos mercados brasileiros.

O charque rio-grandense, no caso, nào era objeto de iguais medidas protecionistas ou de especial atenção das autoridades, uma vez que se tratava de uma economia subsidiária da economia central de exportaçào.

Entretanto, essas melhores condições de desenvolvimento do charque platino, sob amparo govemamental, foram anuladas, em face das perturbações políticas ocorridas na regiào no início do século XIX. De 1810 a 1820, o Prata esteve envolvido em guerras de independência, que determinaram a crise dos saladeros locais. Essas perturbações políticas na àrea, que iniciaram com a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata em 1810, sob a hegemonia de Buenos Aires, prosseguiram em disputas internas entre as forças da chamada Banda Oriental (hoje República do Uruguai) contra a supremacia argentina e culminaram com as invasões das tropas de D. João no Prata. Em 1820, a Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina, o que terminou por desorganizar totalmente a produção saladeiril da região. O gado uruguaio foi então orientado para as charqueadas rio-grandenses, seus peões incorporados ao exército brasileiro e vàrios fazendeiros e militares sulinos estabeleceram-se com estâncias em território oriental.

Face, pois, a perturbações políticas ocorridas na região, o Rio Grande do Sul pôde suplantar seu concorrente no abastecimento de charque no mercado interno brasileiro.
O fortalecimento econômico dos pecuaristas rio grandenses tendeu a se expressar também no plano político-administrativo. Nos momentos finais do domínio colonial português no Brasil, começaram, assim, a surgir áreas de atrito cada vez maiores entre os representantes da Coroa na região e a camada senhorial sulina, enriquecida pela pecuária em ascensão.

CIPRIANO BARATA

Cipriano José Barata Identificado com a ala mais radical da deputação da assembléia, Cipriano, figura exótica de um nativismo exaltado, estivera presente na conjuração de 1798 na Bahia, aderira ao movimento de 1817 em Pernambuco e participara das cortes de Lisboa em 1821, como deputado brasileiro. Iniciou, em Recife, vindo da corte e impossibilitado de atingir a Bahia, dominada pelas tropas do General Madeira, a sua obra jornalística em 9 de abril de 1823. Nela denunciava as intenções de D. Pedro, a ameaça de recolonização e o perigo que pairava constantemente sobre a assembléia.
Eleito deputado pela Bahia, negou-se a participar da constituinte, por vê-la "cercada de mais de sete mil baionetas, tropas formadas de grande número de nossos inimigos portugueses", não podendo "discutir uma constituição liberal, e sustentar os sagrados direitos dos meus constituintes entre os estrondos de artilharia, e com espadas na garganta". Afirmava isto em 7 de novembro de 1823, ou seja, antevendo, alguns dias antes, o violento fechamento da assembléia pelas tropas de D. Pedro I.
Apesar de suas idéias estarem mais radicalizadas do que as dos dirigentes políticos pernambucanos, Cipriano manifestava o sentimento geral da província. Esta recusou-se a sancionar o que foi considerado como um verdadeiro golpe de Estado, dizendo da "desconfiança não pequena em que se acham todos os habitantes desta província pelo extraordinário acontecimento que teve lugar nesta Corte, em o dia 12 de novembro do referido ano; receando, com grande inquietação, o restabelecimento do antigo e sempre detestável despotismo , a que estão dispostos a resistir corajosamente".
Apelidado de "o homem de todas as revoluções", por seu grande ativismo político, Cipriano foi preso, por ordem imperial, em 17 de novembro de 1823. Sua prisão valeu a seu realizador, Francisco Pais Barreto, o título de Barão do Recife. Ficando preso até 1830, viu-se impossibilitado de participar do movimento que, através de sua ação jornalística, ajudou a preparar.

Debret - Um artista a serviço da corte portuguesa no Brasil

JEAN BAPTISTE DEBRET: UM ARTISTA À SERVIÇO DA CORTE PORTUGUESA NO BRASIL

A primeira metade do século XIX nos permite relembrar, e com muita satisfação, da presença de grandes artistas franceses no Brasil. Tal circunstância deveu-se à intenção da própria Coroa portuguesa em trazer cultura para o país, na ocasião, recém ocupado pela nobreza há apenas 08 anos. Destacaremos, dentre os habilidosos "artistas-viajantes": Jean Baptiste Debret, que segundo a autora Valéria Lima, fora o mais requisitado e competente, naquilo que pretendia revelar por meio da arte.
O que pretendemos mostrar neste humilde artigo é o interesse, por parte dos expectadores, quanto à "realidade" inserida nas obras de Debret quando da sua "missão artística" aqui no Brasil. O artista francês foi "convocado" pelo Príncipe Regente de Portugal, D. João VI - em 1816 a retratar todos os momentos ilustres da monarquia.
A autora nos revela que Debret, em sua interessante obra: "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", permite demonstrar importantes traços de sua própria identidade e personalidade, distanciando-se um pouco daquela idéia de apresentar "imagens fiéis" da escravidão negra no Brasil, e também sobre os "exóticos" momentos da monarquia lusa, instalada no Rio de Janeiro a partir de 1808. Debret sem dúvida, foi mais do que um pintor oficial da nobreza, também atuou com muita competência na fundação da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro, contribuindo como professor, cumprindo desta forma, outro desejo do Príncipe D. João VI.

Valeria nos lembra bem que neste período o Brasil encontrava-se em processo de formação de sua própria história, inclusive como nação "independente".

UM POUCO DA ORIGEM ARTÍSTICA DE DEBRET

Jean Baptiste Debret, nasceu no ano de 1768, em Paris, França. Recebeu grande influência artística de seu primo Jacques-Louis David, um virtuoso pintor portador de um profundo rigor clássico. Debret sempre freqüentou ateliês na França, seu pai era funcionário público e possuía verdadeiro interesse em história natural, elaborando pesquisas sobre o assunto. Referida influência também contribuiu bastante para trajetória artística de Debret, sendo utilizada inclusive no Brasil.
A formação cultural de Debret se desenvolveu em meio a conturbados momentos políticos da França revolucionária. O artista passou a fazer parte do grupo de pintores responsáveis pelas imagens de atos históricos e heróicos de Napoleão Bonaparte. As academias francesas de arte até este momento, preocupavam-se com o resgate da historia antiga, trazendo, desta forma, a intenção de elevar a moralidade social da época. Com a "intervenção" de Bonaparte, o cenário é alterado, pois os pintores agora teriam de se preocupar em revelar, com praticamente nenhuma liberdade, assuntos pertinentes à história contemporânea, da qual o próprio Imperador era protagonista.

O AMBIENTE QUE ANTECEDEU A VINDA DE DEBRET PARA O BRASIL

É interessante notarmos que o cenário que antecedeu a vinda do pintor francês a terras brasileiras estava um tanto quanto conturbado. Não podemos esquecer que Napoleão praticamente expulsou a Coroa portuguesa, que na ocasião, fugira para o Brasil. Em 1808 D. João e mais 15 mil pessoas que acompanhavam a Corte, desembarcaram no Rio de Janeiro. Neste mesmo período, os portugueses estavam de relações políticas e sociais, completamente cortadas com os franceses. Diante desta dimensão, talvez seja oportuno perguntarmos, qual seria o objetivo, por parte dos portugueses, em trazer artistas franceses para prestar serviços à monarquia no Brasil. Podemos, no entanto, destacar alguns fatores correspondentes à questão: Segundo a autora, o próprio Debret, como mencionamos anteriormente, fez parte dos pintores "oficiais" designado a retratar momentos gloriosos de Napoleão Bonaparte. Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a cultura italiana que, por muitos séculos, formou grandes artistas como Michelangelo, Leonardo Davinci, dentre tantos outros. A Itália dominou, de forma soberana, o cenário artístico até meados do século XVII. A partir do final deste mesmo século e inicio do XVIII a França passou a revelar grandes talentos do mundo da arte, isto graças ao sensível avanço dos ensinos acadêmicos, reunindo desta forma, condições para competir e até superar a qualidade artística italiana. O próprio Debret estudou arte num ateliê na famosa Itália. Outro fator contribuinte que apóia a decisão dos lusos em trazer artistas franceses está ligado à atuação dos "agentes" portugueses. O agente português, Conde de Baça esteve em Paris momentos antes dos artistas franceses embarcarem para o Brasil. Com a eliminação definitiva de Napoleão em 1815 a diplomacia entre Portugal e França voltou a apresentar cordialidade entre os países.
Valéria Lima menciona que o Brasil desta época, encontrava-se em plena formação e precisava de cultura, precisava de pessoas com capacidade de ensinar arte. Este também foi um dos principais motivos da convocação dos artistas ao Brasil. A dimensão de Debret não era diferente, pos fora convocado para atuar junto à Corte portuguesa e que também acabou desempenhando importante papel na Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro, como professor.

DEBRET: O ARTISTA OFICIAL DA CORTE, DA ACADEMIA ...

Valeria Lima menciona ainda um importante acontecimento quando da chegada de Debret ao Brasil, em 1816. Visto que tal feito coincidiu com a morte da então Rainha de Portugal, D. Maria I. O pintor francês estava incumbido, a partir de então, de retratar o funeral da Rainha e, evidentemente, a aclamação do novo monarca da Corte, inclusive o referido funeral. Paralelamente aos trabalhos de pintor e cenógrafo da monarquia, Debret exercia funções como membro fundador e pintor de história da Academia Imperial, conseguindo reunir condições no sentido de "produzir" novos artistas para o país.

"Queria oferecer aos estrangeiros um panorama que extrapolasse a visão de um país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Acreditava que o Brasil merecia estar entre as nações mais civilizadas da época e que a elaboração de uma obra histórica a seu respeito seria uma contribuição valiosa para que esta justiça se cumprisse." Pág. 27

Com o grande projeto Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Debret revela sua profunda relação pessoal e emocional, adquirida em sua permanência no Brasil por 15 anos. Em 1831 o pintor solicitou licença ao Conselho da Regência para retornar à França, alegando problemas de saúde. Dois motivos o levaram a tomar tal atitude: primeiro para juntar-se a sua família e segundo, tão importante para o artista quanto o primeiro, era organizar o primeiro volume de sua obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.

A Corte portuguesa aceitou tal solicitação, no entanto, condicionou-a a um retorno do artista para o "novo mundo", fato que não ocorreu, Debret deixou o Brasil em 1831 para nunca mais voltar. Mas, de acordo com a autora, o artista francês jamais deixou se desvencilhar das terras brasileiras, estando profundamente envolvido por meio de sua obra, até o fim de seus dias ocorrido em 1848.

O BRASIL "PINTADO" POR DEBRET

Por meio de sua obra Viagem ..., Debret procurou demonstrar, com minuciosos detalhes e cuidados, a "formação" do Brasil, especialmente no sentido cultural do povo e nação. Os 3 volumes foram publicados em 1834, 1835 e 1839. De acordo com a autora, Debret enfatiza os principais destaques de sua obra:

"Ao longo de suas páginas, Debret enfatiza o que considera os diferentes momentos da marcha da civilização no Brasil: os indígenas e suas relações com o homem branco, as atividades econômicas e a presença marcante da mão de obra escrava e, por fim, as instituições políticas e religiosas." Pág. 29

Debret procurou resgatar particularidades do país e do povo. Utilizou o termo "pitoresco" com a ideologia de precisão, habilidade, talento, e qualidade artística em representar e "preservar" o passado daquele povo. Segundo a autora, para Debret, esta obra favoreceria no sentido de demonstrar para Europa um Brasil que merecia ocupar o mesmo lugar dos grandes e civilizados países. Vejamos outra citação da autora a respeito do termo "pitoresco" utilizado por Debret:

" ...traduzia, igualmente, nas primeiras décadas do século XIX, a opção por privilegiar, no "retrato" dos povos, aspectos que não estivessem limitados às questões políticas, mas que dessem testemunho da religião, da cultura e dos costumes dos homens." Pág.36

Debret preocupou-se muito com os textos que acompanhavam suas imagens, demonstrando certa fidelidade ao sentido literário. Tal postura não era comum em outros "artistas - viajantes". Muitos pintores não se preocupavam demasiadamente com o sentido dos textos comparando-os com as ilustrações contidas em seus trabalhos.
Esse desejo, por parte do pintor em resgatar costumes e acontecimentos do passado brasileiro evidencia a importância de sua estada ao Brasil durante esses 15 anos. Muitos acreditam em não haver nenhum tipo de contribuição por parte do artista para história do Brasil.

Valeria Lima diz:

" - não podemos considerar os volumes de Debret como retratos fiéis do Brasil oitocentista, mas como um grande exemplar de pintura histórica." Pág. 8


SEÇÃO DE FIGURAS


CONCLUSÃO

O próprio Debret certamente não imaginava que sua viagem ao "novo mundo" o tornaria reconhecido como o principal retratista do Brasil Imperial, considerando, portanto, alguns cuidados, bem cogitado pela autora.
Em tempo, não há duvidas de que a passagem de Debret pelo Brasil criou um positivo impacto desde suas brilhantes participações na Academia de Artes, e em seu extraordinário desempenho ao participar como pintor e cenógrafo oficial da monarquia brasileira. O talento sempre acompanhou o artista que cumprira sua missão, alcançando resultados, muita vezes, alem da expectativa. Não é de se admirar que muitos estudiosos, em nossos dias, estão trabalhando em pesquisas sobre este magnífico e abrangente artista francês.

FREI CANECA

Frei Caneca - Carmelita de origem humilde (vivia, quando garoto, da venda de canecas nas ruas de Recife, daí seu nome), Frei Caneca foi educado no Seminário de Olinda, centro de difusão de idéias liberais, e logo se revelou como um dos mais combativos liberais radicais. Participante da revolução de 1817, seu grande papel de ideólogo e revolucionário mostrou-se, no entanto, na preparação e no próprio movimento de 1824. Neste movimento teve importância como jornalista político, em seu famoso "Tífis Pernambucano", como secretário do Governo Revolucionário e principalmente como líder popular - capitão das guerrilhas, depois das quais seria preso e condenado à morte.
Em seu jornal, cujo primeiro número datava de 25 de dezembro de 1823, conclamava os pernambucanos à revolta, denunciando as manobras do poder central e o despotismo que se avizinhava.
Elaborada em 1824 a carta outorgada, recusaram-se as Câmaras de Olinda e Recife a lhe prestar juramento. Entre os votos contrários à aceitação da Carta, encontrava-se o de Frei Caneca, e em sua análise crítica revelava nitidamente suas posições políticas. Negava-se a admitir a Constituição por considerá-la "iliberal e contrária à liberdade, independência e direitos do Brasil" e apresentada por quem não tinha direito de fazê-lo, na medida em que, para ele, toda constituição devia exprimir um pacto social entre governadores e governados. Enfatizava, além disto, as ameaças à independência política do Brasil - a constituição não a assegurava de forma incisivas e a recolonização pairava.
Quanto à organização do Estado, criticava a concentração de poderes no executivo, chamando o Poder Moderador de "a chave mestra da opressão da Nação Brasileira" e condenando a primazia do senado e do executivo sobre a Câmara dos Deputados. Ponto nodal de sua análise, ou pelo menos de interesse imediato para o movimento que vinha se preparando, foi o que se refere à autonomia das províncias, violada na medida em que a carta estabelecia uma articulação muito grande entre elas e o poder central. Estabelecia-se "a desligação das províncias entre si, e fazê-las todas dependentes do governo executivo e reduzir a mesma nação a diversas hordas de povos desligados e independentes entre si, para melhor poder, em última análise, estabelecer-se o despotismo asiático". Além disto, diminuindo o poder dos conselhos provinciais, reduzia-os a "meros fantasmas para iludir os povos, porque devendo levar suas decisões à assembléia geral e ao executivo conjuntamente, isto nenhum bem pode produzir às províncias, pois o arranjo, atribuições e manejo da assembléia geral faz tudo depender, em último resultado, da vontade e do arbítrio do imperador".
Quando Recife, em março de 1824, se encontrava bloqueada por navios de guerra comandados por John Taylor, como um ultimato aos pernambucanos para aceitação das medidas intervencionistas de D. Pedro na presidência da província, Caneca denunciava: "S. M. está tão persuadido, que a única atribuição que tem sobre os povos, é esta do poder da força, a que chamam outros a última razão do Estado, que nos manda jurar o projeto com um bloqueio à vista, fazendo-nos todas as hostilidades ."

José Bonifácio

"Nunca fui nem serei realista puro, mas nem por isso me alistarei jamais debaixo das esfarrapadas bandeiras da suja e caótica Democracia."

José Bonifácio


Mais conhecido na história do Brasil como o "Patriarca da Independência", quem foi José Bonifácio de Andrada e Silva, que tanto influenciou D. Pedro I, em sua Regência ? Que poder tinha esse homem para ser nomeado tutor dos filhos de D. Pedro I, mesmo após ter iniciado um amplo movimento de oposição ao imperador ?
Brasileiro de família abastada, nascido em 1763 na cidade de Santos, José Bonifácio estudou Ciências Naturais e Direito em Coimbra, adquirindo considerável reputação como professor universitário. Após percorrer por dez anos várias regiões da Europa, retornou para Portugal e em 1800 recebeu o título de doutor em filosofia, destacando-se também como geólogo e metalurgista, quando fundou a primeira cátedra de metalurgia lusitana. Tornando-se intendente-geral das minas de Portugal, ganhou cargos de relevância, passando a chefiar a polícia do Porto, após a expulsão dos franceses que haviam invadido Portugal em 1807 durante a expansão napoleônica.


José Bonifácio: Discurso liberal e prática conservadora



Presente em nossa história desde o início movimento de independência, José Bonifácio foi presidente da junta governativa de São Paulo (1821) e posteriormente assessor e ministro de D. Pedro, juntamente com seu irmão Martim Francisco. Tornou-se o principal organizador da Independência do Brasil com atuação destacada no processo constitucional. Seu liberalismo porém, limitava-se ao discurso ou a alguma literatura que produziu sobre a necessidade de abolição gradual da escravidão. Na prática foi um assumido defensor dos escravocratas.
Nas eleições para Constituinte, José Bonifácio conseguiu fazer três dos seis representantes paulistas, colocando na liderança do grupo seu outro irmão Antonio Carlos. Atenuou as divergências políticas e ideológicas entre o imperador e a Assembléia Constituinte, onde representava a corrente mais conservadora defendendo um Estado extremamente centralizado e a limitação do direito de voto, em oposição aos liberais radicais, que exigiam uma constituição liberal, a limitação dos poderes de D. Pedro e a maior autonomia das províncias.

D. Pedro I: dissolveu a Constituinte e outorgou a primeira Constituição da nossa história


Nesse contexto, a união dos Andradas com o imperador foi de curta duração. O autoritarismo de José Bonifácio gerou severas críticas por parte da oposição e a perda de seu prestígio frente ao imperador. Em junho de 1823 José Bonifácio foi frontalmente contrariado pelo monarca que assinou um decreto anistiando revoltosos inimigos dos Andradas. No mês seguinte José Bonifácio e Martim Francisco demitiam-se, enquanto Antonio Carlos se destacava como principal articulador do projeto constitucional na Assembléia Constituinte, mais tarde dissolvida pelo imperador.
Na oposição os Andradas passaram a combater tenazmente o governo de D. Pedro não somente na Assembléia, mas sobretudo no Tamoio, jornal que fundaram em agosto de 1823 e cujo título, nome de uma tribo famosa pela aversão que tinha aos portugueses, mostra claramente sua orientação. O Tamoio era muito bem redigido, mas os princípios democráticos em seus editoriais, contrastava-se com o autoritarismo que marcou os Andradas na época em que eram ministros. Um outro jornal de oposição, o Sentinela da Liberdade à beira do mar da Praia Grande, auxiliava o Tamoio em suas investidas contra o imperador.

Nesta gravura de Debret vê-se o local (atual praça Tiradentes no Rio de Janeiro) onde foi aclamada a Constituição Provisória.


Com a dissolução da Constituinte, José Bonifácio, seus irmãos e alguns partidários, foram deportados para Europa. Publicando um caderno de poesias sob o pseudônimo arcádico de Américo Elísio, José Bonifácio foi considerado o mais notório brasileiro de seu tempo.
De volta ao Brasil, foi residir na ilha de Paquetá, reaproximando-se de D. Pedro I que após abdicar ao trono, indicou-o como tutor de seu filho (futuro D. Pedro II). Suspeito de participar da conspiração que pretendia restaurar D. Pedro I, foi acusado de crime político e preso em 1833, sendo julgado e absolvido por unanimidade. Em seus últimos dias de vida mudou-se para cidade de Niterói, onde faleceu em 1838.
Legítimo representante das elites rurais José Bonifácio foi um político conservador que odiava a democracia e não hesitava em lançar tropas contra as massas. Suas propostas de caráter mais progressista, como a abolição gradual da escravidão e a distribuição de terras inutilizadas para lavradores pobres, são circunstanciais, refletindo a inevitável influência dos princípios iluministas naquela época.
Se procurarmos entender o que de fato representou o estadista José Bonifácio na realidade histórica marcada pelo processo de formação do Estado Brasileiro, encontraremos um personagem extremamente conservador e até reacionário, já que quase tudo nele, girava em torno dos interesses da aristocracia rural escravista, a classe social que José Bonifácio efetivamente representou ao longo de sua vida política.

Mauá e o início da Modernização no Brasil

INTRODUÇÃO

Em meados do século XIX, enquanto os países capitalistas desenvolvidos viviam o contexto da Segunda Revolução Industrial, o Brasil apresentava alguns avanços sócio-econômicos, responsáveis pela transição da monarquia para república. O processo abolicionista e o crescimento de atividades urbanas, tornavam o regime monárquico cada vez mais obsoleto.
O café, base de nossa economia, ao mesmo tempo em que preservava aspectos do passado colonial (latifúndio, monocultura e escravismo), tornava nossa realidade mais dinâmica, estimulando a construção de ferrovias e portos, além de criar condições favoráveis para o crescimento outros empreendimentos como bancos, atividades ligadas ao comércio interno e uma série de iniciativas empresariais. A aprovação da tarifa Alves Branco, que majorou as taxas alfandegárias, e da lei Eusébio de Queirós, que em 1850 aboliu o tráfico negreiro liberando capitais para outras atividades, estimularam ainda mais os negócios urbanos no Brasil, que já contava com 62 empresas industriais, 14 bancos, 8 estradas de ferro, 3 caixas econômicas, além de companhias de navegação a vapor, seguros, gás e transporte urbano. Nesse verdadeiro surto de desenvolvimento, destaca-se a figura de Irineu Evangelista de Souza, o Barão e Visconde de Mauá, principal representante do incipiente empresariado brasileiro, que atuou nos mais diversos setores da economia urbana.


O EMPRESÁRIO MAUÁ

Nascido em Arroio Grande (Rio Grande do Sul) em 1813, pobre e órfão de pai, Mauá viajou com um tio para o Rio de Janeiro, onde conseguiu seu primeiro emprego como caixeiro de um estabelecimento comercial. Suas iniciativas começam a se destacar nos anos 40, após a volta de uma viagem à Inglaterra, o país masi industrializado do mundo. Já em 1946, Mauá adquire um estabelecimento industrial na Ponta de Areia (Rio de Janeiro), onde foram desenvolvidas várias atividades, como tubos para encanamentos dâ?Tágua, caldeiras para máquinas a vapor, guindastes, prensas, engenhos de açúcar, além da construção naval que era o carro chefe desse complexo. Em apenas um ano de funcionamento, a Ponta de Areia já contava com cerca de mil operários.
No setor dos serviços públicos, não foram poucas as iniciativas de Mauá. Em 1854 era inaugurada a primeira estrada de ferro brasileira. Com seus vagões puxados pela locomotiva Baronesa, fazia um trajeto de 18 Km, entre a serra de Petrópolis e o Rio de Janeiro. Juntamente com capitalistas ingleses, o barão também participou da construção da segunda e terceira ferrovias, a Recife and São Francisco Railway Company e a Dom Pedro II, mais conhecida como Central do Brasil, além de ter conseguido os empréstimos necessários para construção da São Paulo Railway, a Santos-Jundiaí. Ainda na área de transportes, Mauá organizou companhias de navegação a vapor no Amazonas e no Rio Grande do Sul.
Seu pioneirismo, também esteve presente na fundação de uma companhia de gás para iluminação das ruas do Rio de Janeiro, e no setor de comunicação, com a introdução do primeiro cabo de telégrafo submarino entre o Brasil e a Europa. Destaca-se por fim, o Banco Mauá, Mac Gregor & Cia. com filiais nos Estados Unidos, França e Inglaterra.



OS OBSTÁCULOS E A FALÊNCIA

Apesar de um início que parecia promissor, a "era Mauá" não conseguiu durar muito tempo. Suas iniciativas modernizadoras, encontravam um forte revés na manutenção da estrutura colonial agro-exportadora e escravista e na concorrência com empreendimentos estrangeiros, principalmente ingleses. Esses, inescrupulosos pelo lucro, não mediam esforços, praticando as mais violentas sabotagens contra o empresário brasileiro, como o incêndio provocado que destruiu a Ponta de Areia em 1857. Outro fator que contribuiu para impedir a consolidação das iniciativas de Mauá, foi a reformulação da tarifa Alves Branco pela tarifa Silva Ferraz em 1860, que reduziu as tarifas alfandegárias para máquinas, ferramentas e ferragens, favorecendo os interesses do capital estrangeiro.
Para os setores mais conservadores do governo, o vanguardismo empresarial de Mauá associado ao seu posicionamento liberal e abolicionista, era visto como uma ameaça. Sua posição contrária à Guerra do Paraguai (1864-1870), criou mais inimizades no governo. Abandonado pelo próprio imperador, Mauá vê-se obrigado cada vez mais a se associar com os empresários britânicos, resultando na falência ou venda de suas empresas por preços reduzidos.

TRANSIÇÃO PARA REPÚBLICA

Não resta dúvida de que a manutenção de características coloniais, com base no latifúndio monocultor escravista, representavam um sério obstáculo para o progresso urbano-industrial. O crescimento do processo abolicionista e o fortalecimento da nova oligarquia não-escravista do oeste paulista, trabalhavam em detrimento do regime monárquico e dos interesses a oligarquia escravista.
O antagonismo do novo (urbano-industrial e abolicionista) com o arcaico (agro-exportador e escravista), associado a outras questões estruturais, como as restrições que a igreja e o exército passam a fazer ao centralismo monárquico, determinam a passagem da monarquia para república, através de um golpe de Estado, articulado pela aristocracia rural e pelo exército no dia 15 de novembro de 1889.
Para finalizar esse momento histórico, vale destacar o apoio (meramente circunstancial) da oligarquia tradicional escravista ao movimento republicano. Essa aparente contradição, deve-se ao fato do regime monárquico ter abolido a escravidão sem indenização para os proprietários de escravos, que percebendo a inevitável morte da monarquia, ingressaram de maneira oportunista no movimento republicano, visando participar do novo governo e garantir seus privilégios de classe. Nesse sentido, não por acaso, a primeira fase da república no Brasil (República Velha) é historicamente dividida em "República da Espada" e "República das Oligarquias".

O Café e a Província Fluminense no Brasil dos Braganças

Maria I (1777-1816); João VI (1816-1826); Pedro I (1822-1831); Pedro II (1840-1889).
Anibal de Almeida Fernandes, Fevereiro, 2005.

Gênesis do Café

Tudo começou nas montanhas da Etiópia, Arábia Saudita ou Pérsia, não se sabe ao certo, antes do século 5 d.C., onde o Cahue = força/vigor em árabe que é o nome do café, chamou a atenção de um pastor de cabras, pois os animais comiam, vorazmente, os frutos vermelhos de um arbusto. Mais tarde, os grãos de café eram transformados em uma pasta misturada com uma espécie de manteiga. Daí foi para a Arábia onde os grãos eram torrados, reduzidos a pó num pilão e este pó era misturado com água fervente, como o café turco que, ainda hoje, é feito pelos descendentes de árabes no Brasil e servia como tônico revigorante para os enfermos debilitados. No final do século 15, em Meca, surgiram os primeiros locais públicos de venda de café. Essas casas de café aparecem também em Constantinopla onde o sucesso é tão grande que os pregadores arengavam contra o Carvão, (café torrado) pedindo aos fiéis que abandonassem as casas de café e voltassem para as Mesquitas. Daí, o café chega a Veneza, a bordo das naus dos comerciantes, onde é modificada a maneira de fazer o café, pois, aos venezianos, não agradava a maneira turca e eles alteram o preparo para adaptá-lo ao seu gosto: os grãos torrados, e moídos, são colocados num filtro aonde é derramada a água fervente sobre o pó que é filtrado. Essa maneira de preparar o café cai no gosto geral e o café vira moda na Itália e aparecem os salões de café, com instalações sofisticadas para reuniões de amigos; Carlo Goldoni, em 1750, faz a peça La Bottega del Caffé em sua homenagem. O café vai para a França e criam-se os saraus literários em torno do café. Até Luís XV era um apreciador e gostava de preparar o seu próprio café. Na Alemanha o sucesso é tão grande que Johann Sebastian Bach compõe, em 1732, a cantata Kaffee-Kantate: "Ah, como é doce o seu sabor ! Delicioso como milhares de beijos, mais doce que vinho moscatel ! Eu preciso de café ....". Na Inglaterra as coffe houses não se popularizam e se mantém a primazia inconteste do chá.
Em 1820 o químico alemão Friedlieb Runge isolou, no grão de café, o princípio ativo que ele batizou de cafeína, ou seja, algo encontrado no café. No séc. XIX a cafeína, (que aparece também no chá e cacau), é a droga que, segundo alguns, tornou o mundo moderno possível, pois ajudou o homem a se enquadrar no ritmo da luz elétrica permitindo o trabalho num ciclo dominado pelo relógio e não mais no ciclo primevo das estações do ano com sua alternância de noite e dia. No séc. XXI é a droga energética que conquistou o mundo e pelo consenso médico atual a cafeína interfere na adenosina que é o recurso químico natural do corpo humano que induz ao sono, pois estimula o sistema nervoso central e aprimora o desempenho físico, alem de diminuir a dor, evitar as enxaquecas, reduzir os sintomas da asma e elevar o ânimo.


A Implantação do Café no Vale do Paraíba Fluminense
Os holandeses levam algumas mudas de café para o Sri Lanka e Java e, de lá, graças ao comércio das companhias holandesas, o café chega às Guianas aonde também chega pelas mãos dos franceses que começam a plantá-lo na Guiana Francesa e, para alguns, detém o mérito de tê-lo introduzido nas Américas graças ao comandante Desclieux que vem da França com várias mudas, que não resistem à longa travessia com exceção de uma única muda, que fora regada pelo comandante durante a viagem. Está preparado o cenário para a chegada do café no Brasil, com um toque de aventura galante, pois se diz que, em 1727, o sargento-mor português, Francisco de Mello Palheta consegue as mudas proibidas, graças ao apoio romântico de Madame d'Orvilliers que lhe dá sementes de cafeeiros escondidas do marido, o Governador da Guiana Francesa, e que o oficial faz plantar no Pará. Algumas mudas são transportadas para o Maranhão onde se aclimatam esplêndidamente, permitindo a exportação para Portugal onde é protegido por decreto de João V que determina que no reino, só entra café do Maranhão. É o incipiente início da formidável aventura econômica do ouro verde, do Brasil Império no século XIX, na província fluminense.
Entre 1760 e 1762 foi trazido, do norte para o Rio de Janeiro, pelo desembargador João Alberto de Castelo Branco, mudas de Café que ele ofereceu ao Governador Geral, Gomes Ribeiro de Andrade, Conde de Bobadella. Dessas mudas só 4 vingaram: uma na casa do Castelo Branco, outra no Convento de Santa Teresa, a terceira no Convento dos frades Barbadinhos, à rua dos Barbados e a última, na propriedade do holandês João Hoppman. Das mudas plantadas pelas freiras de Santa Tereza, pelos frades Barbadinhos e de João Hoppman saíram em 1780, as sementes para as plantações na zona rural da Corte, nas fazendas do Capão do Bispo, da Mendanha e Campo Grande. O padre Antonio Lopes da Fonseca e D. Joaquim Justiniano, bispo do Rio de Janeiro, foram grandes difusores da cultura cafeeira; o 1o com extensa plantação em sua fazenda da Mendanha e o 2o distribuindo sementes para João Lopes, de São Gonçalo, subdistrito de Niterói e para o padre Couto, da localidade do Caminho de Campo Alegre que, mais tarde, passa a se chamar Rezende, onde o café foi largamente cultivado, a partir de 1783, nas regiões de Morro Redondo, Ponte Alta, e Taquaral. Em 1802, as escrituras já se referem à compra e venda de terras e cafezais como aparece na venda da fazenda Ribeirão Raso, feita por João Leite da Silva para Antonio Pereira Leite. Da fazenda de Antonio Bernardes Bahia, em Rezende, saíram as primeiras sementes para o início da cultura cafeeira em Bananal e Campinas, SP. Saint Hilaire relata que, em Macaé, se cultiva o café por dar menos trabalho que a cana de açúcar e exigir menos escravos.


Em 1810, ou 1812, D. João VI mandou vir d'África, sementes de café e as distribui entre os fidalgos que tinham terras no vale do Paraíba e norte de São Paulo. Ele mesmo, com as próprias mãos, dava os pequenos sacos com as sementes e estimulava o plantio, num gesto precursor de uma futura era de extraordinária riqueza para a província fluminense. Esse Rei português, tão injustiçado pela história oficial, pressentira o potencial de desenvolvimento e a importância do Brasil para o futuro de seu reino.
Os presentes de sementes e mudas eram entregues por D. João VI aos fidalgos mais amigos;
# Bernardo Clemente Pinto, Conde de Nova Friburgo, com 2 mudas de café vindas de Java, trazidas por colonos suíços.
# Braz Carneiro Leão, Marquês de Baependy, e seu irmão José Inácio Nogueira da Gama, foram os que mais receberam as mudas entregues pelo Rei. José Inácio, 20 anos após, colhia em suas terras 18.000 arrobas de café.
Do êxito das plantações de Rezende vai o café para as Zonas da Baixada, Vale do Paraíba, e a zona montanhosa do centro da província fluminense e começam a surgir os extensos campos verdejantes dos cafezais que, no apogeu do 2o Reinado, chegaram a conter 500 milhões de pés de café, o ouro verde.
O Embaixador Raul Fernandes, meu primo, que foi 2 vezes Ministro das Relações Exteriores (1946-51 e 1954-55), filho insígne de Vassouras, RJ, assim fala do café:
"o café, no Vale do Paraíba, era uma das colunas mestras da economia do Império; as outras esteiavam-se nos canaviais de Campos da Bahia e de Pernambuco. A riqueza das 3 províncias não era só o dinheiro com que elas abasteciam o Tesouro Imperial, mas, também, as elites formadas na sua opulência para as artes, a ciência, a política e que deram, nas últimas décadas do Brasil monárquico, o maior contigente para o verniz de civilização com que elas brilham na história nacional".
A primeira referência sobre a entrada de café na cidade do Rio de Janeiro consta de um almanaque manuscrito do acervo da Biblioteca Nacional que informa:
Em 1792 entraram na cidade, tanto de fora como do Recôncavo, 160 arrobas de café.
A primeira remessa para o exterior só acontece em 1800, com a saída de 13 sacas de café. Em 1808, saem 8.000 sacas. Em 1810, exportam-se, 66.000 sacas. Em 1820, já são 97.000 sacas. Em 1830, são 484.000 sacas. Em 1840 temos 3.463.000 sacas de café que dão o impulso para Vassouras e Valença viverem o seu apogeu de quase ½ século de fausto, com um luxo e requinte inigualáveis na história do Brasil.
No 2o Reinado, foram plantadas novas espécies de cafeeiros: o bourbon, vindo da ilha do mesmo nome; o botucatú; o café amarelo; o guatemala; o maragogipe (com as mais altas cotações da praça, mas os pés tinham uma frutificação irregular e com carga menor) e o libéria (com rosetas muito espaçadas e poucos caroços em cada uma delas e com casca grossa e aquosa o que tornava a secagem do grão muito demorada) e, por último, o montanhas azuis.
De todas as espécies, a chamada crioulo, que viera da costa africana, foi sempre a favorita por ser mais resistente, de maior duração, e com a produção mais abundante e, junto com a espécie bourbon, se constituem em 90% das plantações da região, no ocaso do Império. O Cafeeiro é uma planta perene, isto é, uma vez bem tratada não precisa de plantio anual, produzindo continuamente por muitos anos e germina em vários tipos de terra, quando se evita a erosão. Em compensação, é frágil, sensível às geadas, aceita temperaturas limites de 5° a 33°, precisa de chuvas regulares, não produz imediatamente após o plantio, demora de 4 a 5 anos, necessita de muito mais capital inicial que a cana de açúcar e muita mão de obra para o seu trato.
Cronologia da implantação do café e a sociedade dos Barões do Café fluminenses.

Foi essa a rotina dos fazendeiros pioneiros da região fluminense: primeiramente, pôr a mata virgem abaixo, depois, plantar, colher, exportar. Depois produzir muito e dispender pouco, consigo mesmo e com a família, apenas o estritamente necessário, o imprescindível, e assim conseguia-se alcançar a abastança. E, então, vinha o palacete nos fundos de uma extensa fila de palmeiras imperiais, cercado de jardins, com capelão e mordomo como os barões medievais, porém, sem nunca esquecer a vida dura do passado que era sempre recordada com emoção, como nos relatos do 2o Barão do Rio das Flores, primo irmão de meu bisavô materno. As fazendas tinham, em média, 120 alqueires, sendo o alqueire equivalente a 48.400 m2. Para os grandes proprietários as fazendas tinham, em média, de 250 a 600 alqueires e os latifundiários possuíam 2 sesmarias, ou mais, que tinham, cada uma, a área em torno de 1 légua quadrada, que eqüivale a 4.356 hectares.
1727: o café chega no Brasil, pelas mãos do sargento Francisco de Mello Palheta, com plantações no Pará, daí para o Maranhão, donde é exportado para Portugal protegido por decreto de D. João V que apenas permite o café do Maranhão em Portugal.
1760/62: o café chega ao Rio de Janeiro pelas mãos de João Alberto de Castelo Branco que oferece algumas sementes ao Governador Geral, o Conde de Bobadella. Só 4 mudas florescem: na casa do Castelo Branco, na casa de João Hoppman, no Convento de Santa Teresa e nos Frades Barbadinhos.
1780: o café vai para a região rural, próxima à Corte, começando pelas plantações de Rezende.
1792: é o 1o registro da chegada à cidade do Rio de Janeiro de café, são 160 arrobas.
1802: são exportadas para o exterior 50 arrobas de café.
1808: são exportadas 8.000 sacas de café.
1810: são exportadas 66.000 sacas de café.
1810/12: D. João VI manda trazer sementes de cafeeiro d'África e as distribui pelas próprias mãos aos fidalgos proprietários de terras, Conde de Nova Friburgo, Marquês de Baependy, e outros.
1817: John Luccok registra sua visita às fazendas de café no interior fluminense.
1822: é registrada a 1a geada na lavoura de café.
1825: o estado de São Paulo produz 250 contos de réis de café. Porém, o grande problema paulista era a distância dos portos e o altíssimo custo do transporte da produção que eqüivalia a quase 70% do valor de venda da arroba em 1830 o que quase inviabiliza o retorno financeiro.
1828: é o primeiro ano que a província fluminense registra uma produção de café maior que a de açúcar. São 5.122 contos de réis de café contra 3.466 contos de açúcar.
1835/36: o Estado de São Paulo registra uma produção de 1.000 contos de réis de café.
1850: o Brasil já é o maior exportador mundial, são exportadas 213.000 toneladas de café das quais 133.000 toneladas, ou seja, 62% eram fluminenses. Com destaque para Pati do Alferes, Paraíba do Sul, Barra Mansa, Rezende, Valença e Vassouras, esta, a verdadeira capital do café na época em que o Brasil era o Vale Fluminense.
1852: a produção fluminense foi de 7.193.000 arrobas, ou seja, 77,10% da produção brasileira.
1856/1859: a produção fluminense de café neste período foi de 63.804.764 arrobas de café, contra 9.904.705 arrobas de São Paulo e de 6.333.493 arrobas de Minas Gerais, ou seja, os fluminenses produziram, sózinhos, 4 vezes mais que São Paulo e Minas Gerais juntos !!!!!
1860: a produção fluminense foi de 8.746.361 arrobas, ou seja, 81,57% da produção brasileira.


O apogeu da produção cafeeira fluminense foi de 1830 a 1875 e, nesses 45 anos, eqüivaleu, em média, a 65% da produção brasileira. Essa produção gerou uma extraordinária riqueza para os fazendeiros fluminenses que souberam aproveitá-la muito bem, construindo suas casas, como palácios rurais, e mantendo um trem de vida onde, o luxo, o requinte e o fausto eram os apanágios corriqueiros desses ricos fazendeiros que são a grande maioria dos Barões do Café, agraciados por D. Pedro II no 2o Reinado, (1840-1889). São eles que financiam a guerra contra o Paraguai e são o esteio do Império se constituindo numa aristocracia genuinamente rural, de caráter imperial. Eles são conseqüência direta do estímulo premonitório de D. João VI, distribuindo as sementes que mandara vir d'África e da facilidade com que a planta se desenvolve, inicialmente, nas terras de Rezende e daí, para o Vale Fluminense. Oliveira Viana assim descreve o patriciado fluminense:
Não tinha esse, o fluminense, nem o orgulho do paulista, nem o democratismo do mineiro. Era mais fino, mais polido, mais socialmente culto pela proximidade, convívio e hegemonia da Corte, cuja ação o absorve. O polimento urbano lhe corrigiu a rusticidade e pela finura, pelo senso do meio-termo, acabou por desempenhar, no Sul, o papel dos atenienses da política e das letras.
A fazenda de café fora indispensável àquele resultado de elegância espiritual e polimento urbano. Dos meados dos oitocentos, sobressaem já os proprietários enriquecidos pela lavoura cafeeira. Eram palacetes cercados por jardins, prados à entrada, com pequenos lagos com renques de palmeiras imperiais soberbas que conduziam os visitantes à porta do solar.
A rotina da vida numa fazenda de café começava cedo, antes das 5 horas acordando as pessoas e predispondo-as para a jornada. As festas são memoráveis. Delas participam convidados da corte e vizinhos, também proprietários. Os banquetes tinham uma vintena de pratos diferentes, com vinhos raros, importados da França, que eram guardados nas adegas das casas, algumas famosas como a do Visconde do Rio Preto, em sua imponente fazenda Paraiso, a jóia de Valença que é emblemática como referência histórica para o período do fausto cafeeiro da região fluminense:
Em uma rua de 400 metros, ladeada por palmeiras imperiais que se abrem no final, em gracioso semicírculo, encontra-se o palacete com a placidez de um solar. Dentro resplandece o luxo, no estilo do mobiliário, na pureza dos cristais e dos espelhos, nas finas tapeçarias, na sobriedade dos damascos, nas pratarias lavradas. Galerias de quadros de valor, museu de raridades, tudo continha a Paraiso do Visconde. Há no térreo: 2 salões, de bilhar e de visitas, 4 quartos, escritório, biblioteca, sala de almoço, copa, salão de costura, capela e várias dependências: banheiros, dispensa e cozinha. No sobrado, salão de recepções, alcançado por majestosa escada (cujos lados no térreo são ornamentados por dois negros de bronze, de tamanho natural, sustentando nas mãos ricos candelabros) e que bifurca para a esquerda e direita, há ainda, sala de armas, sala de jantar, vasto dormitório, alcova, 20 quartos para hóspedes e vários banheiros. Na fazenda trabalhavam 500 escravos e havia uma banda de música com 50 figuras. A casa começou a ser construída em 1845 e tinha iluminação a gás que só chegou a São Paulo em 1870. Domingos Custódio Guimarães, nascido em 1800, 1o Barão de Rio Preto a 6/12/1854 e Visconde do Rio Preto a 14/3/1867, é um perfeito exemplo do grand seigneur do patriciado fluminense. Ele ficara riquíssimo no comércio da carne mineira para a cidade do Rio de Janeiro com o seu sócio João Francisco de Mesquita, Marquês de Bonfim em 1872 que foi um dos signatários, quando era Visconde, do atestado para Pedro II recomendando João Gualberto de Carvalho a receber o título de 1o Barão de Cajurú, em 1860. Desfeita a sociedade, resolveu investir em terras para o plantio de café. Para tal, mandou o seu sobrinho, Joaquim Custódio Guimarães, procurar fazendas e foram compradas 13 fazendas: Sta. Quitéria, Montacavalo, Mirante, São Bento, Sta. Genoveva, Jequitibá, Criméia, São Leandro, São Policarpo, União, São José, e 2 mais, compradas de João Pedro Maynard (que fora companheiro de Dom Pedro I e Dom Miguel, nas farras da juventude), a Loanda e a Paraiso, que foi comprada por indicação de Domingos Antonio, (futuro sogro de Joaquim) que é filho de João Ribeiro do Valle, o qual é irmão do meu 6o avô, Felisberto Ribeiro do Valle, ambos netos de André do Valle Ribeiro. As fazendas do Visconde produziam 60.000 arrobas de café o que daria com a saca vendida ao preço médio de R$ 150 e com o US$ a R$ 3, um resultado anual de US$ 735.000, uma fortuna para o custo de vida da época!. Com a morte do Visconde a 7/7/1868, que deixa uma fortuna de 4.000 contos de réis, (equivalentes a 3.600 kg. de ouro ou R$ 140 milhões, considerando a gr. de ouro a R$ 39), as fazendas vão para seu filho, o 2o Barão de Rio Preto a 23/09/1874 que é casado com uma filha do marquês de Bonfim, que mantém a Paraiso até sua morte em 1876. Seu filho, Domingos, a mantém até 1895, quando a vende para o sogro, o Barão d'Aliança, (sobrinho do 1o Barão do Rio das Flores que é cunhado de João Antonio de Avellar e Almeida e Silva, meu bisavô), que a mantém até 1912, quando a vende para o Major Galileu Belfort de Arantes, sobrinho do Visconde de Arantes meu tio trisavô e neto do 1o Barão de Cabo Verde, meu tio tetravô, Antonio Belfort de Arantes e sua mulher, Maria Custódia Ribeiro do Valle que é irmã de Ana Inácia Ribeiro do Valle, mulher de João Gualberto de Carvalho, 1o Barão de Cajurú a 30/06/1860, meus tetravós. Hoje a Paraiso não é mais de café, mas de gado leiteiro e ainda mantém muito do seu esplendor inicial, que tanta admiração causou em Taunay e no Conde d'Eu, e se mantém nas mãos de Arantes, trinetos do 1o Barão de Cabo Verde.
A partir de 1870 as coisas começam, lentamente, a mudar na província fluminense. A lavoura ainda tem produção expressiva tanto é que, de 1870 a 1881, os fluminenses produzem 1.398.990.752 de quilos de café o que é 1,7 vez mais que os 840.115.553 quilos produzidos por São Paulo, Minas, Espirito Santo e Bahia juntos, no mesmo período. Em 1872, Rezende produziu 500.000 arrobas de café, (cada arrôba = 14,7 kg.).
1879-1884: a província fluminense exporta o equivalente a 55,91% da produção brasileira.
1880: São Paulo tem a produção de café consolidada e dando lucro. O trabalho é apoiado no braço do imigrante que veio num total de 33.310 pessoas, entre 1822 a 1887 das quais, 28.840 italianos.
1886: é o 1o ano que a produção de café em São Paulo supera a produção de açúcar; o que acontecera 58 anos antes no Rio, em 1828. A produção paulista chega à média de 60.043.000 arrobas/ano no período de 1928/32, entretanto, o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929 devasta a elite cafeeira paulista que queima as safras sem compradores para evitar o custo da estocagem.
1894: a produção fluminense despenca para 20% da produção brasileira.
Diz Viçoso Jardim: A situação Fluminense teve a alimentar-lhe o berço, o café; cresceu com ele e é ainda no café que se nutre o seu progresso.
O desgosto dos proprietários, novos e antigos, diante dessa feroz decadência teve outra conseqüência, mais fundamente prejudicial à lavoura: os fazendeiros do Império moravam em suas fazendas, nelas procuravam ter todo conforto e vangloriavam-se da sua profissão; posteriormente não. Os que podiam iam morar nas cidades, colocando administradores em seu lugar, um filho, um genro, um estranho, freqüentemente incompetente e indiferente à terra. Desapareceram os antigos predicados que caracterizavam os velhos fazendeiros: a rija resistência, a tenacidade, as ambições de um título nobiliárquico; o amor apaixonado àquele pedaço de terra. Os fazendeiros do Império tinham orgulho de sua profissão, recebida como um legado que deviam honrar, como seus pais e seus avós fizeram percorrendo com orgulho, prazer e alegria as suas terras. A decadência expulsa do lugar os proprietários, eles "queimam" suas fazendas de terras exaustas por qualquer preço aviltante e as famílias se dispersam e, com o passar do tempo, esmaece e acaba a memória deste passado, o conhecimento desta época de fausto e requinte, que teve uma qualidade inigualada em qualquer outra província brasileira nos 67 anos do Império.
O paulista Martinho Prado expressa muito bem o risco da lavoura do café ao dizer:
Lavoura essa que, se dava a casaca tirava, também, a camisa.
E há o dito popular: Si estiveres morto, pega o teu porco. Si estiveres quebrado, pega o teu gado.
Mas com o café, não tenho fé.

Conclusão

Há uma correspondência, inequívoca, entre a força da província fluminense com o seu poderio econômico alicerçado no café, e a força do Império Brasileiro dos Braganças, pois enquanto a província foi poderosa o Império brilhou e quando a província enfraquece o Império acaba.
Hoje a região fluminense de Vassouras e Valença é uma sombra do que foi, não mais se avistam os extensos cafezais, os palacetes das cidades estão em ruínas e as poucas soberbas sedes de fazenda que resistiram à decadência e aos cupins estão, todas, nas mãos de novos proprietários que, em alguns casos, fizeram intervenções, restaurando parte do esplendor do passado, porém em outros casos, nada foi feito e as sedes estão em plena decadência, arfando nos estertores finais de uma centenária trajetória que conheceu um formidável tempo de prestígio e glória para a sociedade agrária brasileira. O governo estadual deveria valorizar essa região cujo potencial de atração é imenso e transformá-la em uma área de preservação histórica, e vigoroso polo turístico-cultural, para o turista estrangeiro, principalmente o europeu, que já conhece e admira essas casas solarengas desde o século XIX, nesta região que pode ser chamada, sem exagero, de Vale do Loire Brasileiro.

Fontes:

O Vale do Paraíba, Eloy de Andrade, Real Gráfica, Rio de Janeiro, 1989. Essa fonte foi a coluna mestra desse trabalho, tanto pelas suas informações técnicas, quanto pela sensibilidade com que retrata o passar do tempo na província fluminense e sua decadência inexorável.
História do Café no Brasil, Afonso de E. Taunay.
O Homem e a Serra, Alberto Ribeiro Lamego, IBGE, 1950.
A Cidade e o Planalto, Gilberto Leite de Barros, São Paulo, 1967.
História de Valença, 1803-1924, Luís Damasceno Ferreira, 1925.
As Barbas do Imperador, Lillian Schwarcz, São Paulo, 1996.
Ensaio Geral, 500 Anos de Brasil, Heródoto Barbeiro, Bruna Cantele, São Paulo, 1999.
Titulares do Império, Carlos Rheingantz, Rio de Janeiro, 1960.
Anuário Genealógico Brasileiro, Vol. IX, (Penúltimo), 1947.
500 Anos de Sabor, Eda Romio, São Paulo, 2000.
O Jornal, Júlio do Valle Bittencourt, Rio de Janeiro, 15/10/1927;
VEJA, 13/10/04, pg. 104, Editora ABRIL.
National Geografhic, January, 2005, Why we love Caffeine, pgs 3 a 32.

O processo de independência do Brasil

Para compreender o verdadeiro significado histórico da independência do Brasil, levaremos em consideração duas importantes questões:

Em primeiro lugar, entender que o 07 de setembro de 1822 não foi um ato isolado do príncipe D. Pedro, e sim um acontecimento que integra o processo de crise do Antigo Sistema Colonial, iniciada com as revoltas de emancipação no final do século XVIII. Ainda é muito comum a memória do estudante associar a independência do Brasil ao quadro de Pedro Américo, "O Grito do Ipiranga", que personifica o acontecimento na figura de D. Pedro.

Em segundo lugar, perceber que a independência do Brasil, restringiu-se à esfera política, não alterando em nada a realidade sócio-econômica, que se manteve com as mesmas características do período colonial.

Valorizando essas duas questões, faremos uma breve avaliação histórica do processo de independência do Brasil.


Desde as últimas décadas do século XVIII assinala-se na América Latina a crise do Antigo Sistema Colonial. No Brasil, essa crise foi marcada pelas rebeliões de emancipação, destacando-se a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. Foram os primeiros movimentos sociais da história do Brasil a questionar o pacto colonial e assumir um caráter republicano. Era apenas o início do processo de independência política do Brasil, que se estende até 1822 com o "sete de setembro". Esta situação de crise do antigo sistema colonial, era na verdade, parte integrante da decadência do Antigo Regime europeu, debilitado pela Revolução Industrial na Inglaterra e principalmente pela difusão do liberalismo econômico e dos princípios iluministas, que juntos formarão a base ideológica para a Independência dos Estados Unidos (1776) e para a Revolução Francesa (1789). Trata-se de um dos mais importantes movimentos de transição na História, assinalado pela passagem da idade moderna para a contemporânea, representada pela transição do capitalismo comercial para o industrial.

Os Movimentos de Emancipação


A Inconfidência Mineira destacou-se por ter sido o primeiro movimento social republicano-emancipacionista de nossa história. Eis aí sua importância maior, já que em outros aspectos ficou muito a desejar. Sua composição social por exemplo, marginalizava as camadas mais populares, configurando-se num movimento elitista estendendo-se no máximo às camadas médias da sociedade, como intelectuais, militares, e religiosos. Outros pontos que contribuíram para debilitar o movimento foram a precária articulação militar e a postura regionalista, ou seja, reivindicavam a emancipação e a república para o Brasil e na prática preocupavam-se com problemas locais de Minas Gerais. O mais grave contudo foi a ausência de uma postura clara que defendesse a abolição da escravatura. O desfecho do movimento foi assinalado quando o governador Visconde de Barbacena suspendeu a derrama -- seria o pretexto para deflagar a revolta - e esvaziou a conspiração, iniciando prisões acompanhadas de uma verdadeira devassa.

Os líderes do movimento foram presos e enviados para o Rio de Janeiro responderam pelo crime de inconfidência (falta de fidelidade ao rei), pelo qual foram condenados. Todos negaram sua participação no movimento, menos Joaquim José da Silva Xavier, o alferes conhecido como Tiradentes, que assumiu a responsabilidade de liderar o movimento. Após decreto de D. Maria I é revogada a pena de morte dos inconfidentes, exceto a de Tiradentes. Alguns tem a pena transformada em prisão temporária, outros em prisão perpétua. Cláudio Manuel da Costa morreu na prisão, onde provavelmente foi assassinado.

Tiradentes, o de mais baixa condição social, foi o único condenado à morte por enforcamento. Sua cabeça foi cortada e levada para Vila Rica. O corpo foi esquartejado e espalhado pelos caminhos de Minas Gerais (21 de abril de 1789). Era o cruel exemplo que ficava para qualquer outra tentativa de questionar o poder da metrópole.

O exemplo parece que não assustou a todos, já que nove anos mais tarde iniciava-se na Bahia a Revolta dos Alfaiates, também chamada de Conjuração Baiana. A influência da loja maçônica Cavaleiros da Luz deu um sentido mais intelectual ao movimento que contou também com uma ativa participação de camadas populares como os alfaiates João de Deus e Manuel dos Santos Lira.Eram pretos, mestiços, índios, pobres em geral, além de soldados e religiosos. Justamente por possuír uma composição social mais abrangente com participação popular, a revolta pretendia uma república acompanhada da abolição da escravatura. Controlado pelo governo, as lideranças populares do movimento foram executadas por enforcamento, enquanto que os intelectuais foram absolvidos.

Outros movimentos de emancipação também foram controlados, como a Conjuração do Rio de Janeiro em 1794, a Conspiração dos Suaçunas em Pernambuco (1801) e a Revolução Pernambucana de 1817. Esta última, já na época que D. João VI havia se estabelecido no Brasil. Apesar de contidas todas essas rebeliões foram determinantes para o agravamento da crise do colonialismo no Brasil, já que trouxeram pela primeira vez os ideais iluministas e os objetivos republicanos.

A Família Real no Brasil e a Preponderância Inglesa

Se o que define a condição de colônia é o monopólio imposto pela metrópole, em 1808 com a abertura dos portos, o Brasil deixava de ser colônia. O monopólio não mais existia. Rompia-se o pacto colonial e atendia-se assim, os interesses da elite agrária brasileira, acentuando as relações com a Inglaterra, em detrimento das tradicionais relações com Portugal.

Esse episódio, que inaugura a política de D. João VI no Brasil, é considerado a primeira medida formal em direção ao "sete de setembro".

Há muito Portugal dependia economicamente da Inglaterra. Essa dependência acentua-se com a vinda de D. João VI ao Brasil, que gradualmente deixava de ser colônia de Portugal, para entrar na esfera do domínio britânico. Para Inglaterra industrializada, a independência da América Latina era uma promissora oportunidade de mercados, tanto fornecedores, como consumidores.

Com a assinatura dos Tratados de 1810 (Comércio e Navegação e Aliança e Amizade), Portugal perdeu definitivamente o monopólio do comércio brasileiro e o Brasil caiu diretamente na dependência do capitalismo inglês.

Em 1820, a burguesia mercantil portuguesa colocou fim ao absolutismo em Portugal com a Revolução do Porto. Implantou-se uma monarquia constitucional, o que deu um caráter liberal ao movimento. Mas, ao mesmo tempo, por tratar-se de uma burguesia mercantil que tomava o poder, essa revolução assume uma postura recolonizadora sobre o Brasil. D. João VI retorna para Portugal e seu filho aproxima-se ainda mais da aristocracia rural brasileira, que sentia-se duplamente ameaçada em seus interesses: a intenção recolonizadora de Portugal e as guerras de independência na América Espanhola, responsáveis pela divisão da região em repúblicas.

O Significado Histórico
da Independência

A aristocracia rural brasileira encaminhou a independência do Brasil com o cuidado de não afetar seus privilégios, representados pelo latifúndio e escravismo. Dessa forma, a independência foi imposta verticalmente, com a preocupação em manter a unidade nacional e conciliar as divergências existentes dentro da própria elite rural, afastando os setores mais baixos da sociedade representados por escravos e trabalhadores pobres em geral.

Com a volta de D. João VI para Portugal e as exigências para que também o príncipe regente voltasse, a aristocracia rural passa a viver sob um difícil dilema: conter a recolonização e ao mesmo tempo evitar que a ruptura com Portugal assumisse o caráter revolucionário-republicano que marcava a independência da América Espanhola, o que evidentemente ameaçaria seus privilégios.

A maçonaria (reaberta no Rio de Janeiro com a loja maçônica Comércio e Artes) e a imprensa uniram suas forças contra a postura recolonizadora das Cortes.

D. Pedro é sondado para ficar no Brasil, pois sua partida poderia representar o esfacelamento do país. Era preciso ganhar o apoio de D. Pedro, em torno do qual se concretizariam os interesses da aristocracia rural brasileira. Um abaixo assinado de oito mil assinaturas foi levado por José Clemente Pereira (presidente do Senado) a D. Pedro em 9 de janeiro de 1822, solicitando sua permanência no Brasil. Cedendo às pressões, D. Pedro decidiu-se: "Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto. Diga ao povo que fico".

É claro que D. Pedro decidiu ficar bem menos pelo povo e bem mais pela aristocracia, que o apoiaria como imperador em troca da futura independência não alterar a realidade sócio-econômica colonial. Contudo, o Dia do fico era mais um passo para o rompimento definitivo com Portugal. Graças a homens como José Bonifácio de Andrada e Silva (patriarca da independência), Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira e outros, o movimento de independência adquiriu um ritmo surpreendente com o cumpra-se, onde as leis portuguesas seriam obedecidas somente com o aval de D. Pedro, que acabou aceitando o título de Defensor Perpétuo do Brasil (13 de maio de 1822), oferecido pela maçonaria e pelo Senado. Em 3 de junho foi convocada uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa e em primeiro de agosto considerou-se inimigas as tropas portuguesas que tentassem desembarcar no Brasil.

São Paulo vivia um clima de instabilidade para os irmãos Andradas, pois Martim Francisco (vice-presidente da Junta Governativa de São Paulo) foi forçado a demitir-se, sendo expulso da província. Em Portugal, a reação tornava-se radical, com ameaça de envio de tropas, caso o príncipe não retornasse imediatamente.

José Bonifácio, transmitiu a decisão portuguesa ao príncipe, juntamente com carta sua e de D. Maria Leopoldina, que ficara no Rio de Janeiro como regente. No dia sete de setembro de 1822 D. Pedro que se encontrava às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, após a leitura das cartas que chegaram em suas mãos, bradou: "É tempo... Independência ou morte... Estamos separados de Portugal".Chegando no Rio de Janeiro (14 de setembro de 1822), D. Pedro foi aclamado Imperador Constitucional do Brasil. Era o início do Império, embora a coroação apenas se realizasse em primeiro de dezembro de 1822.

A independência não marcou nenhuma ruptura com o processo de nossa história colonial. As bases sócio-econômicas (trabalho escravo, monocultura e latifúndio), que representavam a manutenção dos privilégios aristocráticos, permaneceram inalteradas. O "sete de setembro" foi apenas a consolidação de uma ruptura política, que já começara 14 anos atrás, com a abertura dos portos.

SABINADA

INTRODUÇÃO

O Período regencial é visto tradicionalmente como um período de crise, tendo de um lado a elite moderada do sudeste pretendendo consolidar seu modelo de independência, e de outro, as elites regenionais e as camadas populares contestando a centralização, com projetos variados, ou até mesmo sem um projeto político definido. Nesse quadro encaixa-se a SABINADA, ocorrida na Bahia entre 1837 e 38.
O texto que se segue, de Júlio José Chiavenato, procura explicar esse movimento de contestação, comparando-o inclusive com outros movimentos da época.

O MOVIMENTO

A independência oficial do Brasil, prevalecendo sobre a libertação sonhada pelos patriotas - para usar uma palavra em voga na época - frustrou grande parte da população. A independência oficial sedimentou uma estrutura econômica e política herdada da Colônia, pouco alterando a situação das massas e, por adotar um centralismo autoritário, pressionava também o sistema político nas províncias.
A oportunidade perdida de democratizar a prática política, de um lado, e a insistência em manter inalterado o instituto da escravidão, de outro, praticamente fizeram aflorar todo o anacronismo do Estado brasileiro, provocando várias reações. Entre elas a Sabinada, na Bahia, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul.
Os sabinos, mesmo manifestando fidelidade monárquica, proclamaram uma república provisória. Marcavam seu desejo de separação do govemo central respeitando o rei-menino, como demonstra seu programa, proclamado quando tomam Salvador em 7 de novembro de 1837:
"A Bahia fica desde já separada, e independente da Corte do Rio de Janeiro, e do Govemo Central, a quem desde já desconhece, e protesta não obedecer nem a outra qualquer Autoridade ou ordens dali emanadas, enquanto durar somente, a menoridade do sr. dom Pedro II."
Apesar da aparente participação popular na Sabinada, prevalecia entre os revoltosos a classe média. Foi a insurreição mais discutida da história do Brasil, enquanto se processava. Curiosamente, apesar de tanta discussão nos inúmeros jomais baianos da época, hoje é geralmente desprezada pelos historiadores.
Há pontos em comum entre os sabinos e os farrapos. O líder farroupilha Bento Gonçalves esteve preso em Salvador, onde influiu sobre o ânimo dos baianos. Ao contrário dos gaúchos, porém, os baianos agiram menos e falaram mais.
Esta constatação não diminui os sabinos: marca o tom das duas revoltas. Identificavam-se principalmente com o anticentralismo imperial: os sabinos, mais retoricamente ideológicos, e os farrapos, mais pragmáticos.
É sintomático que um dos motivos imediatos da eclosão do movimento baiano seja a fuga de Bento Gonçalves da cadeia, facilitada por seus companheiros de idéias em Salvador. É que o líder baiano, o médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, que deu o nome à insurreição, cumprira pena no Rio Grande do Sul: um degredo por assassinar o político conservador Ribeiro Moreira, em 1834. No Rio Grande, Sabino conviveu com as idéias farroupilhas e ficou amigo de Bento Gonçalves, que, por sua vez, seguiu preso para a Bahia em 1837.
Só em 1836 é que Sabino voltara à Bahia. Se as idéias se assemelham, a prática é outra. Os baianos são letrados e propagam seu ideário pelos jornais. Tentam convencer o povo da justiça de sua causa. E lutam, pode-se dizer, com uma elegância revolucionária clássica - se isso existe... Os gaúchos falam para justificar suas ações, as palavras pouco têm que ver com a realidade e, na guerra, desprezam tudo o que impede a vitória.
Paradoxalmente, são os gaúchos que conseguem mais povo na sua guerra: talvez pela visão senhorial da sociedade, encarando os pobres, especialmente os negros escravos, como massa de manobra a quem não devem explicações e obrigam a seguir seus donos.
A Sabináda obtém a vitória em 7 de novembro de 1837, com a adesão de parte das tropas do govemo. As autoridades imperiais fogem de Salvador e é proclamada a república. Os sabinos não conseguem, porém, convencer o interior da Bahia, especialmente o Recôncavo, a aderir ao movimento. São os grandes senhores do Recôncavo que ajudam o govemo imperial a sufocar a insurreição.
O Império contra-ataca e vence, em 15 de março de 1838. O comandante Crisóstomo Calado excede-se na repressão, deixando mais de mil mortos e três mil feridos. Incendeia Salvador e joga nas casas em fogo os defensores da república baiana. Muitas vezes armavam fogueiras para queimar vivos os vencidos. Os que escapam com vida são julgados pelos grandes senhores rurais, os júris de sangue.
Se gente do povo é queimada, só três dos líderes são condenados à morte. Mas ninguém é executado: o próprio Sabino tem a pena comutada para degredo intemo e morre pacificamente em Mato Grosso.
Par
a alguns historiadores parece estranho que um movimento como a Sabinada, que não chegou a apresentar o perigo de autonomia popular como a Cabanagem, por exemplo, tenha merecido tão violenta repressão. Bem mais violenta que a dedicada aos farrapos, que ameaçaram mais gravemente a coesão do Império.
Porém, se na Sabinada não houve a mesma participação popular da Cabanagem, nem o vigor da Farroupilha, ela foi muito mais nítida ideologicamente. As idéias que a nortearam, quase todas da Revolução Francesa, eram veiculadas nos jomais por intelectuais competentes, dentro de uma tradição retórica que ensaiava impor-se na práxis política. Com os farrapos era possível um acordo - Porongos à parte, como veremos - mas com os sabinos era diferente: eles tinham convicção ideológica.
Talvez a "vingança" se explique pela perda de controle dos líderes sobre os setores mais "franceses" da insurreição. No decorrer da luta surgiram correntes agredindo a aristocracia, divulgando na imprensa suas perigosas idéias. Estas idéias são bem marcadas num dos hinos publicados:
Defende o altar e o trono,
Derruba a aristocracia.
Porém essa confusão ideológica - altar e trono sem aristocracia - não significa ascensão do povo. É uma reação contra o apoio que a aristocracia baiana dá ao lmpério, fornecendo gente para sufocar a rebelião. Nem por isso deixou de assustar as classes dominantes, que agiram para "cortar o mal pela raiz".
Mais uma vez a história repete-se como tragédia: uma lição do poder, com sua pedagogia do terror, para que seu núcleo ideológico não seja posto em questão.
Os fatos, às vezes, são menos importantes que sua interpretação - como ousadamente propôs Edward Carr, em um dos seus ensaios sobre histórias. As idéias perrnanecem; os fatos podem ser sepultados em documentos... que pouco dizem, se não são severamente interrogados, como ensina o historiador Marc Bloch.
Será que por falarem melhor do que agem, os sabinos deixam uma lição mais profícua ao povo?
Será isto que o Império, melhor que os historiadores, entendeu?

Um casamento dinástico

Em nome do restabelecimento do poder real, d. João VI, o então desacreditado rei português, traçou uma estratégia inteligente para recolocar a dinastia dos Bragança ao centro do poder da Europa, promovendo o casamento de seu filho herdeiro d. Pedro com d. Leopoldina, filha do Imperador da Áustria Francisco I, pertencente a poderosa dinastia de Habsburgo.

Com a queda do Império brasileiro em 1889, àqueles que se opunham ao imperador deposto articularam manobras de toda sorte para difamar a monarquia e membros da família dos Bragança. O principal alvo deste cenário foi d. João VI, descrito como beberrão, covarde, hipocondríaco e afeminado. Por outro lado, a história prova que não foi bem assim. D. João, ao longo de sua trajetória real, mostrou habilidade quando da fuga para o Brasil em 1808. Esperou o momento certo para fazê-lo - ainda que pressionado por todos os lados. Com a transferência da corte para o Rio de Janeiro, o príncipe conseguiu preservar sua vida e a Coroa. Estabeleceu assim, a cede de seu império ultramarino, onde ficou por 13 anos, atingindo o status de rei, onde pode fazer articulações políticas com as pessoas mais importantes e endinheiradas do Rio de Janeiro, que estavam dispostas a apoiar suas idéias dinásticas. Quando d. João voltou a Portugal (devido a pressão exercida pelas cortes de Lisboa), o fez como figura soberana, ainda mais porque deixou no Brasil seu filho herdeiro imediato e então príncipe regente d. Pedro.

Uma das grandes manobras estratégias políticas e diplomáticas de d. João muitas vezes não é lembrada. Trata-se da realização do casamento de seu primogênito com a herdeira da Casa d´Áustria, d. Leopoldina.

Após a devastação napoleônica houve a restauração as casas tradicionais européias, discutida providencialmente no Congresso de Viena, em 1815. D. João era, naquela ocasião, um rei exilado. Aproximadamente dois anos depois do Congresso, d. João VI iniciou seu ambicioso projeto de voltar ao centro da balança de poder da Europa. Como? Com o casamento de seu filho com d. Leopoldina, filha do Imperador Francisco I.

Desvanecidos os perigos contra paz da Coroa lusitana, os anos de 1817 e 1818 mostraram-se recheados de importantes celebrações que tiveram como palco a cidade do Rio de Janeiro. Algumas destas destacam-se pelo caráter inédito, como a coroação de um herdeiro tradicional da Europa ocorrida noutra localidade. Os habitantes da cidade estavam em estado de glória e honra, visto que desde 1808 "conviviam" como rei e toda sua família real. Este entusiasmo coletivo que poderia ser observado pelas ruas do Rio de Janeiro, ficou ainda maior quando souberam da grande notícia que revelava o enlace matrimonial entre o herdeiro do trono lusitano e a arquiduquesa d´Áustria, d. Carolina Leopoldina Josefa.



A corte portuguesa providenciou momentos marcantes na cidade brasileira como o ocorrido em 5 de novembro de 1817 com a chegada de d. Leopoldina e mais adiante, a comemoração do aniversário de d. João VI, ocorrida aos 13 dias de maio do ano de 1818. Assim, a população pode testemunhar um fato inédito, como dito anteriormente, da elevação de um herdeiro de tradicional casa européia abrigado pelo Novo Mundo.

O PESO DO CASÓRIO REAL E SEUS PERSONAGENS

A união matrimonial tinha o peso de restabelecer os laços (enfraquecidos) entre os Bragança e Habsburgo. Esta aliança já havia sido formada quando d. João V uniu-se com d. Mariana, em 1708.

Conforme imagens que veremos adiante, os personagens incumbidos das minuciosas negociações estratégicas que levaram ao acerto final do casamento real foram: do lado da Áustria - o premier austríaco, o príncipe Metternich, filho de Francisco I, imperador da Áustria, rei da Hungria e Boêmia, já do lado luso, o marquês de Marialva, ministro plenipotenciário português.



Marialva foi recebido em Viena, em 17 de fevereiro de 1817. O ministro apresentou-se com uma suntuosa "entourage", composta de 77 pessoas, entre pajens, criados e oficiais, a pé e montados. As carruagens foram acompanhadas por criados de ambos os lados, todos vestidos da mais fina libré. O cortejo real fora fechado com as representações de Inglaterra, França e Espanha. Todos os movimentos dispensados nesta sublime ocasião foram minuciosamente registrados pela Gazeta do Rio de Janeiro, pertencente aos fluminenses.

A GRANDE FESTA

Em 1º de junho o então ministro Marialva coordenou a preparação daquela que seria uma das mais suntuosas funções realizadas em casa imperial européia. Para ocasião, Marialva ordenou a construção de salões nos belíssimos jardins do Augarten de Viena, palco de um baile que abrigaria mais de duas mil pessoas. Os convidados mais importantes, envolvendo todo corpo diplomático e nobreza austríaca, presenciaram tamanha celebração. A festa contou ainda com refinada ceia servida após a dança. Mesas com talheres em prata e ouro, finas taças recebiam o mais refinado vinho. Uma orquestra foi especialmente elaborada (em diversos lugares) para enriquecer o evento e animar o povo presente fora do palácio.


O PREÇO DA RAINHA

A Coroa portuguesa fez questão de não se esquecer de nenhum membro da corte austríaca. Providenciou presentes extraordinariamente valiosos para os grandes da Áustria. A festa promovida por Marialva relatada há pouco, custou mais de um milhão de florins. Jóias e veneras de ordens honorificas atingiram 5.800 libras. A disposição portuguesa em ofertar valiosas fortunas começou logo nos primeiros contatos estabelecidos pelo conde da Barca com respeito às relações diplomáticas para o casamento entre d. Pedro de Alcântara, príncipe real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e d. Carolina Leopoldina Josefa, princesa imperial e arquiduquesa da Áustria.

A estratégia exercida pela Coroa lusitana, de não economizar nenhuma agraciamento traduzido em altíssimos valores, foi responsável por grande parte da divida que o nascente Estado brasileiro teve que herdar. O Imperador Francisco I foi convencido a mandar sua filha para o Brasil após receber um inestimável incentivo traduzido num tesouro composto por jóias, diamantes e barras de ouro.

As riquezas disponibilizadas a Francisco I serviram de fiança para o envio de sua filha aos trópicos, sem saber, que não voltaria viva. A referida união matrimonial esclarecia que muitos interesses (tanto na dimensão política quanto diplomática) estavam em jogo, ilustrados em valores e poderes que reiteravam os laços de sangue de duas casas tradicionais européias.

O CONTRATO

O Arquivo Nacional do Rio de Janeiro dispõe duma cópia do contrato lavrado em Viena, em francês, contendo 12 cláusulas demarcando as possíveis situações a respeito do destino de Leopoldina no "arranjo" de sua vinda ao Rio de Janeiro, na ocasião, sede da Coroa portuguesa. Veremos a seguir, algumas cláusulas do referido contrato, traduzidas em português.

*** S.M. Imperial e Real Apostólica constituída em dote à Sereníssima Princesa a soma de 200 mil florins, pagos em dinheiro em Viena durante a celebração do casório; e, quando do embarque, deveria certificar-se se sua filha levava o "trousseau nécessaire", as jóias, vasos de ouro e prata, etc., etc., conforme o uso estabelecido na Casa da Áustria.

*** Ficava o Príncipe obrigado a dar à consorte uma soma equivalente em contradote, de modo que o total de ambos será de 400 mil florins.

*** D. João ficava obrigado a dar à nora uma pensão anual de 60 mil florins "á titre d´épingles" ("a titulo de alfinetes" - uma espécie de pensão como contratode), que seria paga no montante de 5 mil por mês.

*** S.M. Fidelíssima Francisco I, por sua parte, prometia ao Príncipe esposo, em contraparte, a mesma soma de 60 mil florins "á titre de cadeau de noces" (a título de presente de casamento).




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