28 de junho de 2017

Subsolo da História

Subsolo da História

Vestígios do mais antigo engenho açucareiro
em Porto Seguro põem em dúvida datação


do início da atividade produtiva na colônia

Primos remotos
Nos fundos da Igreja de Trancoso, material arqueológico recolhido sob a supervisão de pesquisadores revela vestígios de um grupo indígena desconhecido que teria vivido em aldeia com até 200 índios já iniciados na prática da agricultura
 
 








Porto Seguro ainda tem muito a contar sobre seus primeiros habitantes, seus costumes e a forma como ocuparam aquela região, uma das mais estudadas pelos historiadores em todo o país. Escavações realizadas ali nos últimos três anos por uma equipe de arqueólogos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob coordenação do professor de Antropologia Carlos Etchevarne, revelaram a existência de 70 sítios arqueológicos. Embora mal tenham começado a análise do material encontrado - fragmentos de cerâmica e objetos de adorno, principalmente -, os pesquisadores estão convencidos da descoberta de um grupo indígena ainda desconhecido dos antropólogos ou de uma nova unidade cultural indígena, no jargão técnico. O principal vestígio do grupo, ainda não identificado, é uma funerária com cerca de 650 anos, encontrada atrás da Igreja de Trancoso. Os pesquisadores estimam que o grupo era composto de 100 a 200 pessoas habituadas a lavrar a terra.






Relação delicada
Achados lado a lado, fragmentos de
fôrma de cerâmica para assar pão e adorno labial indicam que índios já trabalhavam no engenho em 1520


Outro achado de grande
 interesse para os
 pesquisadores é o Engenho de
 Açúcar de Itacimirim, a 3
 quilômetros do centro de Porto
 Seguro. As peças de cerâmica
 encontradas na região datam,
no máximo, de 1520. Ou seja,
seriam restos do mais antigo
 engenho de açúcar até hoje
descoberto no país. Os
historiadores costumam dizer
que naquele tempo havia
apenas atividades extrativistas
na nova colônia portuguesa. E
apontam o início do Ciclo
do Açúcar no Brasil em 1532, com o engenho de Martim




Mensag em do
além
Esta urna funerária com cerca de 650 anos, encontrada atrás da Igreja de Trancoso, é o testemunho mais íntegro da existência do grupo indígena que ainda aguarda identificação
 Afonso de Sousa, em São Vicente. O pequeno engenho baiano estava descrito no livro do viajante Gabriel Soares de Souza de forma bastante minuciosa. O material encontrado indica que índios e portugueses conviviam no local. Um exemplo é um tembetá, adorno labial masculino, achado entre fragmentos de fôrmas usadas para assar pão. Isso faz supor que índios tupiniquins trabalhavam no engenho.

O mérito de tais descobertas deve ser creditado, em parte, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 1996, o Iphan condicionou a realização de várias obras de saneamento básico, iluminação e estradas em Porto Seguro - uma área toda tombada pelo próprio instituto - ao desenvolvimento paralelo de pesquisas arqueológicas. Assim se evitaria a destruição de parte importante da História do país. Engajada no projeto por força dessa exigência, a equipe da UFBA não se limita a acompanhar as obras. Ela fundou o Núcleo Avançado de Pesquisas Arqueológicas (Napas), planejado para sobreviver mesmo após o fim das obras.

Em Porto Seguro, a missão da equipe, composta de três pesquisadores, desenvolve-se em duas frentes. Enquanto um arqueólogo acompanha de perto as obras, os demais tentam localizar novos sítios, principalmente por meio de fotografias aéreas e bibliografias. Relatos de viajantes, por exemplo, podem conter informações preciosas. Através de uma crônica de época os pesquisadores encontraram os vestígios do engenho de açúcar do início do século XVI. Também foram descobertos sinais de um antigo povoado, Juacema, que portugueses habitaram por cerca de 40 anos, em meados daquele século, até ser expulsos por índios. O interessante é que o lugar, hoje uma fazenda, preservou o nome do antigo povoado. Entrevistas com moradores da região também se têm mostrado úteis. A antiga missão jesuítica de Vale Verde foi resgatada dessa forma. Embora desativada no final do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas ela voltou a se formar como distrito, onde hoje algumas casas conservam os traços coloniais de antigas moradias rurais.


  

Nos últimos três anos, os arqueólogos vêm colecionando
indícios de contato entre índios e brancos em diversos
locais. Por causa desses achados, a estrada em



Jogo de paciência
A reconstituição de peças quebradas é um dos desafios dos pesquisadores, cujo trabalho ainda deve se estender pelos próximos dois anos com o apoio de outros especialistas
construção que liga Porto Seguro a
construção que liga Porto Seguro a Arraial
d'Ajuda teve de sofrer três
desvios. "Só nesse caminho
encontramos oito sítios
arqueológicos, a maioria com
material pré-colonial e europeu", diz
o pesquisador Luiz Viva, que se
transferiu para Porto Seguro no
início do projeto. Ainda na parte alta
da cidade, em um jardim de pouco
mais de 20 metros quadrados situado
nos fundos de uma casa, foram
detectadas pistas de cinco séculos
de ocupação. Acondicionado em 200
caixas, o material recolhido inclui
desde objetos dos índios tupi-
guaranis até faiança inglesa do século XIX.

Certos de que os 70 sítios localizados não esgotam todo o potencial arqueológico da região, os pesquisadores devem prosseguir com as escavações e buscas por mais dois anos. Feito o mapeamento detalhado da região, a pesquisa passará para a segunda fase. Com o apoio de um sólido banco de dados, será a hora de aprofundar o conhecimento de sítios específicos. Essa pesquisa trará novas luzes sobre os hábitos dos primeiros brasileiros encontrados pelos colonizadores.

Luciana Pinsky, de Porto Seguro

Fotos: La Costa/Época Márcio Lima/Época


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