29 de julho de 2017

Catingueira,


Cidade, Casa e Igreja: sobre Catingueira,
seus adultos e suas crianças1


Flávia Ferreira Pires

Conta-se que, em finais do século XIX, o vilarejo que se constituía às margens de
um pé de catingueira2, dando repouso aos viajantes e comerciantes de passagem
entre as cidades de Piancó e Patos (Paraíba), foi salvo de uma peste de cólera,
através de uma promessa, pelas graças de São Sebastião. Ao santo é atribuído
o dom de exterminar a fome, a peste e a guerra. São Sebastião cumpriu a sua
parte na promessa: ninguém adoeceu no vilarejo3. O pagamento da promessa
compreendia a construção de uma capela e a doação ao santo de todo o lugarejo
que, hoje, compreende parte da Serra da Catingueira4, da cidade e da área rural.
Para saldar a dívida da promessa, foi preciso unir quatro famílias distintas que
doaram parte de suas propriedades ao santo, o que posteriormente constituiria a
cidade5. Assim, juridicamente, todos os terrenos da cidade se tornaram propriedade
do santo. Ainda hoje, a maioria dos terrenos na cidade pertence ao “Patrimônio
de São Sebastião”. Quem mora nos terrenos do santo paga uma quantia anual à
igreja, chamada foro, uma espécie de aluguel pelo uso da terra. O pagamento do
foro é calculado a partir da extensão frontal do terreno. A cada metro, paga-se R$
1 por ano (pelo menos desde o ano 2000 até 2005). Os moradores que desejam ser
donos do terreno onde construíram as suas casas podem negociá-lo, dependendo
da política adotada pelo bispo6.
Além da igreja católica, na cidade há também um centro espírita de linha
kardecista e três igrejas evangélicas, dentre as quais a Assembléia de Deus é a mais
antiga e com maior número de fiéis. Para completar o quadro religioso evangélico
temos, por fim, as igrejas Seguidores de Cristo e Pentecostal do Evangelho Amor
de Deus7. Na cidade de Catingueira, apesar da presença do protestantismo e do
espiritismo kardecista, o catolicismo é a religião predominante. Como se vê, a
própria constituição da cidade está ligada ao catolicismo e à fé em um santo. Neste
contexto, descrevi alhures que o santo padroeiro é um mediador entre as religiões
representadas8.
Quanto à localização geográfica, a cidade de Catingueira situa-se na região
do semi-árido nordestino, no chamado Vale do Piancó, na parte oeste do Estado
da Paraíba. Catingueira é um município onde estima-se que metade da população
viva na área rural. Essa população dos “sítios” (zona rural) vive basicamente do
plantio em pequena escala do milho e do feijão, ambos para a subsistência e para o comércio de excedentes,
embora muitas famílias que vivem na cidade também contem com a colheita do seu roçado para garantir a
sobrevivência. Dependendo da localização do sítio, pode-se plantar também arroz, que “gosta” de terrenos
alagáveis, chamados de “baixios”. Além disso, algumas famílias cultivam também a batata doce, a macaxeira
e o maxixe em menor escala. O cultivo de frutas não é tradicionalmente popular. O plantio e a colheita seguem
o calendário das chuvas, o chamado inverno, que normalmente tem início em janeiro, com as celebrações em
honra de São Sebastião, e finda em junho, com as celebrações de São João, São Pedro e Santo Antônio. Em
Catingueira não se utiliza irrigação na agricultura, apesar de não faltar água na cidade desde a construção do
Açude dos Cegos, na década de 1990. As famílias que vivem em propriedades de terceiros plantam no sistema
de terça parte ou meia. Quando o “ano é bom”, isto é, quando há excedentes – geralmente o milho e o feijão –
eles são vendidos (ou trocados) ao longo do ano para a compra de outros gêneros de primeira necessidade. As
famílias geralmente criam animais, como galinhas, bode, porco e jumento. Na cidade, criar animais de pequeno
e médio portes é, basicamente, tarefa feminina. Criam também gado, porém em escala bem reduzida, já que, na
estação da seca, falta-lhe alimento, devido aos pastos ficarem ressequidos. É considerado um bom negócio criar
o gado no inverno (estação das chuvas) e vendê-lo ainda gordo quando estas começam a escassear, no início
do verão (estação da seca). Na seca, o preço do gado cai drasticamente, assim como seu peso.
Na cidade, as famílias vivem basicamente dos benefícios do governo federal (bolsas e aposentadorias),
de alguma plantação ou criação de seu roçado ou muro (terreiro, quintal) ou, quando possuem, de um emprego
na prefeitura. Comenta-se na cidade que hoje em dia ninguém mais quer trabalhar nas roças, porque o serviço
é considerado pesado e difícil. Com isso, cada dia mais famílias vão morar na cidade, criando um problema
econômico e social, dado o enorme déficit de empregos. O raciocínio é o seguinte: ‘Bem ou mal, no sítio a pessoa
pode plantar um feijãozinho e a alimentação da família fica garantida. Na cidade, a pessoa não encontra trabalho
e não tem nem como alimentar os filhos’. Infelizmente, não posso confirmar com dados estatísticos este êxodo
rural. Porém, “conseguir” um emprego na prefeitura é uma grande aspiração da maior parte da população. O
emprego na prefeitura é altamente valorizado pela estabilidade que implica. Estabilidade é entendida como a
certeza de receber aquele salário no final do mês, o que possibilita, por exemplo, o planejamento da compra
de bens duráveis. Mas é interessante constatar que esta reconhecida estabilidade é compatível com o fato de
que a cada novo prefeito ocorrem mudanças drásticas no quadro de funcionários, os quais são substituídos em
função dos laços de amizade ou parentesco com o candidato a prefeito vitorioso. A necessidade de trabalhar na
prefeitura, já que não há na cidade outros empregadores – senão as vendas e os bares (que geralmente utilizam
mão de obra familiar) – cria relações de co-dependência entre os políticos e a população9. A prefeitura, por sua
vez, sustenta-se financeiramente através do dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios e do Imposto
Territorial Rural. Na cidade, não há fábricas ou indústrias.
Alguns meninos complementam o orçamento familiar fazendo pequenos serviços, como capinagem de
terrenos, venda de picolé (conhecido alhures como sacolé ou chup-chup) ou costurando bolas (para uma fábrica
em Patos que paga R$ 1,50 por unidade costurada – julho de 2004). As meninas geralmente não são pagas pelos
serviços que executam, uma vez que estes estão inseridos nas atividades domésticas cotidianas.

Quanto aos benefícios do governo federal, a Bolsa Família compreende o Fome Zero, no valor de R$ 50; a
Bolsa Escola, no valor de R$ 15 por criança cadastrada e o Vale Gás, de R$ 15. Além destes benefícios, Catingueira
conta com o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), com duzentas crianças cadastradas recebendo
mensalmente R$ 25, e com o Agente Jovem, com vinte e cinco jovens cadastrados, recebendo mensalmente R$
65. Há ainda o Programa Leite da Paraíba, com cento e cinqüenta famílias cadastradas, que recebem diariamente
um litro de leite. E, por fim, o Auxílio à Natalidade no valor de R$ 1.400 por nascituro. Já em 2002, os benefícios
do governo federal geravam discussões substanciais na comunidade (Pires 2003:99-100). As aposentadorias
como trabalhador rural levantam uma questão sociológica interessante, na medida em que se entende que o
indivíduo que não possui sua própria terra depende de um “patrão” para assinar os papéis da sua aposentadoria.
Entre o proprietário de terras que assina a papelada e o trabalhador será estabelecido um vínculo, que pode ser
reavivado, por exemplo, em momentos de eleições, ou quando o proprietário de terras precisa de uma “ajuda”
de qualquer natureza (capinar um terreno, limpar a casa etc.), ficando aquele trabalhador e a sua família para
sempre “endividados”. O ato de assinar os papéis é tido como prova da bondade do proprietário de terras – à
qual o trabalhador responde com gratidão (Mauss 1974 [1923-24]). No entanto, ultimamente algumas pessoas têm
conseguido a aposentadoria através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais sediado na cidade de Catingueira.
Segundo dados do Censo do ano de 2007, Catingueira conta com 4.849 habitantes em uma área territorial
de 529,46 Km². Aproximadamente metade da população vive na área rural, enquanto a outra metade vive na
cidade. A faixa etária com o maior número de habitante está concentrada dos dez aos catorze anos, com 667
habitantes. Dentre as pessoas residentes com dez anos ou mais de idade, 2.222 habitantes não contam com
nenhum rendimento (rendimento nominal mensal), sendo o rendimento nominal mensal médio R$ 220,85 entre
as pessoas residentes com dez anos ou mais de idade, com rendimento.
O Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2003 foi de R$ 12.662.829, contabilizando um PIB per capita de
R$ 2.772,07 de acordo com o IBGE. Ainda, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de acordo com o PNUD
2000 era de 0,555. Sobre as finanças públicas, em 2003, as receitas orçamentárias realizadas computavam R$
2.611.909,84. Destes R$ 2.012.508,34 eram oriundos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e R$ 4.159,56
oriundos do Imposto Territorial Rural (ITR). Em 2004, houve 1.180 matrículas no ensino fundamental, e em 2004
havia 56 docentes no ensino fundamental. Em 2006, Catingueira contava com 3.566 eleitores10.
Os dados estatísticos podem auxiliar o leitor a imaginar a realidade social da Catingueira; no entanto, é
preciso ressaltar que os dados aqui expostos só podem ser completamente entendidos quando referidos às
especificidades locais como, por exemplo, o alto poder de compra do salário mínimo. Em outra oportunidade,
escrevi que as famílias que contam com dois salários mínimos são consideradas ricas, o que se evidencia, por
exemplo, no fato de que podem se dar ao luxo de comer carne (ou a “mistura”, ou seja, ovos e carne) todos os
dias, no almoço e no jantar (Pires 2003: 99).
Para descrever como a vida em Catingueira se move no tempo e no espaço, não poderia deixar de incluir
o calendário das festas e de descrever os horários seguidos pela população. A festa do Padroeiro em janeiro e
a festa de João Pedro (São João e São Pedro comemorados simultaneamente), em junho, são eventos muito
significativos. Em grande medida, a cidade vive da memória destas festas. Os comentários das festas passadas duram até que chegue a próxima. A festa é o momento de criar ou reavivar os laços sociais, entre eles os de
parentesco e os de amizade. Também é o tempo das alianças políticas e econômicas. As festas são, em princípio,
religiosas, mas ultrapassam as comemorações estritamente religiosas, apesar de nunca prescindirem delas11.
Há, geralmente, bandas de forró que tocam em praça pública ou bailes na quadra de esportes, onde se cobra um
ingresso na entrada12. Freqüentam as festas tanto a população local e das cidades vizinhas, quanto os chamados
“filhos-ausentes”, isto é, pessoas que nasceram na cidade, emigraram por razões econômicas e, segundo os
catingueirenses, acabaram por “enricar” (Pires 2003, 2004).
Catingueira acorda cedo, ao raiar do sol, entre as quatro e seis horas da manhã. Quem levanta tarde
(depois das sete horas) é considerado preguiçoso. A partir das cinco horas, as pessoas que vão fazer compras
em Patos ou viajar aparecem na praça para conseguir lugar nas primeiras viagens das caminhonetas – que fazem
o transporte de passageiros pelas cidades vizinhas13. Das cinco até as sete horas da manhã, pequenos grupos
de três ou quatro homens sentam-se na praça, batendo papo, enquanto suas mulheres varrem a calçada ou
preparam o café. A cidade vive uma espécie de efervescência às oito horas da manhã, quando a agência dos
Correios e a casa lotérica abrem suas portas. Entretanto, entre as onze e quinze horas, a cidade é quase deserta.
Só se movem os grupos de estudantes indo e voltando dos colégios. O restante da população está dentro de
casa, almoçando, descansando, tirando uma soneca ou vendo TV. Só depois das dezesseis horas, quando o
sol abranda seu calor, a cidade movimenta-se novamente. Ao cair da noite, salpicam cadeiras de balanço nas
calçadas. A praça movimenta-se outra vez com grupos de jovens conversando e casais namorando. Por volta das
vinte e uma horas, a praça começa a esvaziar, mas perto das vinte e duas horas e trinta minutos se movimenta
novamente, com os estudantes que deixam o colégio. Exceto por alguns bares que ainda estão abertos, à meia
noite parece que toda a cidade dorme.
Faz parte dos ritmos sociais catingueirenses o localmente chamado “tempo da política, sobre o qual
Moacir Palmeira (1996, 2001) e Palmeira & Heredia (1995, 1997) discorreram demoradamente. “A política está
chegando” é frase que remete ao tempo social em que todas as conversas começam ou terminam falando dos
candidatos, em que não há silêncio possível devido aos carros de propaganda, em que, enfim, todas as pessoas
estão envolvidas no reavivamento, destruição ou construção de novas alianças políticas. Gostaria de assinalar
que as crianças também estão incluídas no “tempo da política” de maneira ativa e efetiva.
Em 2005, durante o meu trabalho de campo, subi a Serra da Catingueira, com mais ou menos umas
quinze crianças. A subida da Serra pode ser levada a cabo basicamente com o intuito de pagar promessa ou por
diversão (mais informações sobre a Serra serão fornecidas adiante). Naquele dia, na descida da Serra, não me
senti bem. As crianças perceberam que algo estava errado, mas não sabiam o quê. De minha parte, não queria
compartilhar a causa da minha “fraqueza” porque, naquele momento, eu era a responsável por elas. Coincidiu que,
na descida da Serra, elas vinham cantando as músicas dos seus candidatos prediletos. Havia ‘eleitor’ para todos
os candidatos, o que incentivava a competição entre as crianças na forma de brincadeiras jocosas. Aconteceu
que, um dia depois da subida da Serra, um grupo de crianças – as que cantavam mais exaltadas as músicas da
“política” – veio até a minha casa pedir-me desculpas. Meu mau humor, pensavam elas, era devido à cantoria
entusiasmada da música de um determinado candidato a prefeito que, por sua vez, não correspondia, segundo elas, à minha opção de voto! Com isso, vê-se que as crianças também estão fazendo suas escolhas políticas e,
ao mesmo tempo, têm um aguçado faro para as opções alheias. Para mais um exemplo de como as crianças
envolvem-se na política, R., menina de treze anos, cujo padrinho “Zé Pelado” era candidato a vereador, inventou
o seguinte lema para incentivar a sua campanha: “Rim por rim vote no meu padim!”. “Rim” é a expressão oral de
“ruim”, assim como “padim” corresponde a “padrinho”. O lema da menina, para além de seu sentido humorístico,
tece uma crítica social aos políticos de modo geral. Para ela, todos os políticos são ruins. Ela adverte: se é assim,
opte por alguém que você conheça. Sua mensagem é clara: dada a atual conjuntura, em que nenhum político é
confiável, vote no meu padrinho, porque este, eu conheço.
De todas as crianças que desenharam14 em quem elas votariam, apenas uma delas, de seis anos de idade,
relutou entre dois candidatos a prefeito. Todas as outras crianças tinham feito previamente as suas opções entre os
candidatos daquele ano e as sustentavam com energia. Estas opções geralmente coincidem com as dos seus pais,
mas nem sempre. Quando perguntadas as razões para votar em determinado candidato, as crianças enfatizavam, em
primeiro lugar, algum grau de parentesco. Se não há nenhum grau de parentesco, um bom candidato é aquele que “dá
as coisas ao povo”; em outras palavras, aquele que não nega ajuda. A ajuda pode ser endereçada à comunidade de
modo geral, como na redação de L.12.F15: “Eu gosto da dona Zuila porque ela dá muitas coisas aos pobres, dá ajuda
a quem precisa (...) Ela dá feira de material escolar, dá material de construção de casa”. Mas, muito constantemente, a
ajuda é pessoal e especificamente direcionada à família daquela criança. R.12.F escreve: “Se eu fosse votar, eu votaria
em Edivan. Porque ele vai fazer a casa da minha mãe. Se eu fosse votar para vereador, eu votaria em Dr. Humberto,
porque ele conseguiu a aposentadoria da minha mãe”. A.11.F sintetiza bem as duas grandes razões para se votar em
um candidato, quais sejam, ligação de parentesco e generosidade por parte do candidato: “Para prefeito (...) eu voto
em Edivan porque, a primeira coisa (...) ele é nosso primo e já ajudou muito a nossa família”.
Razões para não votar em um candidato vão de uma simples antipatia pessoal a promessas não cumpridas,
mas a principal razão é a falta de “generosidade” para com o povo. S.12.F escreveu: “Eu não gosto dela [uma
candidata à prefeitura] porque um dia vó foi pedir não sei o quê, aí ela disse que não dava. Aí vó e mãe não votam
nela. Ela é muito falsa. Como ela quer que alguém vote nela? Ela não fez nada para ninguém. Eu acho que quando
ela era do lado do Dão [ex-prefeito], não dava nada para ninguém, nem um centavo”. Esclareço que os bens que
os candidatos distribuem através de critérios seletivos são, na verdade, bens de natureza pública – dentre os
quais podem estar incluídos uma viagem da ambulância da prefeitura para levar uma criança doente até o hospital
em Patos, a inscrição em um programa de benefício do governo federal como o Bolsa Escola ou, inclusive, a
facilitação da aposentadoria como trabalhador da agricultura. G.7.F escreveu: “Eu voto nele porque foi ele que
deu óculos de mãe, e porque ele deu a chapa de mãe” (chapa é o mesmo que dentadura). Ou ainda T.9.F: “Eu não
gosto do Edivan porque ele, em vez de dá o dinheiro aos pobres, ele faz festa”. Parece-me que o político bom
é político da família e, além disso, é aquele que distribui dinheiro ao povo. Isso até uma criança de seis anos de
idade já sabe. C.6.F., ainda elaborando que tipo de bem participa neste “jogo da generosidade”, escreveu: “Eu
votaria nele porque ele é meu pai. E também quando ele recebe dinheiro, ele me dá um real. Quando ele promete
que dá qualquer coisa a mim, ele cumpre”. Interessante ressaltar, por último, que as razões para a escolha de um
determinado candidato político, segundo as crianças, parecem não diferir daquelas dos adultos.

Quanto à geografia interna, a Rua da Cerâmica é o lado escuro e, podemos assim dizer, criminoso da cidade.
Curiosamente, é a rua tida como a mais pobre, com o maior número de casas de taipa. Ali não há iluminação
pública, calçamento ou rede de esgoto. Em geral, as pessoas têm vergonha ao dizer que moram naquela rua.
Como as casas são distantes uma das outras, na escuridão da noite, a Rua da Cerâmica torna-se “perigosa”. Certa
noite, passei naquela rua com um jovem amigo e vimos um carro com o porta-malas aberto estacionado um
pouco além da estrada de terra, dentro do “mato”. Meu amigo ficou muito preocupado e pediu que acelerasse o
carro, com medo de que se tratasse de assaltantes ou vendedores/consumidores de drogas. Quando chegamos à
cidade, ele foi direto para a delegacia avisar aos policiais do fato. Os policiais checaram o que estava acontecendo,
reportando ao meu amigo, com um sorriso malicioso nos lábios, tratar-se de um morador da Rua da Cerâmica
com a sua namorada. O porta-malas aberto tinha como objetivo simular uma pane mecânica do carro16.
A Rua do Açude é também tida como pobre, mas goza de reputação festeira – talvez por sua proximidade
com o açude, ponto de lazer para rapazes e moças mais “atiradas”. Ali, beber é uma constante, e namorar, também.
A Rua do Olho d´Água já foi considerada o “fim do mundo”, mas hoje, com a construção de várias “casas boas”
(julgamento êmico que se refere, dentre outras coisas, ao fato de ter sido usado tijolo na sua construção), é tida
como um lugar bom de se morar. Apesar de não ser central, é perto do olho d´água. Uma rua silenciosa não é
uma rua considerada boa de se morar, porque ela seria uma rua “esquisita”. Em Catingueira, quando a cidade
está parada, isto é, quando não há nenhum tipo de som ligado, diz-se que a cidade ou o dia está “esquisita(o)”.
Estar esquisito significa estar silencioso, o que não é considerado agradável. Muitas pessoas reclamam de morar
no sítio justamente porque “no sítio é muito esquisito”. Com isso, podemos começar a entender o que sempre
me causou muita estranheza durante os meses em que vivi na cidade. O volume da música que se ouve em
Catingueira, seja nos bares, casas ou alto-falantes dos carros é altíssimo, especialmente nas festas. No entanto,
as pessoas não parecem se incomodar em absoluto. É natural que os jovens gostem do barulho, mas nunca
consegui encontrar ninguém da cidade, por mais idoso que fosse, que preferisse o som desligado. As pessoas
parecem simplesmente não se incomodar ou, eu diria, parecem até mesmo gostar do som alto. Isso só pode ser
entendido, mesmo que parcialmente, se pensarmos na categoria nativa “esquisito”, que foi apresentada acima.
O silêncio é esquisito e indica alguma coisa que está parada no tempo e no espaço. Não se desenvolve, não
cresce, não gera dinheiro. Parece que a música – e quanto mais alta melhor – é um signo do progresso, que vem
em forma de alegria e conseqüente bebedeira, festa, dança. Posso dar um exemplo: o Coreto, um bar na região
central, geralmente fica com as portas fechadas em dias de semana. Mas quando a prefeitura faz o pagamento, ou
quando os rapazes que vendem sapatos pelas cidades voltam a Catingueira, o Coreto sempre abre suas portas.
Não importa qual seja o dia da semana. E, de Coreto aberto, subentende-se música tocando17.

O Alto é um conjunto de ruas sem urbanização, iluminação ou rede de esgoto. Como a Rua da Cerâmica,
é tido como lugar de gente pobre, mas sua particularidade é ser lugar de muita confusão e brigas. No entanto, é
preferível morar no Alto que na Rua da Cerâmica – considerada erma e, por isso, como já afirmei, perigosa. Ali, ao
contrário da Rua da Cerâmica, há uma grande concentração de casas, o que desestimula as atividades ilícitas, ao
mesmo tempo em que estimula as brigas familiares e entre os vizinhos. A Pista é o lugar onde está a prefeitura,
os postos de saúde, a padaria e os maiores bares. É por onde passam o ônibus e as caminhonetas que fazem o
transporte de passageiros e cargas. Pela Pista, a cidade recebe os visitantes – entre eles, os “filhos-ausentes”. É
perto do Coreto, na região central, que acontecem as festas públicas. No centro da cidade (também chamado “a
rua” – ver nota 16 – ou “a cidade”) está a igreja Católica e, à sua volta, uma praça. O prestígio da localização das
residências é medido, em parte, pela sua distância em relação à igreja Católica. O Centro Espírita está localizado
em uma rua periférica próxima ao centro. A igreja Assembléia de Deus está localizada no caminho para o Açude
do Prefeito, distante do centro, enquanto a igreja do Evangelho do Amor de Deus fica na mesma rua da igreja
Católica. E, finalmente, a igreja Seguidores de Cristo fica localizada na Rua da Cerâmica.
O Açude dos Cegos abastece a cidade de Catingueira e todas as cidades vizinhas. Além disso, é usado
para lazer, pescaria e irrigação das terras próximas. O Açude do Prefeito, por sua proximidade com a cidade,
é usado para lavar roupa, cavalos, jegues, carros e para o lazer masculino, especialmente infantil. Catingueira
conta com quatrocentas e vinte propriedades rurais chamadas de “sítios” (informação do Incra com base em
Catingueira referente ao ano de 2005). “Ser do sítio” – não importa qual –, em oposição a morar na cidade, é tido
como marca indelével e justificativa para o fracasso ou a estupidez. Se um menino do sítio tem dificuldades em
aprender a ler, sua professora dirá: “Ah, é do sítio”, lavando suas mãos.
A Serra da Catingueira também faz parte do painel geográfico da cidade. Ela é cantada nos versões de
Inácio da Catingueira, nas músicas do grupo O Cordel do Fogo Encantado18 e na saudade dos catingueirenses.
Inácio da Catingueira é considerado um dos maiores repentistas de toda a história. Ele nasceu em uma fazenda
na região onde hoje fica Catingueira. Era negro, escravo e analfabeto mas, com sua astúcia e inteligência, foi
capaz de derrotar Romano do Teixeira, repentista também afamado, porém branco, livre e formalmente educado.
A peleja entre os dois cantadores teria durado oito dias e oito noites sem intervalos (Nunes 1979:19; Sátyro
1979:129). O “gênio negro do sertão” morreu no ano de 1879 (Nunes 1979:15). Os catingueirenses exaltam o
nome de Inácio e a sua ligação com aquela terra sempre que é preciso afirmar as particularidades da sua gente.
Na praça da cidade, há uma estátua de Inácio em tamanho natural com o seu pandeiro na mão – instrumento
pouco usual nos repentes naqueles tempos.
Na Serra, foram instalados dois cruzeiros. Um em homenagem a São Sebastião, no alto da Serra, e outro,
no meio, em homenagem a Santo Antônio. No Cruzeiro de São Sebastião há uma “casinha” de tijolos, onde são
deixados ex-votos e acendem-se velas. Subir a Serra é um divertimento para a população jovem, principalmente
na época da festa do padroeiro. Os grupos geralmente sobem a Serra ao nascer do dia, por volta das quatro ou
cinco horas, para não se expor ao sol muito forte. Geralmente, vão munidos de bebida alcoólica e comida – a
farofa/cuscuz com galinha é altamente apreciada. Os rapazes e as moças, muitas vezes, depois de passarem a
noite no baile, sobem a Serra quando a “barra do dia” começa a aparecer. Cansados, descansam tirando uma
soneca no alto da Serra, onde é sempre “frio”, em virtude do vento. Nos meses de chuva, a chamada Cachoeira
da Mãe Luzia fica cheia de água, propiciando deliciosos banhos em dias quentes. A chamada “Mãe Luzia” é um
poço de pedras que fica desoladamente vazio em tempo de seca. Mas quando chove, todos os pocinhos se
enchem, fazendo a festa de quem sobe a Serra. Quando o poço da Mãe Luzia está muito cheio, ele “sangra”, ou
transborda, donde o nome de cachoeira. Diz-se que Mãe Luzia era uma mulher que morava no alto da Serra e,
um dia, estava lavando roupa naquele poço quando foi comida por uma onça19.

Os locais, muito constantemente, quando sobem a Serra, levam fogos de artifício para soltar quando
alcançam o seu cume. Os fogos de artifício atestam o grande feito e, ao mesmo tempo, dão graças a São
Sebastião. Se as pessoas escutam fogos de artifício pela manhã, elas dirigem o olhar para o alto da Serra,
tentando identificar quem está a soltar aqueles “foquetões” para santo. Muitas vezes, elas sabem quem está lá
em cima porque a notícia de que um grupo vai subir a Serra na manhã seguinte corre ligeira. Também sobem
constantemente a Serra, com seus cachorros bravios, os caçadores. Nela, encontram alimento para o consumo
familiar ou para o comércio. Há ainda famílias que moram na Serra, vivendo da extração e venda de pedras e,
durante o inverno, da agricultura. Os membros destas famílias são acostumados a subir a Serra com rapidez
e, mesmo com a dificuldade, geralmente as crianças não deixam de freqüentar a escola. Demora-se em média
uma hora e trinta minutos para a subida e uma hora para a descida, em ritmo moderado. Subir a Serra, enfim, é
tido como um grande feito, recordação para a vida toda, atividade para jovens ou para quem se endividou com o
santo e precisa pagar promessa. Na Serra também está localizada a Furna, uma caverna da qual nunca ninguém
conseguiu alcançar o fim; os que tentaram, diz-se que ou desistiram, ou nunca mais voltaram. Para entrar na
Furna, o sujeito deve estar sem pecado, e levar consigo uma vela benta, que será a única fonte de luz capaz de
iluminar a escuridão da mesma. Lanternas, por mais que já tenham sido experimentadas, nunca resistem e se
queimam inexplicavelmente. O sujeito que quiser atingir o fundo da Furna, lugar onde o aguardará uma série de
surpresas − inclusive, possivelmente, o Carneiro de Ouro20 (ver Pires 2007) −, deve usar uma corda de grande
extensão a fim de não se perder no interior da caverna. Um grupo de amigos deve ficar na parte exterior segurando
a corda, a fim de puxá-la, em caso de necessidade. Além disso, a Furna é habitada por imensas quantidades de
morcegos e outras criaturas que se valem da escuridão, como os mal-assombros, cobras e onças − sem falar
que, à medida que o sujeito vai adentrando, a Furna vai se tornando cada vez mais estreita, chegando ao ponto
de o sujeito ter que se locomover arrastando-se.

CONCLUSÕES

Neste artigo descrevi brevemente alguns aspectos relevantes da vida social de Catingueira. Esta cidade é
tida aqui como um lócus de observação científica. O Nordeste Brasileiro, quiçá o país, é formado por muitas
“catingueiras”: cidades tradicionalmente campesinas, mas cuja população divide-se entre as áreas rural e urbana,
entre o desejo de emigrar para as grandes cidades e o desejo de possuir o seu pedaço de terra. Cidades pequenas
que dependem economicamente do Fundo de Participação dos Municípios para arcar com as suas despesas
básicas, como a folha de pagamento da prefeitura. Cidades que sofrem com a estiagem. Lutam contra altas taxas
de analfabetismo, contra a desnutrição e a subnutrição, e toda sorte de problemas decorrentes destas. Cidades
que oferecem poucas perspectivas de crescimento econômico aos seus habitantes, que muitas vezes optam
por emigrar para conseguirem melhorar de vida. Como se não bastasse, cidades que, como Catingueira, têm os
seus políticos envolvidos em escândalos de corrupção de nível nacional.
Cidade, Casa e Igreja



Conhecer os ritmos e as instituições sociais da cidade pesquisada e ser capaz de descrevê-los faz parte
do ofício do antropólogo. Neste pequeno artigo, talvez por demais descritivo, tenho como objetivo compartilhar
algumas observações feitas ao longo dos anos de pesquisa nesta cidadezinha do sertão paraibano. O artigo pode
servir de ponto de partida para o desenvolvimento de outras pesquisas: como mapeamento geral de uma região
no cenário brasileiro e como incentivo para futuros desdobramentos teóricos e pragmáticos. Como vimos, o que
não falta é tema a ser aprofundado. Alguns deles podem ser enumerados: a política local e suas implicações com
o chamado coronelismo; a geografia social da cidade e suas implicações sócio-econômicas; o lugar da igreja
católica e a dinâmica do sagrado; as festas e sua capacidade de deflagrar conflitos e soluções para problemas
de toda sorte; e a recepção e os desdobramentos trazidos pela introdução de políticas de distribuição de renda
na região.

Notas

1 Este artigo é uma reelaboração do segundo capítulo da minha tese de doutorado defendida em 2007 no Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, cujo título é “Quem tem Medo de Mal-Assombro? Religião e infância no semiárido
nordestino”. Agradeço aos membros da banca pelas suas preciosas considerações.
2 Caesalpinia pyramidalis Tul. “É uma arvoreta com até 4 m de altura. Folhas bipinadas com 5-11 folíolos, sésseis, alternos, obtusos, oblongos.
Flores amarelas dispostas em racemos pouco maiores ou tão longos quanto as folhas. Vagem achatada de cor escura. Madeira para
lenha, carvão e estacas. É uma das plantas sertanejas cujas gemas brotam às primeiras manifestações de umidade anunciadoras do
período das chuvas. Então o gado procura as suas folhinhas com avidez, para pouco depois desprezá-las devido ao cheiro desagradável
que adquirem ao crescer. As folhas, as flores e a casca são usadas no tratamento das infecções catarrais e nas diarréias e disenterias. É
uma planta característica das catingas” (http://www.esam.br/zoobotanico/vegetais/catingueira.htm. Acesso em 21 de julho de 2005).
3 São Sebastiãozinho é o nome dado à pequena imagem adquirida como primeira imagem do santo padroeiro na época da promessa
inicial. Ela ainda hoje permanece na igreja. Durante a festa do padroeiro, esta imagem peregrina pelas casas dos fiéis, pernoitando a
cada noite na casa de um devoto. Durante as celebrações das missas, ela fica em um lugar privilegiado. Além disso, nas procissões
é ela que trafega pelas ruas, sustentada pelo povo. Esta imagem, por estar tão presente na vida daqueles que participam da festa
religiosa, adquiriu uma conotação humana. Mesmo tendo sido feita de um material perecível, ela é tida como um ente poderoso,
capaz de realizar milagres. Por isso, ao se referir a ela, não se diz a imagem de São Sebastião, se diz o próprio São Sebastião. E em
se tratando da primeira imagem adquirida, “São Sebastiãozinho”, não se trata da encarnação no barro de uma entidade exterior a
ele, mas de um barro tornado santo. O hino de São Sebastião, cantado nas missas e novenas durante a festa de janeiro, revela a
esperança no santo, já testada e comprovada na promessa inicial: “Livrai-nos da peste, São Sebastião” (Pires 2003:24). A imagem
do santo pode ser entendida como um “feitiche”, no termos de Latour (2000, 2002 [1996]; vide também Velho 2005).
4 A Serra da Catingueira, chamada localmente apenas de “Serra”, é local de pagamento de promessas e é tida como embelezadora
da paisagem da cidade; abriga dois cruzeiros, moradores e plantações. Falaremos mais sobre a Serra e sua importância para a
cidade no decorrer deste artigo.
5 A cidade mudou de nome várias vezes. Este processo parece ter se verificado também em outras cidades, como analisa Otávio
Velho (1981 [1972]). Pela lei n.º 836, de 9 setembro de 1887, o lugarejo que se constituía recebeu o nome de São Sebastião da
Catingueira, em virtude do milagre alcançado. Pelo decreto n.º 27, de 23 de julho de 1890, o lugarejo se tornou Jucá. Em 1933, pelo
decreto n.º 400, o povoado se transformou em distrito, também sob o nome de Jucá. Em 15 de novembro de 1938, o distrito teve
sua mais antiga denominação reimplantada. Tornou-se município pela lei n.º 2144, de 15 de julho de 1959.
6 Veja extrato de entrevista com uma moradora no ano de 2002 sobre a promessa inicial (Pires 2003: 26):
“- F.P. (Flávia Pires): Aqui eles falam que a cidade nasceu de uma promessa, a senhora sabe contar? (...)
- Sebastiana: (...) conta assim, né, que foi uma doença que houve na Catingueira aqui, né, parece que o nome era cólera... É, eu sei que deu
essa doença, e inventaram de fazer essa promessa, que São Sebastião protegesse pra num chegar até a Catingueira e diz-se que trocava
São Sebastião e fazia uma capela, e de fato, fizeram mesmo. E num chegou aqui não, veio até a Mina do Ouro, e o povo contava, né”.
Veja também extrato de entrevista com dois senhores no ano de 2002 sobre o proprietário dos terrenos da cidade (Pires
2003:25):
“- Sebastião: Quer dizer que é o seguinte, a cidade, toda a cidade tem um padroeiro dela, né? Aí quem manda é o padroeiro, aí a
festa é do Padroeiro.
- F.P.: Mas o padroeiro manda em quê?
- Sebastião: Em tudo, nos terrenos....
- José: Essa Serra toda é dele. Aqui, até acolá no açude...
- Sebastião: Se você quer comprar um chão aí você tem que falar com o padre.

ARTIGOS

- José: Com o bispo.
- Sebastião: Fala com o padre aí o padre vai ver e o bispo libera. Senão....
- José: Não compra não.
- F.P.: Nada com a prefeitura não?
- Sebastião: Não, a prefeitura num tem nada. Nada, nada.
- José: Nada com a prefeitura não. A prefeitura só tem o local dela”.
7 Nos anos anteriores a 2005, no lugar onde hoje funciona a Igreja Pentecostal do Evangelho Amor de Deus, funcionava a Igreja
Congregacional. Infelizmente, não observei detalhadamente o processo que culminou com o fim de uma igreja e o estabelecimento
da outra.
8 Além destes templos religiosos, existem na cidade algumas capelas. Uma delas, a Capela do Vaqueiro, é conhecida como malassombrada
(Pires 2007).
9 Há uma vasta literatura que trata do chamado “coronelismo”. Entre os clássicos, ver Leal (1975), Queiroz (1976).
10 “Uma revisão eleitoral feita pelo TRE no município de Catingueira, no sertão paraibano, resultou no cancelamento de 706 títulos
de eleitores fantasmas. No universo de 3.566 eleitores, 2.860 participaram do recadastramento e tiveram os domicílios eleitorais
homologados. A população de Catingueira é de 4.465 habitantes – LKA.” (Fonte: http://jornaldaparaiba.globo.com/poli-4-180606.
html, em 18 de junho de 2006).
Em maio do ano de 2006, o ex-prefeito de Catingueira João Felix de Souza teve a sua prestação de contas do ano de 2004 reprovada
pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, sendo intimado a devolver o valor de R$ 47.800,00 para os cofres públicos. O valor, na
sua maior parte, é referente a despesas não comprovados do INSS (Fonte: http://www.jornalonorte.com.br/noticias/?63304, acesso
em maio de 2006). O mesmo ex-prefeito está sendo investigado pela sua participação na chamada Máfia dos Sanguessugas, no que
se refere ao escândalo das ambulâncias, considerado uma dos maiores esquemas de corrupção já planejados pelos parlamentares
do país. (http://wscom.digivox.com.br/noticias.jsp?pagina=noticia&id=75810&categoria=29, acesso em 26 de julho de 2006).
11 Vide Pierre Sanchis (1983), assim como Lea Perez (1994, 1996, 2002), para belas análises sobre as festas.
12 Existem em funcionamento duas quadras de esportes na cidade. Uma quadra coberta, que fica dentro do colégio municipal, e outra
recentemente construída pela prefeitura, que fica na chamada “pista”, ou seja, na estrada que faz a ligação de Catingueira com
Patos (BR 361). Além disso, há também o campo de futebol (não coberto, não gramado) que faz a diversão da cidade quando há
campeonatos nas tardes de domingo. O futebol é o esporte mais popular na cidade. Com os torneios organizados pela prefeitura,
incentivou-se a organização dos moradores em times, dentre os quais dois são femininos.
13 O transporte, feito de maneira ilegal, utiliza caminhonetas, geralmente compradas com o benefício de isenção de impostos para o
proprietário rural. Na carroceria, são improvisados bancos de madeira para os viajantes. As caminhonetas são, na minha opinião,
uma versão atual do “pau de arara”, afirmação com a qual meus informantes não concordariam, porque vêem neste transporte
algo de moderno e eficiente. Na parte da frente da caminhoneta – onde se viaja com mais conforto – viajam, em princípio, as
pessoas que têm acesso à caminhoneta em primeiro lugar. No entanto, as mulheres e os idosos têm certa preferência. Parece-me,
entretanto, que a possibilidade de viajar nos bancos da frente depende mais da relação que se estabelece com o motorista ou dono
da caminhoneta (que nem sempre coincidem) e, principalmente, do status social daquela pessoa. Entre uma jovem professora da
cidade e um idoso do sítio, a professora sentar-se-ia na frente e o(a) idoso(a) subiria na parte de trás. É preciso acrescentar que
mesmo os que viajam na parte da frente não usam cinto de segurança. Algumas vezes vi as caminhonetas pararem de rodar por
algumas horas em função do conhecimento de uma blitz da Polícia Rodoviária. Para a população, por sua vez, a proliferação das
caminhonetas representa conforto, uma vez que o ônibus (transporte legal) só passa pela cidade de duas a três vezes por dia, em
horários inconvenientes.
14 Na pesquisa que culminou com o meu doutorado trabalhei com técnicas de pesquisa complementares, como os desenhos aqui
citados e as redações citadas adiante. Para maiores informações ver Pires (2007 e em preparação).

ARTIGOS

15 Os informantes são identificados da seguinte forma: iniciais do nome, idade, sexo.
16 Veja o que D. C., uma senhora de aproximadamente sessenta anos, moradora da Rua da Cerâmica, disse: “Às vezes eu num vou
pra igreja porque aí num tem luz, é no escuro, mas o menino botou lâmpada. Tava jogando umas pedras... [Quem?] Quem sabe?
Um malfazejo ruim. Num tá vendo, minha fia, como essa rua aqui como é. Aqui é esquisito, tu num tá vendo não, que é esquisito? É
mesmo que um sítio, menina! Olhe, de primeiro eu falava os povo: ‘Vocês vende tanta as coisas aqui na rua. Na rua da Cerâmica que
a gente é pobre, mas às vezes a gente compra umas coisa. Às vezes passa uma pessoa, tá com precisão a gente compra’. Pense,
menina, aqui num andava ninguém. Aí, agora eles passa” (Pires 2003: 16). Sobre o conceito de “esquisito” ver a nota a seguir.
17 A título de informação, a música que se escuta em Catingueira é, basicamente, o chamado “forró brega”, com o qual as bandas
Calcinha Preta, Cheiro de Menina, Kalipso, Gaviões do Forró, Magníficos, Limão com Mel etc. fazem grande sucesso. Resta dizer
que os carros de som dos candidatos, na época da política, não fugiam à regra do volume excessivo.
18 Ver como exemplo a música “Cordel Estradeiro”.
19 Existe até uma comunidade no site orkut chamada “Já subi a Serra de Catingueira”, atestando a popularidade do passeio.
20 O Carneiro de Ouro é um encantado, que mora na Serra, e que trará riqueza a quem o vir. Alguns dizem que ele mora na Furna, mas
que pode ser visto em todo o alto da Serra pelo reluzir do seu corpo de ouro. Segundo Cascudo (1984: 199), o Carneiro de Ouro é
uma versão do Carneiro Encantado. A lenda do Carneiro Encantado acontecera em Passagem de Santo Antônio, na divisa do Piauí
com o Maranhão, às margens no rio Parnaíba. Um monge missionário que voltava com um saco de esmolas para o convento foi
assassinado. Os ladrões assassinos, arrependidos do sacrilégio, trataram de enterrar ali mesmo o monge junto a todo o dinheiro
roubado. Neste local do enterro, é visto um grande carneiro branco com uma estrela radiante na testa, sinal de que ali se encontra
toda a riqueza. Sá (1913) conta história parecida, que se passa em Campo Maior, no Piauí, na Serra de São Antônio, e que dá origem
ao Carneiro de Ouro. Um grande carneiro de ouro, todo vestido de luz e com uma estrela na testa, tem-se apresentado a algumas
pessoas, às vezes durante o dia, às vezes durante a noite. Dizem que ele berra junto a uma enorme corrente de ferro, como que
indicando que naquele local existem grandes riquezas e grandes encantos. Mas, como uma só pessoa, ou mesmo duas ou três,
não são capazes de carregar o achado precioso, quem o vê volta à vila e reúne todo o povo para buscar o velocino. Chegando,
porém, ao lugar, não encontram mais sequer sinal da corrente ou do carneiro. Dantas (s/d:97-100) conta que, em Serra Talhada,
Pernambuco, na Vila Bela, existe um gruta em cuja entrada aparece um carneiro de ouro de brilho lusco-fusco. Dentro da gruta,
mora uma enorme e apavorante jibóia que não deve ser morta por se tratar de uma linda princesa encantada. Para entrar na gruta,
é preciso ter cuidado com os morcegos e com a jibóia (em hipótese alguma matá-la). Além disso, é imprescindível levar consigo
sete velas bentas por Padre Cícero. Essa versão é citada também por Melo (1930). Vê-se semelhanças entre essas versões e aquela
encontrada em Catingueira.


R E F E R Ê N C IAS B I B L I O G R Á F I CAS

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Cidade, Casa e Igreja: sobre Catingueira, seus adultos e suas crianças

RESUMO

Este é um artigo de caráter descritivo e etnográfico que apresenta a vida cotidiana de uma cidade pequena no
semi-árido da Paraíba. O objetivo é situar a cidade de Catingueira e os catingueirenses, abrangendo breves aspectos
sócio-econômicos, políticos, geográficos, religiosos, estatísticos. Além disso, discuto como as crianças estão
presentes neste contexto, dando destaque às idéias infantis, principalmente no que diz respeito à política.
PALAVRAS-CHAVE: crianças, infância, semi-árido, vida cotidiana.
Church, House and Village: children’s lives in semi-arid Northeast Brazil

ABSTRACT

This is an ethnographic descriptive paper that presents the everyday life in a village in the semi-arid region of
Northeast Brazil. The objective is to situate the people and the village, discussing various aspects of the community
life. Additionally, the paper discusses children’s political ideas and day-to-day lives.

KEY WORDS: children, childhood, Northeast Brazil, everyday life.

Carlos Coimbra da Luz


Carlos Coimbra da Luz

(1894 - 1961)

  Presidente interino da república brasileira (1955) nascido em Três Corações MG, que substituiu João Café Filho durante três dias e foi deposto no bojo de uma crise político-militar. Formado em direito, foi delegado de polícia e promotor público, cargo que abandonou para se dedicar à advocacia e ao jornalismo. Foi eleito deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1945) e ocupou a pasta da Justiça no governo Eurico Gaspar Dutra. Em sua gestão ministerial foram fechados os cassinos e proscrito o Partido Comunista Brasileiro, cujos membros tiveram seus mandatos cassados. Reeleito deputado federal mais quatro vezes, tornou-se presidente da Câmara (1954), tornando-se o substituto legal do presidente em exercício Café Filho que, depois do suicídio de Getúlio Vargas, exercia a presidência. Com o afastamento por motivo de saúde de Café Filho, foi empossado presidente em 8 de novembro, mas no dia 11 foi, juntamente com o presidente licenciado, declarado impedido de continuar na presidência, sob a acusação de participar de uma conspiração para não passar o poder ao presidente eleito, Juscelino Kubitschek, e foi substituído pelo vice-presidente do Senado, Nereu Ramos que apoiado pelo então ministro da Guerra, general Teixeira Lott, garantiu a passagem do poder ao presidente Kubitschek, eleito para o período seguinte. Faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro.
Figura copiada do site oficial da PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA:
https://www.presidencia.gov.br/


Camille Flammarion


Camille Flammarion


Nascido em Montigny- Le-Roy, França, no dia 26 de fevereiro de 1842, e desencarnado em Juvissy no mesmo país, a 4 de junho de 1925.

Flammarion foi um homem cujas obras encheram de luzes o século XIX. Ele era o mais velho de uma família de quatro filhos, entretanto, desde muito jovem se revelaram nele qualidades excepcionais. Queixava- se constantemente que o tempo não lhe deixava fazer um décimo daquilo que planejava. Aos quatro anos de idade já sabia ler, aos quatro e meio sabia escrever e aos cinco já dominava rudimentos de gramática e aritmética. Tornou- se o primeiro aluno da escola onde freqüentava.

Para que ele seguisse a carreira eclesiástica, puseram- no a aprender latim com o vigário Lassalle. Aí Flammarion conheceu o Novo Testamento e a Oratória. Em pouco tempo estava lendo os discursos de Massilon e Bonsuet. O padre Mirbel falou da beleza da ciência e da grandeza da Astronomia e mal sabia que um de seus auxiliares lhe bebia as palavras. Esse auxiliar era Camille Flammarion, aquele que iria ilustrar a letra e a significação galo- romana do seu nome -- Flammarion: "Aquele que leva a luz".

Nas aulas de religião era ensinado que uma só coisa é necessária: "a salvação da alma", e os mestres falavam: "De que serve ao homem conquistar o Universo se acaba perdendo a alma?".

Foi dura a vida dos Flammarions, e Camille compreendeu o mérito de seu pai entregando tudo aos credores. Reconhecia nele o mais belo exemplo de energia e trabalho, entretanto, essa situação levou- o a viver com poucos recursos.

Camille, depois de muito procurar, encontrou serviço de aprendiz de gravador, recebendo como parte do pagamento casa e comida. Comia pouco e mal, dormia numa cama dura, sem o menor conforto; era áspero o trabalho e o patrão exigia que tudo fosse feito com rapidez. Pretendia completar seus estudos, principalmente a matemática, a língua inglesa e o latim. Queria obter o bacharelado e por isso estudava sozinho à noite. Deitava- se tarde e nem sempre tinha vela. Escrevia ao clarão da lua e considerava- se feliz. Apesar de estudar à noite, trabalhava de 15 a 16 horas por dia. Ingressou na Escola de desenho dos frades da Igreja de São Roque, a qual freqüentava todas as quintas- feiras. Naturalmente tinha os domingos livres e tratou de ocupá-los. Nesse dia assistia as conferências feitas pelo abade sobre Astronomia. Em seguida tratou de difundir as associações dos alunos de desenho dos frades de São Roque, todos eles aprendizes residentes nas vizinhanças. Seu objetivo era tratar de ciências, literatura e desenho, o que era um programa um tanto ambicioso.

Aos 16 anos de idade, Camille Flammarion foi presidente da Academia, a qual, ao ser inaugurada, teve como discurso de abertura o tema "As Maravilhas da Natureza". Nessa mesma época escreveu "Cosmogonia Universal", um livro de quinhentas páginas; o irmão, também muito seu amigo, tomou- se livreiro e publicava- lhe os livros. A primeira obra que escreveu foi "O Mundo antes da Aparição dos Homens", o que fez quando tinha apenas 16 anos de idade. Gostava mais da Astronomia do que da Geologia. Assim era sua vida: passar mal, estudar demais, trabalhar em exagero.

Um domingo desmaiou no decorrer da missa, por sinal, um desmaio muito providencial. O doutor Edouvard Fornié foi ver o doente. Em cima da sua cabeceira estava um manuscrito do livro "Cosmologia Universal". Após ver a obra, achou que Camille merecia posição melhor. Prometeu- lhe, então, colocá-lo no Observatório, como aluno de Astronomia. Entrando para o Observatório de Paris, do qual era diretor Levèrrier, muito sofreu com as impertinências e perseguições desse diretor, que não podia conceber a idéia de um rapazola acompanhá-lo em estudos de ordem tão transcendental.

Retirando- se em 1862 do Observatório de Paris, continuou com mais liberdade os seus estudos, no sentido de legar à Humanidade os mais belos ensinamentos sobre as regiões silenciosas do Infinito. Livre da atmosfera sufocante do Observatório, publicou no mesmo ano a sua obra "Pluralidade dos Mundos Habitados", atraindo a atenção de todo o mundo estudioso. Para conhecer a direção das correntes aéreas, realizou, no ano de 1868, algumas ascensões aerostáticas.

Pela publicação de sua "Astronomia Popular", recebeu da Academia Francesa, no ano de 1880, o prêmio Montyon. Em 1870 escreveu e publicou um tratado sobre a rotação dos corpos celestes, através do qual demonstrou que o movimento de rotação dos planetas é uma aplicação da gravidade às suas densidades respectivas. Tornando- se espírita convicto, foi amigo pessoal e dedicado de Allan Kardec, tendo sido o orador designado para proferir as últimas palavras à beira do túmulo do Codificador do Espiritismo, a quem denominou "o bom senso encarnado".

Suas obras, de uma forma geral, giram em torno do postulado espírita da pluralidade dos mundos habitados e são as seguintes: "Os Mundos Imaginários e os Mundos Reais", "As Maravilhas Celestes", "Deus na Natureza", "Contemplações Científicas", "Estudos e Leitura sobre Astronomia", "Atmosfera", "Astronomia Popular", "Descrição Geral do Céu", "O Mundo antes da Criação do Homem", "Os Cometas", "As Casas Mal- Assombradas", "Narrações do Infinito", "Sonhos Estelares", "Urânia", "Estela", "O Desconhecido", "A Morte e seus Mistérios", "Problemas Psíquicos", "O Fim do Mundo" e outras.

Camille Flammarion, segundo Gabriel Delanne, foi um filósofo enxertado em sábio, possuindo a arte da ciência e a ciência da arte. Flammarion--"poeta dos Céus", como o denominava Michelet -- tornou- se baluarte do Espiritismo, pois, sempre coerente com suas convicções inabaláveis, foi um verdadeiro idealista e inovador.


Caírbar Schutel


Caírbar Schutel

Nascido na cidade do Rio de Janeiro, a 22 de setembro de 1868 e desencarnado em Matão, Estado de S. Paulo, no dia 30 de janeiro de 1938.
No dealbar do século XX, quando eram ensaiados os primeiros passos no grandioso programa de divulgação do Espiritismo, e quando a Doutrina dos Espíritos era vista como uma novidade que vinha abalar os conceitos até então prevalecentes sobre a imortalidade da alma e a comunicabilidade dos Espíritos, dentre os pioneiros da época, surgiu um vulto que se destacou de forma inusitada, fazendo com que a difusão da nova Doutrina tivesse uma penetração até então desconhecida.
O nome desse seareiro era Caírbar de Souza Schutel, nome esse que se impôs, em pouco tempo, ao respeito e consideração de todos. Ele jamais esmoreceu no propósito de fazer com que a nova revelação, que vinha fazer o mundo descortinar novos horizontes e prometia restaurar, na Terra, as primícias dos ensinamentos legados por Jesus Cristo quase vinte séculos antes, pudesse conquistar os corações dos homens, implantando- se na face do nosso planeta como uma nova força cujo objetivo básico era de extirpar o fantasma do materialismo avassalador.
Biografar um vulto dessa estirpe não é fácil tarefa, uma vez que as suas atividades não conheciam limitações nem eram bitoladas por conveniências de grupos ou de pessoas. Conseqüentemente, tudo aquilo que se disser sobre Caírbar Schutel não passa de uma súmula muito apagada de uma vida cheia de lutas, de percalços e sobretudo de ardente idealismo.
Registraremos, entretanto, alguns dados biográficos desse insigne batalhador espírita:
Caírbar de Souza Schutel, aos nove anos de idade, ficava orfão de pai e, seis meses após, de mãe. Seu avô, Dr. Henrique Schutel, interessou- se pela sua educação, matriculando- o no Colégio Nacional, depois Colégio D. Pedro II, onde estudou durante dois anos.
Animado de novos propósitos, abandonou os estudos e a casa do avô, passando a trabalhar como prático em farmácia, o que fez com que, aos 17 anos de idade já se tornasse respeitaável profissional desse ramo. Nessa época abandonou a antiga Capital Federal e rumou para o Estado de S. Paulo, onde se localizou primeiramente em Piracicaba e logo após em Araraquara e Matão. Esta última cidade era então um lugarejo muito singelo, com poucas casas e dependendo quase que exclusivamente do comércio de Araraquara, a cujo município pertencia.
Nessa humilde cidade, Caírbar Schutel acalentou o propósito de servir à coletividade, o que fez com que batalhasse arduamente para que Matão subisse à categoria de Município. Conseguindo colimar esse desiderato, foi eleito seu primeiro Prefeito.
Homem dotado de ilibado caráter, de ampla visão e de grande humildade, conseguiu conquistar os corações de todos. Na política não enfrentava obstáculos. Deve- se a ele a edificação do prédio da Câmara Municipal, o que fez com seus próprios recursos financeiros.
A política, no entanto, não era o seu objetivo, por isso, tão logo ele teve a sua Estrada de Damasco, representada pela sua conversão ao Espiritismo, abandonou esse campo, passando a dedicar- se inteiramente à nova Doutrina.
Conheceu o Espiritismo através de Manoel Pereira do Prado, mais conhecido por Manoel Calixto, que na época era um dos poucos e o mais destacado espírita do lugar. Embora não sendo profundo conhecedor dos princípios básicos da Codificação Kardequiana, Manoel Calixto conseguiu impressionar o futuro apóstolo, com uma mensagem mediúnica de elevado cunho espiritual, recebida por seu intermédio.
Em seguida a esse episódio, Caírbar integrou- se no conhecimento das obras fundamentais da Doutrina Espírita e, tão logo se sentiu compenetrado daquilo que ela ensina, fundou, no dia l5 de julho de 1904, o primeiro núcleo espírita da cidade e da zona, denominando- o "Centro Espírita Amantes da Pobreza".
Não satisfeito com essa arrojada realização, no mês de agosto de 1905, lançou a primeira edição do jornal "O Clarim", órgão esse que vem circulando desde então e que se constituiu, de direito e de fato, num dos mais tradicionais e respeitáveis veículos da imprensa espírita.
Numa época quando pontificava verdadeira intolerância religiosa e quando o Espiritismo e outras religiões sofriam o impacto da ação exercida pela religião majoritária, Caírbar Schutel também teve o seu Calvário: um sacerdote reacionário e profundamente intolerante, resolveu promover gestões no sentido de fechar as portas do Centro Espírita, usando como arma ardilosa uma campanha persistente no sentido de fazer com que a farmácia de Caírbar fosse boicotada pelo povo.
Com o apoio do delegado de polícia, conseguiu deste a ordem para o fechamento do Centro onde se difundia o Espiritismo. Caírbar Schutel, no entanto, não era dos que se intimidam e, contra o padre e o delegado, levantou a barreira da sua autoridade moral e da sua coragem. A ordem do delegado não foi respeitada por atentar contra a letra da Constituição Federal de 1891, e o valoroso espírita foi à praça pública protestar contra tamanho desrespeito. O padre, não tolerando aquela manifestação promovida por Caírbar, também promoveu uma passeata de desagravo. Outros sacerdotes, nessa época, já estavam em Matão, apregoando a necessidade de se manter o "herético" circunscrito, de nada se adquirirem sua farmácia, e, sobretudo proibindo a todos a freqüência ao Centro Espírita.
Em face da tremenda pressão exercida, Caírbar anunciou que falaria ao povo em praça pública, refutando ponto por ponto todas as acusações gratuitas que lhe eram atribuídas pelos sacerdotes. O delegado proibiu- o de falar. Caírbar não acatou a proibição do delegado e, estribando- se na Constituição, dirigiu- se para a praça pública, falando aos poucos que, não temendo as represálias do padre, tiveram a coragem de lá comparecer. Este, por sua vez, expressou a idéia de que, se a liberalíssima Constituição brasileira permitia esse direito a Caírbar, a Igreja de forma alguma consentiria e, aliciando um grupo de homens fanatizados, marchou para a praça pública, cantando hinos e cantorias fúnebres, portando, além disso, vários tipos de armas. O objetivo da procissão noturna era de abafar a voz do orador e atemorizar o povo.
Essa barulhenta manifestação provocou a repulsa de algumas pessoas cultas da cidade, as quais, dirigindo- se à praça, pediram a aquiescência do orador para, de público, manifestarem a desaprovação àquelas manifestações e responsabilizando o padre pelas conseqüências danosas daquele desrespeito à Carta Magna, afirmando que o orador tinha todo o direito de falar e de se defender. Diante dessa reação, o padre ficou assombrado e decidiu dispersar os acompanhantes, o que possibilitou a Caírbar prosseguir na defesa dos seus direitos e dos seus ideais.
Caírbar sabia ser amigo até dos seus próprios inimigos. Sempre inspirava simpatia e respeito. Sempre feliz no seu receituário, tornou- se, dentro em pouco, o Médico dos Pobres e o Pai da Pobreza, de Matão. Além de prescrever o medicamento, ele o dava gratuitamente aos necessitados. Sua residência tomou- se um refúgio para os pobres da cidade. Muitas pessoas eram socorridas pela sua generosidade. Muitos recebiam socorros da mais variada espécie, em víveres, em roupas e sobretudo assistência espiritual.
O sentimento de amor ao próximo teve nele incomparável paradigma. Estava sempre solícito e pronto para socorrer um enfermo ou um obsediado. Atos de renúncia e de desapego eram comuns em sua vida. Sua residência chegou a ser transformada em hospital de emergência para doentes mentais e obsediados. Em vista do crescente número de enfermos, em 1912 alugou uma casa mais ampla, na qual tratava com maiores recursos e com mais liberdade todos aqueles que apelavam para a sua ajuda fraternal.
No dia 15 de fevereiro de 1925, lançou o primeiro número da "Revista Internacional de Espiritismo", órgão que desde então vem circulando sem solução de continuidade.
Quando foi rasgada a Constituição ultra- liberal de 1891, Caírbar Schutel foi à praça pública apoiando a Coligação Nacional Pró- Estado Leigo, entidade fundada no Rio de Janeiro pelo Dr. Artur Lins de Vasconcelos Lopes. Nesse propósito combateu sistematicamente a pretensão, esposada por alguns grupos, de se introduzir o ensino religioso obrigatório nas escolas. Certa vez programou uma reunião num cinema de cidade vizinha para abordar esse tema. Na hora aprazada ali estavam apenas alguns dos seus amigos, dentre eles José da Costa Filho e João Leão Pitta. Caírbar não se perturbou. Mandou comprar meia dúzia de foguetes e soltou- os à porta do cinema. Daí a 20 minutos o recinto estava repleto.
Foi pioneiro no lançamento de programa espírita pelo rádio, pois em 1936 inaugurou, pela PRD- 4 -- Rádio Cultura de Araraquara, uma série de palestras que mais tarde publicou num volume de 206 páginas.
Como jornalista escreveu muito. Durante muito tempo manteve uma secção de crônicas e reportagens no "Correio Paulistano" e na "Platéia", antigos órgãos da imprensa leiga.
Sua bibliografia é bastante vasta, dela destacamos as seguintes obras: "Espiritismo e Protestantismo", "Histeria e Fenômenos Psíquicos", "O Diabo e a Igreja", "Médiuns e Mediunidade", "Gênese da Alma", "Materialismo e Espiritismo", "Fatos Espíritas e as Forças X", "Parábolas e Ensinos de Jesus", "O Espírito do Cristianismo", "A Vida no Outro Mundo", "Vida e Atos dos Apóstolos", "Conferências Radiofônicas", "Cartas a Esmo" e "Interpretação Sintética do Apocalipse".
Fundou também a Empresa Editora "O Clarim", que passou a editar livros de outros autores.
Caírbar Schutel foi um homem de fé, orador convincente, trabalhador infatigável, dinâmico, realizador e portador dos mais vivificantes exemplos de virtude cristã.



Bruce Lee



Bruce Lee


Nascido a 27 de novembro de 1940, no ano e dia do Dragão, em São Francisco, Califórnia, Bruce Lee dedicou toda sua vida às artes marciais.
Foi de tudo um pouco: filósofo, mestre, lutador, ator. Foi o arco principal de ligação entre as artes marciais, reservadas exclusivamente para os asiáticos, e os povos do resto do mundo.
Filho de um ator da ópera chinesa, Li Hoi Chuen, que estava numa turnê pelos Estados Unidos, e também refugiado de Hong Kong pelo início da 2ª Guerra Mundial, com toda sua família, quando Bruce nasceu. Nasceu com o nome de Lee Jun Fan, mas foi apelidado por uma enfermeira de Bruce. No fim da turnê, ele e toda a família, voltaram para Hong Kong, local onde Bruce cresceu. Bruce era um garoto pequeno, mas muito briguento, sempre "entrando em frias" com outros garotos e até mesmo com gangues de Hong Kong.
Aos 13 anos, iniciou seus estudos de artes marciais de Kung Fu no estilo Ving Tsun (o nome deste estilo pode ser escrito de várias formas, como Wing Chun, Wing Tchun e Wing Tsun. Ving Tsun é o modo que estará escrito aqui, pois este é o modo oficial de Hong Kong), único estilo de Kung Fu criado por uma mulher, sob a supervisão do Mestre Yip Man, visando aliviar a insegurança pessoal que estava presente em sua vida, entre as brigas com gangues na cidade de Hong Kong. Aos 18 anos, foi para os Estados Unidos para se afastar das brigas entre as gangues chinesas e também estudar Filosofia na Universidade de Seatle - Washington. Também passou a trabalhar como garçom num restaurante de uma amiga da família, Ruby Chow, em Chinatown.
Passou a ser um mestre dentro do campus da faculdade, mesclando a arte marcial à filosofia. Foi daí que surgiram seus primeiros "alunos", que eram seus amigos. Ele não cobrava nada de ninguém e nunca o faria para amigos. Começaram a fazer, então, com que Bruce abrisse a sua própria academia de Kung Fu, e daí, poderia cobrar de seus alunos para se manter. Eis que em 1963, em paralelo com a faculdade, Bruce abre o "Lee Jun Fan Kung Fu Institute", sua própria academia, passando a dar aulas para seus amigos neste local.
Bruce vive

Transcrito do "Jornal do Brasil" - 07/06/93 Los Angeles - Bruce Lee esta de novo na moda. A recente e misteriosa morte de seu filho, Brandon, e o lançamento de um filme biográfico de enorme sucesso fizeram o nome do mestre das artes marciais voltar as páginas dos jornais. A conseqüência e uma incrível corrida as videolocadoras em busca dos filmes realizados por Bruce, quase duas décadas após sua morte, em 1973, aos 32 anos.
A cadeia de videolocadoras Blockbuster, a maior do mundo, com 3200 lojas só nos Estados Unidos, viu suas dependências subitamente invadidas por novos fãs de Bruce. "Não temos como dar números, mas garanto que a procura aos filmes de Lee aumentou em proporções surpreendentes", diz Wally Knief, porta voz da empresa. Hussan Megara, gerente da cadeia Movies and More, calcula que o aluguel de vídeos de Bruce triplicou nas duas ultimas semanas.
O filme sobre a vida de Bruce Lee, "Dragão,a historia de Bruce Lee", já rendeu 35 milhões de dólares, um resultado excepcional para um filme estrelado em maio,época considerada péssima para qualquer lançamento, pois precede os filmes milionários do verão americano. Para o papel de Bruce Lee, o diretor Rob Cohen escalou o novato Jason Scott Lee (sem parentescos com Bruce). Jason foi submetido a intenso treinamento com Jerry Poteet, um ex-aluno de Bruce Lee. Depois de quase dois meses de treino e de ter vistos todos os filmes de Bruce, o ator se saiu supreendentemente bem.

Revistas especializadas em artes marciais, como KUNG FU MAGAZINE, elogiaram a semelhança física de Bruce e Jason, e garantiram que o mestre esta sendo representado com fidelidade. "No começo eu estava intimidado pelo papel, mas a pessoa que me ajudou a superar os temores foi Brandon Lee", disse Jason ao New York times. "Ele me disse que não conseguiria fazer o papel se eu tratasse Bruce Lee como um Deus.
Ele me disse que seu pai era um homem temperamental, raivoso,que se ofendia com a mediocridade e as vezes era impiedoso." Jason, um havaiano de 26 anos, filho de um motorista de ônibus em Honolulu, estava trabalhando como garçom e como entregador de uma loja de flores, antes de ser chamado para fazer o papel de Bruce Lee. "No instante em que ele entrou no meu escritório", disse o diretor Rob Cohen, "eu sabia que era a pessoa certa para o papel. Ele é atlético, gracioso, mas acima de tudo é um cara misterioso - você nunca sabe o que ele esta pensando. Bruce era assim." O filme é baseado no livro BRUCE LEE O HOMEM QUE SOMENTE EU CONHECI, escrito por sua viúva Linda Lee. "Algumas pessoas são como lâmpadas de 40 watts. Outras são como o sol. Bruce era como o sol." Mas, Bruce teve atenção especial com uma aluna: Linda Emery.
Sem muita demora, os dois passaram da amizade para um relacionamento sério. Mas houve a intervenção da mãe de Linda, pois na época, casais inter-raciais não eram bem aceitos nos Estados Unidos, por gerarem filhos mestiços, e também duvidava que Bruce pudesse dar à Linda uma vida estável. Isso fez com que Bruce trabalhasse muito, e se dedicou durante um grande tempo apenas às artes marciais, abrindo uma grande rede de franquias de sua academia, para que a mãe de Linda visse que ele seria capaz de tudo. Eis que em 17 de agosto de 64, Bruce e Linda se casaram. Se mudaram então para Oakland, Califórnia, onde continuou a dar aulas em outra de suas academias de Kung Fu.
Eis que então foi defrontado por um grupo de mestres asiáticos de artes marciais, dizendo para ele que não deveria ensinar a arte marcial aos não-chineses, ou deveria enfrentar o melhor lutador deles. Como Bruce adorava desafios, ele aceitou. A luta demorou três minutos e ele fez com que o adversário, jogado no chão, dissesse "eu me rendo", em chinês. Vendo que deveria ter vencido em segundos, e não em minutos, passou a se dedicar muito mais a arte marcial do Kung Fu.
Comemorando o nascimento de seu filho Brandon Bruce Lee, apenas uma semana depois, voltou para Hong Kong, pois seu pai havia falecido. Na volta, fez uma promessa para si mesmo, de que sua família se orgulhasse dele, passando assim a criar um estilo de Kung Fu próprio: o Jeet Kune Do. Tendo se apresentado num campeonato de artes marciais, fora escolhido por um grande diretor , dizendo ser o homem certo para protagonizar o papel principal na série de "Charlie Chan". Mas um outro projeto fez com que este fosse adiado.
                                                     
 "Batman", com Adam West e Burt Ward, cancelou esta série de Charlie Chan, mas ele não foi deixado de lado. O diretor estava com outra idéia na mente: passar a série de rádio dos anos 30, "O Besouro Verde", para a tela da televisão, onde fez o fantástico papel do chofer que luta contra o crime ao lado de Besouro Verde, Kato. A série estreou nos EUA no dia 9 de setembro de 1966 e foi um grande estouro, principalmente pelo papel de Bruce.
Ele se esforçava para fazer com que suas cenas de luta fossem cada vez mais reais, tirando velocidade de seus movimentos, pois ele era muito rápido. Mas o programa não emplacou devido o grande sucesso de "Batman". Numa desesperada tentativa de fazer com que a série continuasse, foi feito um combate entre Kato e Robin, tendo a luta empatada ao final, para não entristecer os fãs de ambas as séries.
Mas mesmo assim não teve jeito e o Besouro Verde saiu do ar uma temporada após o combate. O programa, que Bruce queria que fosse um "trampolim" para o sucesso, o trouxe de novo ao chão. A partir disto, Bruce teve de enfrentar novas dificuldades. Passou então a dar aulas particulares à domicílio, para personalidades famosas do meio artístico, como Lee Marvin, Chuck Norris e Steve McQueen, podendo custar o treinamento com o grande Mestre Bruce Lee até US$ 250,00 a hora. Mas seu aluno mais querido era seu filho, Brandon, e nesse meio tempo, veio ao mundo sua filha, Shannon Lee.
A garota teve o dom de poder acalmar Bruce. Bruce Lee era uma pessoa de carne e osso, como eu e você, e não um super-herói como parece. Numa manhã em 1970, levantando pesos, Bruce fraturou um importante nervo das costas, deixando impossibilitado de treinar por seis meses, tempo esse que ele teve para formular a parte filosófica de sua arte marcial, o Jeet Kune Do. Médicos de todo o centro de tratamento vieram dizendo a ele que nunca mais voltaria a treinar, mas Bruce fez de um obstáculo um ponto de apoio, para descobrir quais eram seus limites e medir a capacidade do corpo humano.
 Dava 2000 socos por dia, 1000 chutes, corria 5 Km e pedalava mais 24 Km, para ver de que o seu corpo era capaz. Ao ficar totalmente recuperado, começou uma exaustiva rotina diária de exercícios. Partiu, então, para o estrelato. Não conseguindo lugar nas telas dos EUA, Bruce e sua família foram para Hong Kong, onde descobriu que seu sucesso em "Besouro Verde" foi alcançado ali, sendo a série conhecida por "Programa de Kato". Por sua fama, foi convidado a participar num projeto de três filmes do grande diretor chinês Raymond Chow, em que o primeiro se denominava "O Dragão Chinês" (The Big Boss - 1971). O público chinês era muito conhecido por deturpar o cinema, rasgar os assentos e quebrar tudo. Ao término do filme, Bruce e Linda, que estavam um ao lado do outro, viram que a platéia não se manifestava. Ambos pensaram: "Eles acharam um horror!", e logo foram saindo.

A platéia estava um pouco abobalhada pelo filme, e logo em seguida começou a aplaudir com grande entusiasmo. O filme bateu todos os récordes de bilheteria na China. Então Bruce iniciou uma grande e próspera carreira no cinema mundial. Seu próximo filme foi "Fúria do Dragão" (Fist of Fury - 1971) que quebrou os antigos recordes e o consagrou, além de artista marcial, como artista cinematográfico. Raymond Chow não concluiu outra proposta de acordo para mais filmes com Bruce. Bruce então conquistara a Ásia mas agora queria conquistar o mundo. Ele então voltou para a América, Hollywood. Mas sua fama de artista e também artista marcial não ajudaram muito contra os preconceitos de alguém de outra nacionalidade. Não aceitavam que num filme americano, o herói fosse um asiático.
Antes de voltar para Hong Kong, Bruce estava entretido num projeto de uma nova série com o diretor John Saxon, da Warner Bros. No princípio, esta série iria se chamar "O Guerreiro", mais tarde, tornara-se "Kung Fu", e em seu lugar colocaram um ator americano, o qual tiveram que maquiar muito para se parecer chinês e que não sabia nada de artes marciais, David Carradine. Tudo isso porque disseram que Bruce era "chinês demais" para o papel. Estando muito nervoso com isso, Bruce afirmou que isto era "racismo hollywoodiano", e centrou toda a sua atenção para um novo projeto seu: "O Vôo do Dragão" (The Way of the Dragon), em 1973, com Raymond Chow, e tendo se interessado muito pela cinematografia durante as filmagens de "Besouro Verde", Bruce supervisionou todos os aspectos do filme, tendo escrito, atuado, coreografado, tocou percussão na trilha sonora do filme e estreou como diretor de cinema.
Mas uma das melhores cenas é a do combate entre Bruce e seu ex-aluno Chuck Norris. Nessa cena ele mostra a necessidade de se adaptar à luta de acordo com o necessário. Ele começa perdendo, seguindo à arte marcial rigorosamente, mas logo começa a se mexer muito, a quicar no chão, deixando o oponente atordoado e o vence. Já ao final das filmagens, Bruce preparava novas cenas de luta para seu novo filme "O Jogo da Morte" (Game of Death - 1973/78), mas em pleno início da produção, Bruce recebeu um telefonema dos Estados Unidos, para protagonizar seu primeiro filme americano, "Operação Dragão" (Enter the Dragon - 1973). Com esse novo projeto em mãos, ele estava preparado para alcançar seu total sucesso, podendo ter tudo o que sempre sonhou.
 Ele passava muito tempo treinando, treinando para um combate que nunca existiria; era um treinamento de sete dias por semana. Até que em 10 de maio de 1973, enquanto editava "Operação Dragão", ele sofreu um desmaio no estúdio, sendo levado às pressas para o hospital, onde não foi detectado nada. Após uma bateria de testes, ele se recuperou, terminou "Operação Dragão", e voltou para seu antigo projeto "Jogo da Morte". De volta ao antigo filme, Bruce estava trabalhando com a atriz chinesa Betty Ting Pei. Foi um dia a casa dela para discutir algumas cenas do filme e disse à ela estar com uma forte dor de cabeça. Ela lhe deu um remédio e ele se deitou. Algumas horas depois, Betty entrou em pânico por não conseguir acordá-lo e ligou para Raymond Chow.
Ele foi a sua casa e notou que Bruce estava muito pálido. Levaram-no para o hospital, onde Raymond ligou para dar a notícia a Linda: Bruce Lee, a lenda das artes marciais, havia morrido. Todos foram ao chão com a notícia, espalhando-se pelo mundo. Em seu sepultamento, foi homenageado por milhares de pessoas, e seu corpo foi levado para Seatle, onde ele e Linda se conheceram. Com apenas 32 anos, Bruce deixou uma esposa, dois filhos e um legado inigualável no mundo, tanto das artes marciais como das artes cinematográficas. Até hoje sua morte é discutida: muitos dizem que foi algum tipo de vingança entre as gangues de Hong Kong, ou até mesmo uma maldição dos mestres chineses por passar as artes marciais aos não-asiáticos.
Muitos também acham que foi vingança por ter feito muito sucesso. Mas sua morte foi comprovada por uma autópsia e resultou num edema cerebral, um inchaço no cérebro causado por uma reação alérgica ao remédio tomado na casa de Betty. Mesmo com a sua morte, foi continuado e concluído 5 anos depois "Jogo da Morte", que também não deixou de ser um grande sucesso. Com isso, seu legado foi deixado nas telas e tornou-se uma grande figura mundial. Também possibilitou que outros artistas seguissem seu caminho. Entre seus sucessores, estão Jackie Chan, Chuck Norris, Jean-Claude Van Dame e muitos outros, mas nenhum poderia ter tanto destaque como seu filho Brandon, este que teve uma carreira também próspera, mas em 31 de março de 1993, durante as gravações de "O Corvo", Brandon foi morto no set de filmagem por uma arma de festim indevidamente checada.  
O filme continuou como em "Jogo da Morte", com dublês e efeitos especiais. Novamente, rumores sobre a morte de Bruce voltaram à discussão e novas teorias do porquê havia morrido voltaram à tona. Mesmo assim, ainda hoje, o nome Bruce Lee é mundialmente falado; revistas publicam artigos, vídeos são produzidos e até homepages são montadas em sua memória.Bons exemplos são essa page, com tudo o que existe nela, e um ótimo filme: "Dragão: a história de Bruce Lee", estrelando ?, o mesmo de "O Livro da Selva", no papel de Bruce Lee. Assista pois vale a pena!



Bittencourt Sampaio

Bittencourt Sampaio


Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, filho de um negociante português do mesmo nome e de D. Maria de Santa Ana Leite Sampaio, nasceu em Laranjeiras, localidade da então Província de Sergipe, no dia 1o. de Fevereiro de 1834, e desencarnou no Rio de Janeiro a 10 de Outubro de 1895.
Foi jurisconsulto, magistrado, político, alto funcionário público, jornalista, literato, renomado poeta lírico e excelente médium espírita.
Tendo principiado seus estudos de Direito na Faculdade do Recife, continuou-os na Academia de São Paulo (atual Faculdade de Direito), fazendo parte da turma de Bento Luis de Oliveira Lisboa, Manoel Alves de Araújo, Eleutério da Silva Prado e outros nomes notáveis da política e da jurisprudência brasileiras. Interrompeu, em 1856, o seu curso acadêmico para acudir os conterrâneos enfermos, por ocasião da epidemia de cólera. Por esses serviços, a que se entregou desinteressadamente, foi condecorado pelo Governo Imperial com a Ordem da Rosa, que não aceitou por incompatível com suas idéias políticas.
Bastante querido pelos seus colegas, colaborou na revista "O Guaianá" (1856), dos estudantes de Direito, e em outras publicações literárias de São Paulo, como em "A Legenda", nos "Ensinos Literários" do Ateneu Paulistano, na "Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano", no "Correio Paulistano", etc...
O ilustre jornalista, político e historiador professor Dr. Almeida Nogueira, que o conheceu de perto, deixou-nos, em rápidas pinceladas, esta descrição de sua figura: "Alto, louro, pálido, olhos azuis, encovados e muito expressivos, cabelos crescidos e atirados para trás, descobrindo-lhe a fronte iluminada pelo talento e pela inspiração. Fisionomia romântica e extremamente simpática."
No "O Kalidoscópio", jornal acadêmico de 1860, publicação do Instituto Acadêmico Paulista, um estudante, que se assinava Sandoval, assim retratou Bittencourt Sampaio aos 26 de maio de 1860:
"Contam que Buffon não escrevia uma só das admiráveis páginas da História dos Animais, sem que estivesse de casaca bordada, e chapéu de pasta ao lado; O Sr. Bittencourt Sampaio não rima uma quadra sem que tenha envergado sua casaca azul, de botões amarelos, e um boné a mesma fazenda na cabeça. O Hino Ao Sol foi escrito assim, sob os auspícios dos heróicos botões amarelos da casaca azul."
"Ele começa uma poesia: - se lhe falta um termo para completar um verso, atira a pena, e vai passear. "Ainda não é tempo"- diz, muito senhor de si. Ele já sabe o que lhe vai pelo espírito e pelo papel, quando a inspiração o subjuga. Ao terminar a Ode à Liberdade, às seis horas da tarde, de 7 de Setembro de 1857, tremia que nem vara verde. Se quiseram ouvi-la, foi preciso que um dos amigos presentes lha arrebatassem das mãos."
"Era então bem restrito o número de seus íntimos. Destes só me lembra o Sr. Tavares Bastos. Conversava-se sobre arte, discutiam-se as teorias dos contrastes de Victor Hugo, bebia-se champagne, assentavam-se as bases do futuro literário da Pátria, e fumava-se um cigarro de Campinas, no meio de bons ditos e dos propósitos sisudos."
"Enquanto isto, as casuarinas sussurravam, e abriam aquelas boas noites, que o poeta depois cantou num metro delicado, numa canção de extasiar."
"E esses tempos não voltarão mais..."
"Às vezes some-se. Ninguém sabe dele. Em casa não está. O que anda fazendo aquele doido? Perguntam os seus íntimos. Ora, o que anda fazendo? Anda sonhando, conversando a Natureza, fazendo devaneios. E tudo isso com tanta habilidade e paixão, como a George Sand fazia seus doces ao forno, nas horas que não trabalhava em Lélia, ou na Indiana."
"Não visita a muita gente. Vai pouco ao espetáculo. Mas ama a conversação, como ama as mulheres e as flores, e a poesia e a musica. Toca violão, e canta lundus da Bahia: é uma das suas boas horas."
Declara Spencer Vampré que Bittencourt Sampaio se celebrizou na Academia de Direito não pelos seus versos ingênuos e bucólicos, mas pelo hino – "A Mocidade Acadêmica", "cujos acentos entusiásticos e arrojadas hipérboles, não parecem condizer com um sereno e risonho contemplador da Natureza." E continua Vampré: "Escreveu a musica, verdadeiramente inspirada, do Hino Acadêmico, o gênio de Carlos Gomes, que assim legou à mocidade do Brasil uma das suas mais emocionantes criações. Quem quer que tenha percorrido, estudante, os sombrios corredores do velho Convento de São Francisco, ouve, sempre, com redobrada emoção, as estrofes cheias de fé, e a música cheia de arrancos heróicos, do Hino Acadêmico."
Bacharelando-se em 1859, Bittencourt Sampaio exerceu a promotoria publica em Itabaiana e Laranjeiras, em 1860-1861, trabalhando ainda como inspetor do distrito literário na primeira dessas comarcas. Em março de 1861, retirou-se da Província de Sergipe, vindo para a antiga Corte do Rio de Janeiro, onde abriu banca de advogado, que freqüentou por muitos anos.
Por essa época, o jornalista, critico e ensaísta fluminense José Joaquim Pessanha Povoa conheceu Bittencourt Sampaio na republica de Macedo Soares, situada na Rua do Ouvidor, e onde se reuniam, por vezes, os estudantes de Direito, entre eles Belisário S. de Souza, Melo Matos, G. Pinto Moreira, afinal, "a boêmia literária daquele quarteirão latino". E eis como Pessanha Povoa se refere ao primoroso artista de "Flores Silvestres":
"Sempre cheio de alegrias íntimas, simpático, traquinas como um colegial em hora de recreio, de casaca azul de botões amarelos, chapéu branco, luvas e calçado parisienses, ora em passeio pelos arrabaldes, ora nos teatros ou em diversas reuniões de estudantes, era estimado e seu coração justamente recompensado na lealdade com que servia aos seus amigos".
E, mais adiante, lembrava ainda:
"Era a alegria da casa, o iniciador de divertimentos úteis, de saraus literários e musicais. Não desperdiçava seus talentos no emprego de horas consagradas à crápula dos lupanares, ao assassino regaço das camélias. Nunca amesquinhou a sua individualidade, nem aviltou sua inteligência."
Na sessão fúnebre celebrada em 1858, em homenagem ao Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos, lente catedrático da Academia de Direito, profunda sensação apoderou-se de todo o auditório quando, ao assomar à tribuna, Bittencourt Sampaio recitou comovente poesia, iniciada pelo tocante quarteto:

Morte! palavra que traduz mistério!
    Sombra nas trevas a vagar perdida!
    Pálido círio de clarões funéreo!
    Negro fantasma que se abraça à vida!

Esta quadra – diz-nos Armindo Guaraná – por muito tempo serviu de epígrafe às noticias fúnebres e aos discursos necrológicos.
Militando na política, filiou-se ao Partido Liberal. Eleito, pela sua Província, deputado à Assembléia Geral Legislativa, nas legislaturas de 1864-1866 e 1867-1870, foi, nesse último período, Presidente do Espírito Santo, nomeado por carta imperial de 29 de setembro de 1867, cargo que exerceu até 26 de abril de 1868, para voltar ao desempenho do mandato legislativo na Corte.
Em 1870, abraçando as idéias republicanas, desligou-se do partido a que pertencia e fez-se ardoroso propagandista da República. Nessa qualidade, assinou, ao lado de Saldanha da Gama, Quintino Bocayuva e outros, o célebre Manifesto de 3 de Dezembro de 1870, que tão larga repercussão teve, tornando-se importantíssimo documento histórico. Como político, colaborou ativamente em "A Reforma", órgão do Partido Liberal da Corte, e em algumas folhas mais, entre elas "A Republica", da qual era um dos redatores. Com Aristides Lobo, Alfredo Pinto, Pompílio de Albuquerque e outros, foi um dos fundadores do Partido Republicano Federal, em 12 de Janeiro de 1873.
Jornalista, não só era deputado pelo brilho de seus artigos, mas também, grandemente respeitado pela elevação, sinceridade e firmeza com que sustentava e defendia seus ideais políticos.
Proclamada a Republica, foi comissionado para inventariar todos os papéis existentes na Câmara dos Deputados, cargo que deixou para exercer o de redator dos debates na Assembléia Constituinte, em 1890. Foi o primeiro administrador da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a gozar do titulo oficial de Diretor, já que até ao fim do Império os titulares a dirigiam como "bibliotecários". Nomeado a 12 de Dezembro de 1889, empossou-se dois dias depois, tendo exercido o cargo até 15 de Outubro de 1892.
Entre os poetas de sua geração, destacou-se tanto, que Silvio Romero disse a seu respeito:
"Em Bittencourt Sampaio predomina o lirismo local, tradicionalista, campesino, popular. Por este lado é um dos melhores poetas do Brasil; é mais natural e espontâneo do que Dias carneiro, Trajano Galvão e Bruno Seabra, e é mais elevado e artístico do que Juvenal Galeno. Rivaliza com Joaquim Serra e Melo Moraes Filho."
Elogiando as verdadeiras jóias de "Flores Silvestres", Silvio Romero salientou:
"Há nelas duas qualidades de composições: as de inspiração local e sertaneja e as de inspiração mais geral. Numas e noutras os dotes principais do poeta são - a melodia do verso, a graciosidade que o faz primar em pequenos quadros, e certa nostalgia pelas cenas, pela vida simples, fácil, descuidada das regiões sertanejas e campesinas."
No "Compêndio da História da Literatura Brasileira" (1906), de Silvio Romero e João Ribeiro, de novo é enaltecida, nas paginas 221 a 223, a obra poética de Bittencourt Sampaio.
Macedo Soares, por sua vez, num estudo crítico, lhe deu, entre os líricos brasileiros, o primeiro lugar, logo depois de Gonçalves Dias.
Citemos algumas das principais obras, em prosa e verso, que lhe granjearam tão elevada reputação como prosador e poeta em que desde cedo se patenteara o "filósofo idealista": Harmonias Brasileiras – Poesias de Bittencourt Sampaio, Macedo Soares e Salvador de Mendonça, publicadas em São Paulo, 1859; Flores Silvestres; Lamartinianas (tradução de poesias de Lamartine); Poemas da Escravidão (versos originais e tradução de versos de Longfellow); A Bela Sara (tradução das "Orientais", de Victor Hugo); A nau da liberdade (poema épico); Hiawatha (versos); Cartas de Além Túmulo (publicadas no "Cruzeiro" e na "Gazeta da Tarde" do Rio de Janeiro); Nossa Senhora da Piedade (legenda publicada no "Monitor Católico"); Dicionário da Língua Indígena; além de inéditos.
Valentim Magalhães disse, a propósito dos "Poemas da Escravidão", que Bittencourt Sampaio "foi um dos mais admiráveis talentos da nossa literatura no período de transição; dir-se-ia que conhecia os segredos das supremas tristezas humanas e foi o representante dedicado da escola criada por Goeth, Byron...".
Reveladores de inteligência superior e invulgar, de uma cultura vastíssima e de uma alma que já dos paramos espirituais descera enamorada dos sublimados ideais que inspiram as grandes e imorredouras obras, os trabalhos que vimos de mencionar, muitos deles, senão todos, dignos de figurar nas seletas que os estudantes manuseiam nas escolas.
Entretanto, a relação acima não se acha completa, pois que um, deixamos intencionalmente de incluir ali, para realçá-lo, porque, dentre todos, é o que, ao nosso ver, mais avulta, não somente pelo fulgor inexcedível da forma, como, sobretudo, pela "A Divina Epopéia de João Evangelista originalidade do assunto cuja altitude imprime à obra valor inestimável. Aludimos à sua" (Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1882), única, cremos, no gênero, em todo o mundo.
Dos que compõem a presente geração de espíritas, poucos hão de ser, provavelmente, os que saibam o que seja essa Divina Epopéia, cumprindo-nos, portanto, dizer-lhe que é o quarto Evangelho, o de João, posto em versos decassílabos, soltos, metro empregado sempre nas composições épicas, por ser sem dúvida o que melhor lhes imprime a grandiosidade que as deve caracterizar e que sobreleva na obra a que aludimos.
E não é tudo: essa composição poética ele a completou, escrevendo para o volume uma segunda parte, em prosa, na qual o que em cada um dos cantos se contém é explicado à luz da Revelação Espírita, precedidas tais explicações de longa "Prefação", onde exuberantemente explanada se acha a questão da divindade de Jesus.
Salientou Almeida Nogueira que, "quanto ao merecimento literário da obra, foi objeto de justa admiração da crítica a felicidade com que o poeta reproduziu em belos versos o texto quase literal da epopéia do discípulo amado."
Armindo Guaraná, no seu "Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano", escreveu que A Divina Epopéia "é talvez a melhor obra deste autor".
Colaborou em vários jornais e revistas de São Paulo e do Rio, havendo nessas cidades ruas como o nome de Bittencourt Sampaio. Do Rio, podemos citar, afora as publicações já relacionadas aqui, a "Revista Popular", a "Revista Brasileira", "O Cruzeiro", a "Gazeta da Tarde", etc.
Por ocasião da visita de Bittencourt Sampaio a Ouro Preto (Minas Gerais), em 1875, o grande poeta e romancista Bernardo Guimarães (1825-1884) dedicou-lhe "Estrofes", poesia datada de Novembro de 1875, e que assim se inicia (Poesias Completas de Bernardo Guimarães), organização, introdução, cronologia e notas por Alphonsus de Guimaraens Filho, INL, Rio, 1959,pp.328 a 340:

"Eu te saúdo, ó cisne de outras margens,
    que o vôo teu abates.
    Por um momento nestas fundas vargens
    Ninho de ilustres vates,
    cujo canto até hoje inda inspira
    na viração, que pelos montes gira".

Não se sabe quando ele entrou para o Espiritismo, mas em 2 de Agosto de 1873 já fazia parte da Diretoria do "Grupo Confúcio", primeira sociedade espírita surgida em terras cariocas. Lá desenvolveu sua mediunidade receitista, curando muitos doentes com remédios homeopatas. Assinala Almeida Nogueira que Bittencourt Sampaio foi atraído pelo Espiritismo pelos fenômenos, assunto este que ele estudou profundamente, mas foi a parte moral que mais impressionou o poeta-filósofo.
Funda, em 1876, a "Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade", presidindo-lhe os trabalhos, nos quais era parte importante o estudo dos Evangelhos à luz do Espiritismo.
Fundado, em 1880, o "Grupo Espírita Fraternidade", a ele Bittencourt Sampaio também empresta sua valiosa colaboração.
O respeitável vulto do Espiritismo Cristão no Brasil, Dr. Antônio Luís Saião, que se convertera graças à mediunidade curadora de Bittencourt Sampaio, reúne então os médiuns da referida sociedade no "Grupo Ismael", por ele criado e até hoje existente, e ali Bittencourt Sampaio se constituiu num dos intermediários de belas e instrutivas mensagens de Espíritos Superiores.
Quando do falecimento de José Bonifácio, o Moço, em 26-10-1886, choraram a sua morte os mais belos talentos da época: Machado de Assis, Valentim Magalhães e Bittencourt Sampaio, entre os poetas, Rui Barbosa, entre os prosadores. Bittencourt escreveu esses versos de espírita:

Sim! Ele entrou, de bênçãos radiante,
    Pelo portão de luz da eternidade,
    Qual águia, que, dos céus na imensidade,
    Livre revoa, tão de nós distante!

Declara o "Reformador" de 15 de Outubro de 1895, que Bittencourt "se preparava para escrever a Divina Tragédia do Gólgota, quando, fruto maduro, foi colhido pela mão do celeste jardineiro".
Depois de sua desencarnação, o Espírito de Bittencourt Sampaio escreveu, pelo médium Frederico Junior, as seguintes obras: "Jesus Perante a Cristandade", "De Jesus para as Crianças", e "Do Calvário ao Apocalipse".
Tais, em ligeiro e imperfeito escorço, a personalidade humana e a individualidade espiritual daquele que se chamou, entre nós, Francisco Leite de Bittencourt Sampaio e que, desde quando volveu à vida de Espírito livre, se constituiu, entre os eleitos do Senhor, guia indefeso, protetor caridoso e clarividente orientador da Federação Espírita Brasileira, que nunca deixou de lhe sentir o braço potente a ampará-la, nos momentos difíceis ou graves, que bastas vezes tem ela atravessado, no transcurso da sua existência de quase um século.



Anália Franco

Anália Franco

Nascida na cidade de Resende, Estado do Rio de Janeiro, no dia 10 de fevereiro de 1856, e desencarnada em S. Paulo, no dia 13 de janeiro de 1919. Seu nome de solteira era Anália Emília Franco. Após consorciar-se em matrimônio com Francisco Antônio Bastos, seu nome passou a ser Anália Franco Bastos, entretanto, é mais conhecida por Anália Franco.
Com 16 anos de idade entrou num Concurso de Câmara dessa cidade e logrou aprovação para exercer o cargo de professora primária. Trabalhou como assistente de sua própria mãe durante algum tempo. Anteriormente a 1875 diplomou-se Normalista, em S. Paulo.
Foi após a Lei do Ventre Livre que sua verdadeira vocação se exteriorizou: a vocação literária. Já era por esse tempo notável como literata, jornalista e poetisa, entretanto, chegou ao seu conhecimento que os nascituros de escravas estavam previamente destinados à "Roda" da Santa Casa de Misericórdia. Já perambulavam, mendicantes, pelas estradas e pelas ruas, os negrinhos expulsos das fazendas por impróprios para o trabalho. Não eram, como até então "negociáveis", com seus pais e os adquirentes de cativos davam preferência às escravas que não tinham filhos no ventre. 
Anália escreveu, apelando para as mulheres fazendeiras. Trocou seu cargo na Capital de São Paulo por outro no Interior, a fim de socorrer as criancinhas necessitadas. Num bairro duma cidade do norte do Estado de S. Paulo conseguiu uma casa para instalar uma escola primária. Uma fazendeira rica lhe cedeu a casa escolar com uma condição, que foi frontalmente repelida por Anália: não deveria haver promiscuidade de crianças brancas e negras. 
Diante dessa condição humilhante foi recusada a gratuidade do uso da casa, passando a pagar um aluguel. A fazendeira guardou ressentimento à altivez da professora, porém, naquele local Anália inaugurou a sua primeira e original "Casa Maternal". Começou a receber todas as crianças que lhe batiam à porta, levadas por parentes ou apanhadas nas moitas e desvios dos caminhos. 
A fazendeira, abusando do prestígio político do marido, vendo que a sua casa, embora alugada, se transformara num albergue de negrinhos, resolveu acabar com aquele "escândalo" em sua fazenda. Promoveu diligências junto ao coronel e este conseguiu facilmente a remoção da professora. 
Anália foi para a cidade e alugou uma casa velha, pagando de seu bolso o aluguel correspondente à metade do seu ordenado. Como o restante era insuficiente para a alimentação das crianças, não trepidou em ir, pessoalmente, pedir esmolas para a meninada. Partiu de manhã, à pé, levando consigo o grupinho escuro que ela chamava, em seus escritos, de "meus alunos sem mães". Numa folha local anunciou que, ao lado da escola pública, havia um pequeno "abrigo" para as crianças desamparadas. A fama, nem sempre favorável da novel professora, encheu a cidade. 
A curiosidade popular tomou-se de espanto, num domingo de festa religiosa. Ela apareceu nas ruas com seus "alunos sem mães", em bando precatório. Moça e magra, modesta e altiva, aquela impressionante figura de mulher, que mendigava para filhos de escravas, tornou-se o escândalo do dia. Era uma mulher perigosa, na opinião de muitos. Seu afastamento da cidade principiou a ser objeto de consideração em rodas políticas, nas farmácias. Mas rugiu a seu favor um grupo de abolicionistas e republicanos, contra o grande grupo de católicos, escravocratas e monarquistas.
Com o decorrer do tempo, deixando algumas escolas maternais no Interior, veio para S. Paulo. Aqui entrou brilhantemente para o grupo abolicionista e republicano. Sua missão, porém, não era política. Sua preocupação maior era com as crianças desamparadas, o que a levou a fundar uma revista própria, intitulada "Álbum das Meninas", cujo primeiro número veio a lume a 30 de abril de 1898. O artigo de fundo tinha o título "Às mães e educadoras". Seu prestígio no seio do professorado já era grande quando surgiram a abolição da escravatura e a República. O advento dessa nova era encontrou Anália com dois grandes colégios gratuitos para meninas e meninos. E logo que as leis o permitiram, ela, secundada por vinte senhoras amigas, fundou o instituto educacional que se denominou "Associação Feminina Beneficente e Instrutiva", no dia 17 de novembro de 1901, com sede no Largo do Arouche, em S. Paulo.
Em seguida criou várias "Escolas Maternais" e "Escolas Elementares", instalando, com inauguração solene a 25 de janeiro de 1902, o "Liceu Feminino", que tinha por finalidade instruir e preparar professoras para a direção daquelas escolas, com o curso de dois anos para as professoras de "Escolas Maternais" e de três anos para as "Escolas Elementares".
Anália Franco publicou numerosos folhetos e opúsculos referentes aos cursos ministrados em suas escolas, tratados especiais sobre a infância, nos quais as professoras encontraram meios de desenvolver as faculdades afetivas e morais das crianças, instruindo-as ao mesmo tempo. O seu opúsculo "O Novo Manual Educativo", era dividido em três partes: Infância, Adolescência e Juventude.
Em 10 de dezembro de 1903, passou a publicar "A Voz Maternal", revista mensal com a apreciável tiragem de 6.000 exemplares, impressos em oficinas próprias.
A Associação Feminina mantinha um Bazar na rua do Rosário n.o. 18, em S. Paulo, para a venda dos artefatos das suas oficinas, e uma sucursal desse estabelecimento na Ladeira do Piques n.o. 23.
Anália Franco mantinha Escolas Reunidas na Capital e Escolas Isoladas no Interior, Escolas Maternais, Creches na Capital e no Interior do Estado, Bibliotecas anexas às escolas, Escolas Profissionais, Arte Tipográfica, Curso de Escrituração Mercantil, Prática de Enfermagem e Arte Dentária, Línguas (francês, italiano, inglês e alemão); Música, Desenho, Pintura, Pedagogia, Costura, Bordados, Flores artificiais e Chapéus, num total de 37 instituições.
Era romancista, escritora, teatróloga e poetisa. Escreveu uma infinidade de livretos para a educação das crianças e para as Escolas, os quais são dignos de serem adotados nas Escolas públicas.
Era espírita fervorosa, revelando sempre inusitado interesse pelas coisas atinentes à Doutrina Espírita.
Produziu a sua vasta cultura três ótimos romances: "A Égide Materna", "A Filha do Artista", e "A Filha Adotiva". Foi autora de numerosas peças teatrais, de diálogos e de várias estrofes, destacando-se "Hino a Deus", "Hino a Ana Nery", "Minha Terra", "Hino a Jesus" e outros.
Em 1911 conseguiu, sem qualquer recurso financeiro, adquirir a "Chácara Paraíso". Eram 75 alqueires de terra, parte em matas e capoeiras e o restante ocupado com benfeitorias diversas, entre as quais um velho solar, ocupado durante longos anos por uma das mais notáveis figuras da História do Brasil: Diogo Antônio Feijó.
Nessa chácara fundou Anália Franco a "Colônia Regeneradora D. Romualdo", aproveitando o casarão, a estrebaria e a antiga senzala, internando ali sob direção feminina, os garotos mais aptos para a Lavoura, a horticultura e outras atividades agropastoris, recolhendo ainda moças desviadas, conseguindo assim regenerar centenas de mulheres.
A vasta sementeira de Anália Franco consistiu em 71 Escolas, 2 albergues, 1 colônia regeneradora para mulheres, 23 asilos para crianças órfãs, 1 Banda Musical Feminina, 1 orquestra, 1 Grupo Dramático, além de oficinas para manufatura de chapéus, flores artificiais, etc., em 24 cidades do Interior e da Capital.
Sua desencarnação ocorreu precisamente quando havia tomado a deliberação de ir ao Rio de Janeiro fundar mais uma instituição, idéia essa concretizada posteriormente pelo seu esposo, que ali fundou o "Asilo Anália Franco".
A obra de Anália Franco foi, incontestavelmente, uma das mais salientes e meritórias da História do Espiritismo.