A salvação na floresta
Norte do Paraná serve de refúgio a
perseguidos
dos nazistas, entre eles um
menino que é
hoje vice-ministro de Finanças
da Alemanha
Lembrança
Geert Koch-Weser, hoje de volta à Alemanha, viveu na fazenda Veseroda entre
1934 e 1969 e ainda sente saudade dela
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Os
cabelos brancos como neve jogados para trás exibem uma fronte ampla com poucas
rugas e uma fisionomia tranqüila, mas ligeiramente severa. A expressão marcante
do rosto é dominada por olhos azuis muito claros, sugestivos, vivos. Olhos de
quem pôde chegar aos 94 anos com aparência de pouco mais de 80, depois de
atravessar, ora como testemunha, ora como ator, quase todo o século. O alemão
Geert Koch-Weser, nascido em 1905 numa pequena aldeia da região de Bremen
(Bremerhaven), nas margens do Rio Weser, mal consegue falar o português. Mas
demonstra forte emoção quando lembra "dos mais bonitos anos" de sua
vida, 35 ao todo, passados no norte do Paraná, onde ajudou a fundar o núcleo
agrário e, mais tarde, a cidade de Rolândia, a cerca de 40 quilômetros de
Londrina.
Resultado de uma das últimas levas da imigração alemã para o Brasil, iniciada
há 175 anos, ainda no Império, com a fundação de São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul, Rolândia tem uma história singular. Foi síntese e espelho dos dramáticos
anos 30 e 40. Começou como válvula de escape para o desemprego e a miséria que
grassavam na República de Weimar, enterrada em fevereiro de 1933 pela ascensão
de Hitler. Rolândia desenvolveu-se ao tornar-se um porto seguro para
intelectuais, religiosos, políticos e judeus perseguidos pelo nazismo.
Em 1930, dois jovens agrônomos alemães, amigos de infância em Bremen, se
encontraram nos Estados Unidos. Estavam de volta para casa. Geert vinha de
experiências na Rússia, China, Japão e Canadá. Oswald Nixdorf, dois anos mais
velho, chegara de Sumatra, na Indonésia, onde trabalhava com colonização.
Especializado em agricultura tropical, ele também se aventurara mundo afora, em
busca de experiência e sustento. "Disse a Nixdorf que meu pai, ministro na
Alemanha, precisava de alguém para iniciar um projeto de colonização no
Brasil", diz Geert, com uma lembrança ainda fresca, 70 anos depois.
Erich Koch-Weser, seu pai, deputado por um partido liberal e ministro do
Interior do governo alemão, era, desde 1929, presidente da Sociedade de Estudos
Econômicos do Ultramar. Criada em 1927, a instituição tinha como objetivo
encontrar saídas para o grande desemprego na Alemanha. Através dela, Erich
Koch-Weser negociou com os ingleses da Companhia de Terras Norte do Paraná a
compra de uma gleba para instalar a colônia alemã. "Em 1932, meu pai
enviou Nixdorf para que pudesse fazer os preparativos para a chegada dos
primeiros colonos", lembra Geert.
Nixdorf foi mais do que entronizador. A Mata Atlântica era fechada, as
condições de trabalho severas. "Para os colonos, a maioria desorientados,
ele foi um conselheiro muito camarada, altruísta e, com seu grande otimismo,
encorajador", disse Geert em depoimento sobre Rolândia para o Instituto
Hans Staden, em 1986. Ao todo, 400 famílias alemãs ou de origem alemã foram
para a região. A maioria era de colonos nascidos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Cerca
de 80 famílias, que chegaram entre 1932 e o início da Segunda Guerra, eram de
católicos, protestantes, políticos, intelectuais e judeus que fugiam do
nazismo. Entre eles, o próprio Erich Koch-Weser, o filho Geert e o mais jovem
deputado alemão da época, Johannes Schauff, ligado à hierarquia católica. Anos depois,
muitos fizeram o caminho de volta, como o próprio Geert, seu filho Caio
Koch-Weser, hoje vice-ministro de Finanças da Alemanha, e o amigo Bernd Nixdorf
(leia matéria).
Antes de deixar a Alemanha, em 1939, Schauff representava a empresa que
controlava a Companhia de Terras Norte do Paraná, a Parana Plantations, sediada
em Londres. Geert
lembra ter sido intermediário de uma operação concebida por Erich Koch-Weser ou
Oswald Nixdorf, conhecida como "operação triangular". Por ela, 25
famílias judias puderam escapar do destino trágico em campos de concentração.
Também foram beneficiados não-judeus. Com a intermediação da empresa,
indústrias alemãs vendiam aos ingleses material para a construção da ferrovia
que ligava a região à Alta Sorocabana. Os emigrantes pagavam o material, após
vender suas propriedades, e recebiam cartas com que podiam adquirir lotes na
colônia de Rolândia. "É comum vermos até hoje, no material ferroviário, registro
da procedência alemã", diz Klaus Nixdorf, filho de Oswald, morador de
Londrina.
Foi graças a essa operação que a família de Cláudio Kaphan pôde sair de
Sczezin, na Pomerânia, atual região polonesa, e fixar-se em Rolândia. Hoje com
73 anos, Kaphan tinha 10 quando chegou ao Brasil. "Como meu pai era
agricultor na Pomerânia, não tivemos tanta dificuldade para trabalhar a
terra", lembra Kaphan. Contrastavam com as outras famílias judias e
alemãs, chefiadas por representantes da intelectualidade berlinense. Mas o
futuro estava lançado e convinha adaptar-se. Como se adaptaram os herdeiros de
Schauff, entre eles o filho Nicolau e irmãos. Dono de fazenda em Rolândia,
Nicolau Schauff foi um dos fundadores de uma das mais bem-sucedidas
cooperativas agrícolas do país, a Corol, hoje presidida por um descendente de
italianos.
Ironicamente, quem mais teve de lutar para vencer a adversidade foi o precursor
Oswald Nixdorf. Enquanto a maioria ganhava dinheiro com o boom do café, na
década de 50, Nixdorf sustentou um processo de dez anos contra o Estado
brasileiro para reaver suas terras. Acusado durante a guerra de ser
representante do governo nazista, amargou a expropriação e seis meses de prisão
em Curitiba. Quando
conseguiu recuperar a fazenda, o boom do café havia passado. Até hoje existem
feridas abertas entre os que participaram da saga de Rolândia, embora elas já
não sangrem. Nixdorf é figura polêmica entre algumas famílias. Uma ampla
reconstituição histórica ainda está por ser feita.
Edmundo M. Oliveira, de Munique e
Rolândia