4 de maio de 2015

Poesias Coligidas Castro Alves

Poesias Coligidas
Castro Alves
                                                                


A EUGÊNIA CÂMARA

Ainda uma vez tu brilhas sobre o palco,

Ainda uma vez eu venho te saudar...

Também o povo vem rolando aplausos

Às tuas plantas mil troféus lançar...

 

Após a noite, que passou sombria,

A estrela-d'alva pelo céu rasgou...

Errante estrela, se lutaste um dia,

Vê como o povo o teu sofrer pagou...

 

Lutar!... que importa, se afinal venceste?

Chorar!... que importa, se lutaste um dia,

A tempestade se não rompe a estátua

Vê como o povo o teu sofrer pagou...

 

Lutar!... que importa, se afinal venceste?

Chorar!... que importa, se afinal sorris?

A tempestade se não rompe a estátua

Lava-lhe os pés e a triunfal cerviz.

 

Ouves o aplauso deste povo imenso

Lava, que irrompe do pop'lar vulcão?

É o bronze rubro, que ao fundir dos bustos

Referve ardente do porvir na mão.

 

O povo... o povo... é um juiz severo,

Maldiz as trevas, abençoa a luz...

Sentiu teu gênio e rebramiu soberbo:

- P'ra ti altares, não do poste a cruz.

 

Que queres? Ouve! - são mil palmas férvidas,

Olha! - é o delírio, que prorrompe audaz.

Pisa! - são flores, que tu tens às plantas,

Toca na fronte - coroada estás.

 

Descansa pois, como o condor nos Andes,

Pairando altivo sobre a terra e mar,

Poisa nas nuvens p'ra arrogante em breve

Distante... longe... mais além de voar.

 

               Recife, 1866

 

 

O POVO AO PODER

Quando nas praças s'eleva

Do Povo a sublime voz...

Um raio ilumina a treva

O Cristo assombra o algoz...

Que o gigante da calçada

De pé sobre a barrica

Desgrenhado, enorme, nu

Em Roma é catão ou Mário,

É Jesus sobre o Cálvario,

É Garibaldi ou Kosshut.

 

A praça! A praça é do povo

Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade

Cria águias em seu calor!

Senhor!... pois quereis a praça?

Desgraçada a populaça

Só tem a rua seu...

Ninguém vos rouba os castelos

Tendes palácios tão belos...

Deixai a terra ao Anteu.

 

Na tortura, na fogueira...

Nas tocas da inquisição

Chiava o ferro na carne

Porém gritava a aflição.

Pois bem...nest'hora poluta

Nós bebemos a cicuta

Sufocados no estertor;

Deixai-nos soltar um grito

Que topando no infinito

Talvez desperte o Senhor.

 

A palavra! Vós roubais-la

Aos lábios da multidão

Dizeis, senhores, à lava

Que não rompa do vulcão.

Mas qu'infâmia! Ai, velha Roma,

Ai cidade de Vendoma,

Ai mundos de cem heróis,

Dizei, cidades de pedra,

Onde a liberdade medra

Do porvir aos arrebóis.

 

Dizei, quando a voz dos Gracos

Tapou a destra da lei?

Onde a toga tribunícia

Foi calcada aos pés do rei?

Fala, soberba Inglaterra,

Do sul ao teu pobre irmão;

Dos teus tribunos que é feito?

Tu guarda-os no largo peito

Não no lodo da prisão.

No entanto em sombras tremendas

Descansa extinta a nação

Fria e treda como o morto.

E vós, que sentis-lhes os pulso

Apenas tremer convulso

Nas extremas contorções...

Não deixais que o filho louco

Grite "oh! Mãe, descansa um pouco

Sobre os nossos corações".

 

Mas embalde... Que o direito

Não é pasto de punhal.

Nem a patas de cavalos

Se faz um crime legal...

Ah! Não há muitos setembros,

Da plebe doem os membros

No chicote do poder,

E o momento é malfadado

Quando o povo ensangüentado

Diz: já não posso sofrer.

 

Pois bem! Nós que caminhamos

Do futuro para a luz,

Nós que o Calvário escalamos

Levando nos ombros a cruz,

Que do presente no escuro

Só temos fé no futuro,

Como alvorada do bem,

Como Laocoonte esmagado

Morreremos coroado

Erguendo os olhos além.

 

Irmão da terra da América,

Filhos do solo da cruz,

Erguei as frontes altivas,

Bebei torrentes de luz...

Ai! Soberba populaça,

Dos nossos velhos Catões,

Lançai um protesto, ó povo,

Protesto que o mundo novo

Manda aos tronos e às nações.

 

               Recife, 1864


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