28 de dezembro de 2016

A conquista dos pampas

A conquista dos pampas

Desde a criação da gaúcha São Leopoldo, no
início do século XIX, a imigração alemã
firmou uma tradição de pioneirismo
colonizador






Como antes
O tempo parece ter parado para o clã de Ignácio Stoffel (na frente, à dir.), que ainda prefere a tração animal

A cena se repete há quase um século, trocados apenas alguns personagens, sempre da família Stoffel. Em caso de força maior, o clã percorre o trajeto entre seu sítio, em Vila Rosa, e a cidade de Dois Irmãos, nas fraldas da Serra Gaúcha, empoleirado em uma carroça puxada por uma parelha de muares. Quatro gerações após a chegada dos primeiros antepassados ao Brasil, procedentes de Hunsrück, próximo à fronteira alemã com a França, os Stoffel ainda prescindem do automóvel, assim como comem do que plantam e vendem o excedente - quando existe.

Com isso, às vezes com certo aperto, vão tocando a propriedade rural, que já teve 70 hectares e está reduzida a 13, onde cultivam principalmente batata, milho, aipim, cebola e cana-de-açúcar. Mesmo assim, aos 71 anos, Ignácio Stoffel, o atual patriarca, não parece querer desistir.

Atraídos por indicações da agência de turismo do município e pelo interesse em conhecer os hábitos preservados dos primeiros imigrantes, os visitantes que costumam aparecer em Vila Rosa são recebidos no mínimo com um café e um dedo de prosa. Muitos vêm da Alemanha, que o anfitrião não chegou a conhecer, e partem dizendo-se impressionados com a qualidade de vida dos donos do lugar.

"Eles elogiam nossa comida farta e sentem inveja porque podemos plantar algumas frutas deliciosas que o clima muito frio da Alemanha não permite cultivar", conta. A hospitalidade é um traço cultural germânico herdado pela família, assim como o sotaque carregado, os olhos azuis e a pele clara avermelhada pelo sol, além da dedicação ao trabalho.

Faltou aos Stoffel, porém, desenvolver o gosto por aventura, mobilidade geográfica e pioneirismo, tão comum entre seus patrícios que os levou a comandar o desbravamento primeiro do sul e, nas últimas décadas, a extensão da fronteira agrícola em direção ao centro-oeste brasileiro.

São Leopoldo, no Vale dos Sinos gaúcho, foi o ponto de partida dessa saga iniciada em 1824 com a fundação da primeira colônia de imigrantes alemães no país, então recém-emancipado de Portugal. Por influência de José Bonifácio, dom Pedro I decidiu inaugurar com eles um programa de imigração para o sul movido não apenas por questões de segurança nacional, diante das sucessivas disputas territoriais naquela então erma região fronteiriça, como também por um casamento de interesses políticos, literalmente - filha de Francisco I, da Áustria, a imperatriz Leopoldina tinha sangue germânico.

A Alemanha de então era muito diferente da atual. Havia dezenas de reinados, principados, ducados, todos independentes, mas unidos precariamente pelo idioma, que viriam a ser unificados por Bismarck em 1871. Bem antes disso começou o êxodo, impulsionado pela escassez de terras que apenas garantia sua posse ao primogênito de cada família.

Desde a fundação de São Leopoldo, aproximadamente 300 mil alemães se instalaram no Brasil, mas nem sempre fixaram raízes num único lugar. Depois de colonizar o Rio Grande do Sul, ainda no século passado eles subiram para Santa Catarina, hoje o Estado com maior população de descendência alemã - mais de 20% do total -, e rumaram para o Espírito Santo, marcando também presença no Paraná e, em menor escala, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mais importante ainda, pelo caminho foram semeando descendentes e expressivas lideranças em todas as áreas da vida nacional.

Firmaram seu nome nessa galeria, entre outros, o ex-presidente Ernesto Geisel, Lauro Müller, ex-ministro da Viação do presidente Rodrigues Alves, João Henrique Böhm, chefe do Exército de dom José I no Brasil, empresários como Norberto Odebrecht e os Gerdau, jogadores de futebol e até estrelas da moda, como Xuxa Meneghel, Shirley Mallmann e Gisele Bündchen.



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