A conquista dos pampas
Desde a criação da gaúcha
São Leopoldo, no
início
do século XIX, a imigração alemã
firmou
uma tradição de pioneirismo
colonizador
Como
antes
O tempo parece ter parado para o clã de Ignácio Stoffel (na frente, à dir.),
que ainda prefere a tração animal
|
A
cena se repete há quase um século, trocados apenas alguns personagens, sempre
da família Stoffel. Em caso de força maior, o clã percorre o trajeto entre seu
sítio, em Vila Rosa, e a cidade de Dois Irmãos, nas fraldas da Serra Gaúcha,
empoleirado em uma carroça puxada por uma parelha de muares. Quatro gerações
após a chegada dos primeiros antepassados ao Brasil, procedentes de Hunsrück,
próximo à fronteira alemã com a França, os Stoffel ainda prescindem do
automóvel, assim como comem do que plantam e vendem o excedente - quando
existe.
Com isso, às vezes com certo aperto, vão tocando a propriedade rural, que já
teve 70 hectares
e está reduzida a 13, onde cultivam principalmente batata, milho, aipim, cebola
e cana-de-açúcar. Mesmo assim, aos 71 anos, Ignácio Stoffel, o atual patriarca,
não parece querer desistir.
Atraídos por indicações da agência de turismo do município e pelo interesse em
conhecer os hábitos preservados dos primeiros imigrantes, os visitantes que
costumam aparecer em Vila Rosa são recebidos no mínimo com um café e um dedo de
prosa. Muitos vêm da Alemanha, que o anfitrião não chegou a conhecer, e partem
dizendo-se impressionados com a qualidade de vida dos donos do lugar.
"Eles elogiam nossa comida farta e sentem inveja porque podemos plantar
algumas frutas deliciosas que o clima muito frio da Alemanha não permite
cultivar", conta. A hospitalidade é um traço cultural germânico herdado
pela família, assim como o sotaque carregado, os olhos azuis e a pele clara
avermelhada pelo sol, além da dedicação ao trabalho.
Faltou aos Stoffel, porém, desenvolver o gosto por aventura, mobilidade
geográfica e pioneirismo, tão comum entre seus patrícios que os levou a comandar
o desbravamento primeiro do sul e, nas últimas décadas, a extensão da fronteira
agrícola em direção ao centro-oeste brasileiro.
São Leopoldo, no Vale dos Sinos gaúcho, foi o ponto de partida dessa saga
iniciada em 1824 com a fundação da primeira colônia de imigrantes alemães no
país, então recém-emancipado de Portugal. Por influência de José Bonifácio, dom
Pedro I decidiu inaugurar com eles um programa de imigração para o sul movido
não apenas por questões de segurança nacional, diante das sucessivas disputas
territoriais naquela então erma região fronteiriça, como também por um
casamento de interesses políticos, literalmente - filha de Francisco I, da
Áustria, a imperatriz Leopoldina tinha sangue germânico.
A Alemanha de então era muito diferente da atual. Havia dezenas de reinados,
principados, ducados, todos independentes, mas unidos precariamente pelo
idioma, que viriam a ser unificados por Bismarck em 1871. Bem antes disso
começou o êxodo, impulsionado pela escassez de terras que apenas garantia sua
posse ao primogênito de cada família.
Desde a fundação de São Leopoldo, aproximadamente 300 mil alemães se instalaram
no Brasil, mas nem sempre fixaram raízes num único lugar. Depois de colonizar o
Rio Grande do Sul, ainda no século passado eles subiram para Santa Catarina,
hoje o Estado com maior população de descendência alemã - mais de 20% do total
-, e rumaram para o Espírito Santo, marcando também presença no Paraná e, em
menor escala, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mais importante ainda, pelo caminho
foram semeando descendentes e expressivas lideranças em todas as áreas da vida
nacional.
Firmaram seu nome nessa galeria, entre outros, o ex-presidente Ernesto Geisel,
Lauro Müller, ex-ministro da Viação do presidente Rodrigues Alves, João
Henrique Böhm, chefe do Exército de dom José I no Brasil, empresários como
Norberto Odebrecht e os Gerdau, jogadores de futebol e até estrelas da moda,
como Xuxa Meneghel, Shirley Mallmann e Gisele Bündchen.