A capital das flores
Meio século depois da chegada
ao Brasil, os holandeses formam no interior de São Paulo uma das mais
bem-sucedidas colônias do país
Festa
Piet Schoenmaker, o
coordenador do grupo de danças, chegou em 1959
Na tarde do dia 14 de julho
de 1948, ao fincar a primeira pá no solo da Fazenda Ribeirão, no município de
Mogi Mirim, 144 quilômetros ao norte de São Paulo, o imigrante holandês Geert
Heymeijer invocou ajuda divina. "Otrabalho que agora vamos iniciar é
difícil e de grande importância. Rezemos um pai-nosso", proclamou. Era o
começo da exploração das terras que viriam a se transformar, anos depois, em
Holambra, uma das mais sólidas colônias de imigrantes do Brasil. A cidade, cujo
nome é a junção das iniciais de Holanda, América e Brasil, abriga a maior
comunidade holandesa do país e é conhecida pela vasta produção de flores e
plantas ornamentais.
Não foi fácil no começo. Eles
chegaram à região depois do fim da Segunda Guerra Mundial para escapar das
dificuldades impostas pela destruição da Europa. As terras na Holanda ficaram
muito caras e a legião de desempregados não parava de crescer. OBrasil foi o
destino escolhido porque era um dos poucos países que aceitavam receber grupos
de estrangeiros, facilitando a formação de colônias. Outro ponto a favor:
deu-se prioridade a um país católico, porque a imigração era apoiada pela
Organização dos Lavradores e Horticultores Católicos da Holanda.
"Nossa chegada foi
cercada de problemas", recorda-se Wilhelmus Welle, de 85 anos, um dos
primeiros a se aventurar no novo país. "A língua era difícil, o clima
diferente e a região muito pobre, faltava tudo." Ao chegar à fazenda, os
imigrantes eram acomodados em casas de taipa. Não tinham móveis, eram
infestadas de cobras, aranhas e insetos. Os caminhões de mudança demoravam seis
semanas para ir do Porto de Santos a seu destino, e, no caminho, grande parte
dos pertences se quebrava. Welle lembra que os colonos brincavam à noite para
ver quem encontrava mais cobras debaixo da cama.
As dificuldades não se
restringiam à falta de conforto ou à nova realidade inóspita. A primeira
atividade econômica tentada pelos holandeses fracassou. A maior parte do
rebanho de 718 vacas trazidas da Europa não resistiu à febre aftosa e ao calor
tropical do interior paulista. Em pouco tempo, o gado estava dizimado.
"Alguns imigrantes desanimaram e resolveram voltar para a Holanda ou se
aventurar pelo sul do país", diz Catharine Welle Sitta, filha de Welle e
coordenadora do Museu da Imigração. A instituição, montada em um barracão ao
lado da primeira casa de taipa da fazenda, dispõe de um acervo de 2 mil fotos
que documentam a saga holandesa.
A situação só começou a
melhorar quando a fazenda foi dividida em lotes e os colonos, com apoio
financeiro do governo holandês, diversificaram a atividade produtiva. Passaram
a fabricar queijo e ração para animais, a criar aves e suínos e a plantar café
e milho. A produção era comercializada pela Cooperativa Agropecuária Holambra,
fundada pelos primeiros imigrantes. No final de 1950, a colônia holandesa era
composta de 649 pessoas. A tentativa de desenvolver a floricultura ocorreu em
1956, quando sementes de gladíolo, conhecido por palma-de-santa-rita, foram
trazidas da Europa. Mas a produção em grande escala só prosperou a partir da
segunda metade dos anos 60.
Floricultura
A produção anual é de 12
milhões de dúzias de rosas e 19 milhões de violetas
Hoje, Holambra concentra 30%
da produção de flores do país. Os 190 produtores do município cultivam mais de
250 espécies e 2 mil variedades de plantas. "Vendemos por dia 1.600 lotes
de flores por meio de leilões e 1.200 por contratos", diz Renato Opitz,
diretor-geral do Veiling, setor da cooperativa responsável pela
comercialização. "O mercado de flores tem crescido continuamente e já
movimenta R$ 1,2 bilhão no varejo", informa.
O sucesso da floricultura deu
ao município de 8.500 habitantes, dos quais 15% são holandeses ou descendentes,
uma qualidade de vida comparável à do Primeiro Mundo. Todas as casas estão
integradas às redes de água e esgoto, o índice de mortalidade infantil é de 5,9
(a taxa brasileira é de 36,1 crianças mortas por mil nascidas vivas) e o
consumo anual per capita de energia elétrica (1.300 kWh) é o maior do país. A
cidade lembra a terra natal dos imigrantes. É pontilhada de moinhos e as ruas
do centro dispõem de 5 quilômetros de ciclovia, um incentivo ao tradicional
hábito de pedalar dos holandeses. Na falta dos canais, Holambra é cortada por
dois lagos, nos quais a população pesca. As casas de tijolos aparentes e com
amplos jardins floridos também ajudam a recordar a Holanda.
Setembro é o mês ideal para
visitar a região e conhecer um pouco da cultura dos imigrantes. É quando
acontece a Expoflora, a maior exposição de flores do país, e 230 mil visitantes
invadem o pequeno município de 65 quilômetros quadrados. Um dos maiores
destaques é o grupo de danças folclóricas criado por Piet Schoenmaker, o
garoto-propaganda do evento. Os turistas podem experimentar a culinária típica,
visitar fazendas de flores e conhecer o maior borboletário do país, instalado
no Parque Ecológico Lindenhof.
Yuri Vasconcelos, em Holambra
Fotos: La Costa/Época
Volta
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