28 de outubro de 2010

Morte de Kirchner cria incertezas políticas




Líder de 60 anos era cotado para tentar novamente a presidência nas eleições de outubro de 2011


JUAN MABROMATA/AFP/JC

Político teve um ataque cardíaco

A Argentina perdeu ontem sua maior liderança política da última década. A delicada saúde do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, de 60 anos, marido da atual presidente, Cristina Kirchner, era fonte constante de preocupação para seus familiares e médicos. Considerado o real poder no governo da esposa, Kirchner estava em El Calafate, no extremo Sul da Argentina, passando o feriado nacional com sua esposa, quando se sentiu mal de madrugada, enquanto estava no meio de uma reunião em sua casa. Às 7h de ontem - em uma maca, acompanhado pela presidente Cristina - entrou no Hospital José Formenti. O ex-presidente sofreu um fulminante ataque cardíaco e foi declarado morto por volta das 9h30min.

Ao longo de 2009 e deste ano, Kirchner esteve internado em cinco oportunidades, entre as quais passou por duas angioplastias. O falecimento do ex-comandante do país foi anunciado pelo vice-presidente, Julio Cobos. O corpo do ex-presidente será velado hoje na Casa Rosada, sede do governo.

Natural da pouco povoada província de Santa Cruz, no Sul da Argentina, Néstor Kirchner foi o 54º presidente, entre maio de 2003 e dezembro de 2007, quando foi substituído por Cristina. Antes de ser eleito, foi prefeito de Río Gallegos (1987-1991) e governador da província de Santa Cruz (1991-2003). Em 2009 foi deputado federal pela província de Buenos Aires, com mandato de 10 de dezembro de 2009 até 10 de dezembro de 2013. No dia 4 de maio de 2010 foi escolhido pelos presidentes da Unasul como secretário-geral do grupo. Também foi eleito como presidente do Partido Justicialista (peronista), cargo ao que renunciou em 29 de junho de 2009 e voltou a ocupar em 11 de novembro de 2009, assumindo oficialmente em 10 de março deste ano.

A saúde de Kirchner era frágil, mas ele sempre tentava demonstrar o contrário temendo perder poder. Dois dias depois da última angioplastia sofrida, Kirchner apareceu em um ato político, como se nada tivesse ocorrido. Na Argentina, os líderes políticos têm o costume de evadir da responsabilidade de informar os cidadãos sobre seu real estado de saúde. Isso ocorreu com Carlos Menem e Fernando De la Rúa, por exemplo. O ex-presidente parecia gostar de se confrontar intensamente com seus adversários. Ele frequentemente rechaçava os avisos públicos para diminuir o ritmo de vida frenético, com eventos e discursos diários.

Sua morte já é vista por especialistas políticos como sendo passível de modificar o cenário político no país. Visto por muitos como a cabeça por trás da administração política e econômica da nação nos últimos anos, Kirchner era cotado para tentar novamente a presidência nas eleições de outubro de 2011. Com sua saída de cena, é provável que Cristina busque a reeleição.

“O país já tinha incertezas sobre o rumo político, mas agora essa situação aumenta. A Argentina parece estar condenada a viver entre a tragédia e o drama”, disse o analista político Eduardo Van der Kooy, do jornal Clarín, veículo com o qual os Kirchner travavam uma dura batalha e o consideravam inimigo. “O falecimento de Kirchner implica o desaparecimento do homem que liderava uma corrente forte (Frente para a Vitória) do Partido Justicialista e apresenta novas interrogações sobre a maneira como o kirchnerismo e a presidente vão processar essa ausência no último ano de mandato”, disse.


Recuperação econômica após crise deu a Néstor Kirchner 80% de aprovação
Néstor Kirchner sucedeu Eduardo Duhalde na presidência da Argentina. Impulsionado por promessas de recuperação econômica, de produção, de saúde e de educação, Kirchner conseguiu se destacar entre os demais candidatos e foi eleito em maio de 2003, no segundo turno, após a desistência do seu rival, o ex-presidente Carlos Menem.

Kirchner assumiu o cargo em 25 de março de 2003, ainda enfrentando as consequências da crise econômica iniciada em 2001, com o calote da dívida argentina e as sucessivas alterações no comando do país. Como presidente, manteve o ministro da Economia de seu antecessor, Roberto Lavagna, e também sua política econômica, priorizando a desvalorização da moeda com a compra de divisas pelo Banco Central e a elevação das exportações. O resultado foi um crescimento econômico com taxas próximas a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Lavagna deixou o cargo em novembro de 2005, após desavenças com Kirchner.

O ex-líder não era muito apreciado pelos investidores estrangeiros. As negociações sobre a reestruturação da dívida argentina, após o default de 2001, foram abertamente hostis, com Kirchner adotando uma postura de “pegar ou largar” para o acordo, finalmente fechado em 2005. Neste ano, essa troca foi reaberta para investidores que ainda possuem quase US$ 20 bilhões em bônus da dívida argentina. Ainda que a economia da nação, rica em recursos naturais, tenha avançado durante seu mandato, que coincidiu com o boom global das commodities, seu governo também foi marcado por políticas bastante intervencionistas. Assim, apesar das declarações públicas, o governo de Kirchner foi o que mais pagou dívidas ao FMI em toda a história argentina.

Kirchner deixou a presidência com um índice de aprovação de quase 80%, mas sua popularidade caiu nos últimos anos, com as últimas pesquisas indicando que ele era um dos políticos com maior rejeição no país. Apesar disso, seguia sendo popular e foi eleito deputado em 2009. Especialistas acreditam que Cristina, que vinha recuperando popularidade, após recordes de baixa no ano passado, deve receber mais apoio dos argentinos, em meio à simpatia pública pelo fato de ter ficado viúva.


Lula diz que colega argentino era aliado e amigo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que ficou sabendo da morte de Néstor Kirchner por meio do embaixador do Brasil na Argentina. Quando foi informado, participava de uma solenidade de inauguração de obras de ampliação do porto de Itajaí (a 93 km de Florianópolis). Segundo a nota divulgada pela presidência, a notícia deixou Lula “consternado”, pois considerava Néstor um “aliado e amigo”.

“Transmito, em nome de meu governo e do povo brasileiro, à presidente Cristina Kirchner nosso imenso pesar e solidariedade”, diz ainda a nota. Lula também anunciou luto oficial por três dias como “expressão dos sentimentos pela morte”.

O chanceler Celso Amorim lamentou a morte, manifestando seu choque e pesar. Em coletiva, declarou que se trata de uma perda para “toda a América do Sul”. Amorim afirmou que o legado de Kirchner deve-se não só ao seu papel como chefe de Estado argentino, mas também às importantes contribuições que deu para a integração do continente.

“Lamentamos muitíssimo, porque Kirchner, como presidente, ajudou a soerguer a economia argentina depois de um período muito grande de crise profunda, mas também lamentamos pelo homem, um chefe de Estado que se empenhou muito na boa relação com o Brasil, na boa relação pessoal com o presidente Lula, e, inclusive, na integração sul-americana”, observou, acrescentando que até como reconhecimento disso ele tinha sido, há pouco, nomeado secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas).

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