13 de junho de 2008


LENDAS GAÚCHAS





A Salamanca do Jarau

No tempo dos padres jesuítas, existia um moço sacristão no Povo de Santo Tomé, na Argentina, do outro lado do rio Uruguai. Ele morava numa cela de pedra nos fundos da própria igreja, na praça principal da aldeia.
Ora, num verão mui forte, com um sol de rachar, ele não conseguiu dormir a sesta. Vai então, levantou-se, assoleado e foi até a beira da lagoa refrescar-se. Levava consigo uma guampa, que usava como copo.
Coisa estranha: a lagoa toda fervia e largava um vapor sufocante e qual não é a surpresa do sacristão ao ver sair d'água a própria Teiniaguá, na forma de uma lagartixa com a cabeça de fogo, colorada como um carbúnculo. Ele, homem religioso, sabia que a Teiniaguá - os padres diziam isso!- tinha partes com o Diabo Vermelho, o Anhangá-Pitã, que tentava os homens e arrastava todos para o inferno. Mas sabia também que a Teiniaguá era mulher, uma princesa moura encantada jamais tocada por homem.
Aquele pelo qual se apaixonasse seria feliz para sempre.
Assim, num gesto rápido, aprisionou a Teiniagá na guampa e voltou correndo para a igreja, sem se importar com o calor. Passou o dia inteiro metido na cela, inquieto, louco que chegasse a noite.
Quando as sombras finalmente desceram sobre a aldeia, ele não se sofreu: destampou a guampa para ver a Teiniaguá. Aí, o milagre: a Teiniaguá se transformou na princesa moura, que sorriu para ele e pediu vinho, com os lábios vermelhos. Ora, vinho só o da Santa Missa. Louco de amor, ele não pensou duas vezes: roubou o vinho sagrado e assim, bebendo e amando, eles passaram a noite.
No outro dia, o sacristão não prestava para nada. Mas, quando chegou a noite, tudo se repetiu. E assim foi até que os padres finalmente desconfiaram e numa madrugada invadiram a cela do sacristão. A princesa moura transformou-se em Teiniaguá e fugiu para as barrancas do rio Uruguai, mas o moço, embriagado pelo vinho e de amor foi preso e acorrentado.
Como o crime era horrível - contra Deus e a Igreja! - foi condenado a morrer no garrote vil, na praça, diante da igreja que ele tinha profanado.
No dia da execução, todo o Povo se reuniu diante da igreja de São Tomé. Então, lá das barrancas do rio Uruguai a Teiniaguá sentiu que seu amado corria perigo. Aí, com todo o poder de sua magia, começou a procurar o sacristão abrindo rombos na terra, um valos
enormes, rasgando tudo. Por um desses valos ela finalmente chegou à igreja bem na hora em que o carrasco ia garrotear o sacristão. O que se viu foi um estouro muito grande, nessa hora, parecia que o mundo inteiro vinha abaixo, houve fogo, fumaça e enxofre e tudo afundou e tudo desapareceu de vista. E quando as coisas clarearam a Teiniaguá tinha libertado o sacristão e voltado com ele para as barrancas do rio Uruguai.
Vai daí, atravessou o rio para o lado de cá e ficou uns três dias em São Francisco de Borja, procurando um lugar afastado onde os dois apaixonados pudessem viver em paz. Assim, foram parar no Cerro do Jarau, no Quaraim, onde descobriram uma caverna muito funda e comprida. E lá foram morar, os dois.
Essa caverna, no alto do Cerro, ficou encantada. Virou Salamanca, que quer dizer "gruta mágica", a Salamanca do Jarau. Quem tivesse
coragem de entrar lá, passasse 7 Provas e conseguisse sair, ficava com o corpo fechado e com sorte no amor e no dinheiro para o
resto da vida.
Na Salamanca do Jarau a Teiniaguá e o sacristão se tornaram os pais dos primeiros gaúchos do Rio Grande do Sul. Ah, ali vive
também a Mãe do Ouro, na forma de uma enorme bola de fogo. Às vezes, nas tardes ameaçando chuva, dá um grande estouro numa
das cabeças do Cerro e pula uma elevação para outra. Muita gente viu

LENDAS GAÚCHAS







O Negrinho do pastoreio

Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria xucra e os veados e as avestruzes corriam sem empecilhos...
Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e meias-doblas e mais muita prataria;. porém era muito cauíla e muito mau, muito.
Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante; no invemo o fogo da sua casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entanguir gente, que a sua porta não se abria; no verão a sombra dos seu umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água das suas cacimbas.
Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade dar-lhe um ajutório; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro; farinha grossa e erva-caúna e nem um naco de fumo... e tudo, debaixo de tanta somiticaria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lonqueando...
Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino como uma mosca, para um bafo cabos- negros, que era o seu parelheirode confiança, e para um escravo, pequeno ainda, muito bonitinho e preto como carvio e a quem todos chamava somente o - Negrinho
. A este não -deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afiIhado da Virgem, Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.
Todas as madrugadas o Negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia os avios do chimarrão e à tarde sofria os maus tratos do menino, que o judiava e se ria.
Um dia, depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que a parada fosse para os pobres; o outro que não, que não? que a parada devia ser do dono do cavalo que ganhasse. E trataram: o tiro era trinta quadras, a parada, mil onças de ouro.
No dia aprazado, na concha da carreira havia gente como em festa de santo grande.
Entre os dois parelheiros a gauchada não sabia se decidir, tão perfeito era e bem lançado cada um dos animais. Do baio era fama que quando corria, corria tanto, que o vento assobiava-lhe nas crinas; tanto, que só se ouvia o barulho, mas não se Ihe viam as patas baterem no chão... E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais aguente, e que desde a largada ele ia ser como um laço que se arrebenta...
As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos contra rebanhos e redomões contra lenços.
- Pelo baiol Luz e doble!...
- Pelo mourol Doble e luz!...
Os corredores fizeram as suas partidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando o corpo, de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta...
- Empate! Empate! gritavam os aficionados ao longo da cancha por onde passava a parelha veloz, compassada como uma colhera.
- Valha-me a Virgem madrinha, Nossa Senhora! gemia o Negrinho. Se os sete-léguas perde, o meu senhor me mata! Hip! hip! hip!...
E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.
- Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!... retrucava o outro corredor. Hip! hip!
E cortava as esporas no mouro.
Mas os fletes corriam, compassados como numa colhera. Quando foi na última quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões.., mas sempre juntos, sempre emparelhados.
E as duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de supetão, pós-se em pé e fez uma cara-volta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passa, ganhando de luz aberta! E o Negrinho, de em um ginetaço.
- Foi mau jogo! gritava o estancieiro.
- Mau jogo! secundavam os outros da sua parceria.
A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de um torena coçou o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, maisn de um virou as esporas para o peito de pé... Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tiarajú, era um juiz macanudo, que já tinha visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem:
- Foi na le! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro. Quem perdeu, que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha.buscá-las. Foi na lei!
Não havia o que alegar. Despeitado e furioso, o estancieiro pagou a parada, à vista de todos, atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.
E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir tambeiros e leiteiras, côvados de baeta e baguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio. Depois as carreiras seguiram com os changueiritos que havia.
O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando, calado, em todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a meia espalda... O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.
E conforme apeou-se, da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.
Na madrugada saiu com ele e quando chegou no alto da coxilha falou assim:
- Trinta quadras. tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficará aqui pastoreando a minha tropilha de trinta tordilhos negros... O baio fica de piquete na soga e tu ficas de estaca!
O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pastando.
Veio o sol, veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O Negrinho, varado de fome e já sem força nas mãos, enleou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.
Vieram então as corujas e fizeram roda, voando, paradas no ar, e todas olhavam-no com os olhos reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se dele, paradas no ar, sem barulho nas asas.
O Negrinho tremia, de medo... porém de repente pensou na sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu.
E dormiu. Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou; passaram as Três-Marias; a estrela-d'alva subiu... Então vieram os guaraxains ladrões e farejam o Negrinho e cortaram a guasca da sogra. O bafo sentindo-se solto rufou a galope, e toda a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.
O tropel acordou o Negrinho; os guaraxains fugiram, dando berros de escárnio.
Os galos estavam cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que tapava tudo.
E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.
O menino maleva foi lá e veio dizer ao pai que os cavalos não estavam. O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.
E quando era já noite fechada ordenou-lhe que fosse campear o perdido. Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua,madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o coto de vela aceso em frente da imagem e saiu para o campo.
Por coxilhas e canhadas, na beira dos lagoões, nos paradeiros e nas restingas, por onde o Negrinho ia passando, a vela benta -ia pingando cera no chão: e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavarn tudo. O gado ficou deitado, os touros não escarvaram a terra e as manadas xucras não dispararam... Quando os galos estavam cantando, como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos. O Negrinho montou no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor Ihe marcara.
E assim o Negrinho achou o pastoreio. E se riu...
Gemendo, gemendo; o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mesmo instante apagamm-se as luzes todas; e sonhando com a Virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu. E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxúns ladrões; porém pior do que os bichos maus, ao clarear o dia veio o menino, fiIho do estancieiro e enxotou os cavalos, que se dispersaram, disparando campo afora, retouçando e desguaritando-se nas canhadas.
O tropel acordou o Negrinho e o menino maleva foi dizer ao seu pai que os cavalos não estavam lá...
E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou...
O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos, a um palanque e dar-lhe, dar-Ihe uma surra de relho... dar-lhe até ele não mais chorar nem bulir, com as carnes recortadas, o sangue vivo escorrendo do corpo... O Negrinho chamou pela Virgem sua madrinha e Senhora Nossa, deu um suspiro triste, que chorou no ar como uma música, e pareceu que morreu...
E como já era de noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estancieiro mandou atar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para as formigas devorarem-Ihe a carne e o sangue e os ossos... E assanhou bem as formigas; e quando elas, raivosas, cobriram todo o corpo do Negrinho e começaram a trincá-lo, é que então ele se foi embora, sem olhar para trás.
Nessa noite o estancieiro sonhou que ele era ele mesmo, mil vezes e que tinha mil filhos e mil negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes mil onças de ouro.., e que tudo isto cabia folgado dentro dem um formigueiro pequeno...
Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas.
Passou a noite de Deus e veio a manhã e o sol encoberto. E três dias houve cerração forte, e três noites o estancieiro teve o mesmo sonho.
A peonada bateu o campo, porém, ninguém achou a tropilha e nem rastro.
Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo.
Qual não foi o seu grande espanto, quando chegado perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam ainda!...
O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto, a tropilha dos trinta tordilhos.., e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a têm, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando que estava no céu...
Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.
E o Negrinho, sarado e risonho, pulando de em pêlo e sem rédeas, no baio, chupou o beiço e tocou a tropilha a galope.
E assim o Negrinho pela última vez achou o pastoreio. E não chorou, e nem se riu.
Correu no vizindário a nova dó fadário e da triste morte do Negrinho, devorado na panela do formigueiro.
Porém logo, de perto e de longe, de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia um milagre novo...
E era, que os posteiros e os andantes, os que dormiam sob as palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia - da mesma hora - de ter visto passa, como levada em pastoreio, uma tropilhade tordilhos, tocada por um Negrinho, gineteando de em pêlo, em um cavalo baio!...
Então, muitos acenderam velas e rezaram o Padre-nosso pela alma do judiado. Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma cousa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar da sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora, que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.
Todos os anos, durante três dias, o Negrinho desaparece: está metido em algum formigueiro grande, fazendo visita às formigas, suas amigas; a sua tropilha esparrama-se; e um aqui, outro por lá, os seus cavalos retouçam nas manadas das estâncias. Mas ao nascer do so do terceiro dia, o baio relincha perto do seu ginete; o Negrinho monta-o e vai fazer a sua recolhida; é quando nas estâncias acontece a disparada das cavalhadas e a gente olha, olha, e não vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.
Desde então e ainda hoje, conduzindo o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e risonho, cruza os campos, corta os macegais, bandeia as restingas, desponta os banhados, vara os arroios, sobe as coxilhas e desce às canhadas. O Negrinho anda sempre à procura dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados,. pelos seus donos, quando estes acendem um coto de vela, cuja luzele leva para o altar da Virgem Senhora Nossa, madrinha dos que não a têm.
Quem perder suas prendas no campo, guarde esperança: junto de algum moirão ou sob os ramos das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo - Foi por aí que eu perdi...
Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi!...
Se ele não achar: ninguém mais

AMOR




Quem já não tentou definir o amor?
Acho também ( como tantos) que o amor não se define.
O amor se ama.
O amor é.
O amor é.
O amor apenas é.
O amor é a vida com vida.
O amor é o convite à vida.
O amor é a própria vida.
O amor é.
Apenas é.
O amor é a plenitude do pleno.
É o vazio do deserto.
É o sorriso triste.
É a alegria do retorno saudoso.
É perder a fome. É querer ficar mais bonito.
É a busca de si em alguém. É o encontro de si em alguém.
É dádiva divina.
É a razão. É a paixão.
É a esperança. O sonho.
É a maior lição que podemos aprender.
É o melhor aprendizado que devemos ter.
É o renascer em si.
É a volta à infância.
É a pureza. É a nobreza.
O amor é.
É o reflexo da alma.
É a presença de Deus.
É a vida na Terra.
É a vida eterna.
É a vida...
É o amor...
O amor é...
Lilian Russo

NAMORADOS



Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namoro de verdade é
muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, lágrima, nuvem,
quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil.
Mas, namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito,
mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente
treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa
ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de
aflição. Quem não tem namorado, não é que não tem um amor: é quem não sabe o
gosto de namorar. Se você tem pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e
dois amantes, mesmo assim pode não ter um namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas,
medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem
transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa
é quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a
infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida,
fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas: de carinho escondido na
hora em que passa o filme: de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia
de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de
gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar
junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico
ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer
compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar
horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de
alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria
e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'agua, show do Milton
Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos e musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros,
quem não recorta artigos, quem não chateia com o fato de o seu bem ser paquerado. Não
tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana,
na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem
ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz
sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com
ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo,
e quem tem medo de ser afetivo. Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor
é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais leve,
aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras,
e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada, e coração estouvado,
saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e
sorria lírios para quem passe debaixo da janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como
se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uam névoa de borboletas,
cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteira: Se
você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer
a vida parar e de repente parecer que faz sentido. Enlou-cresça.


Carlos Drummond de Andrade

9 de junho de 2008

SAUDADE


SAUDADE
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.

Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Doem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.

Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é basicamente não saber. Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ela ainda usa aquela saia. Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada;
se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial; se ela aprendeu a estacionar entre dois carros; se ele continua preferindo Malzbier; se ela continua preferindo Margarita;
se ela continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor; se ela continua cantando tão bem; se ela continua detestando o Mc Donald's; Se ele continua amando; Se ela continua a chorar até nas comédias. Saudade é não saber mesmo!

Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos; Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.

É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.

Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer; Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

(Miguel Falabella

AMAR É


Amar é olhar para dentro de si mesmo e dizer:
Eu quero.

É viver intensamente.
É sonhar com uma gota de realidade
e realizar uma gota desse sonho.
É estar presente até na ausência.

Amar é ter em quem pensar.
É razão que ninguém teria razão para nos tirar.
É ser só de alguém e nunca deixar esse alguém só.
É pensar em você tão alto a ponto de você escutar.

Amar é ir até a morte.
É acordar para a realidade do sonho.
É vencer através do silêncio.
É ser feliz até com um pouco,
Quando muito não é bastante.

Amar é dar anistia ao seu coração.
É sonhar o sonho de quem sonha com você.
É sentir saudades.
É chegar perto na distância.

Amar é a força da razão.
É quando os momentos são eternos.

Amar é ser adulto e se sentir criança.
É viver a vida em versos e ao inverso.
É a maior experiência na vida de um homem...

Mas acima de tudo,
Amar é crer em Deus porque Deus é amor.
E você é tudo que um dia eu pedi pra mim.

(Autoria: Alberto Brizola)

QUANDO OS AMANTES DORMEM


QUANDO OS AMANTES DORMEM

Quando as pessoas se amam e
querem se amar, selam um pacto:
dormir juntas.

E quando se fala "dormir juntos" o
sentido é duplo:

Significa primeiro amar acordado
em plena vigília da carne, mas,
depois, na lassidão do pós-gozo,
deixar os corpos lado a lado,
à deriva, dormindo, talvez.

Na verdade, os amantes, quando
são amantes mesmo, mesmo
enquanto dormem se amam.

Agora ouço esses versos de Aragón
cantados por Ferrat:
"Durante o tempo que você quiser
Nós dormiremos juntos".

E penso. É um projeto de vida, dormir juntos, continuamente.
A mesma ambigüidade: dormir/amar
juntos, dormir/acordar juntos, ou
então, dormir/morrer de amor juntos.

Deve ser por causa disto que os franceses chamam o orgasmo de "pequena morte".

Deve ser por isto que os amantes julgam poder continuar amando mesmo
através da morte, como Inês
de Castro e D. Pedro, que foram
sepultados um diante do outro, para
que no dia do reencontro um
seja o primeiro que o outro veja.

Amor: um projeto de vida, um projeto
de morte.

Se numa noite dessas o vento da insônia soprar em suas frestas, repare no
corpo dormindo despojado ao seu lado.

Ver o outro dormir é negócio de muita responsabilidade.

Mais que ver as águas de um rio
represado gerando uma usina de sonhos,
é ver uma semente na noite pedindo um guardião.

Pode ser banal, mas é isto: amar é ser
o guardião do sonho alheio.

Os surrealistas diziam: o poeta enquanto dorme trabalha.
Pois os amantes enquanto dormem,
se amam.
Se amam inconscientemente, quando
seus desejos enlaçam raízes e seivas.

O pé de um toca o pé do outro, a mão espalmada corre sobre o lençol e toca
o corpo alheio e, dormindo,
se abraçam animados.

Quando isso ocorre, pode ter vários significados.
Talvez um tenha lançado um apelo
silencioso ao outro:
"Ajude-me a atravessar esse sonho",
ou:
"Venha, sonhe esse sonho comigo,
é bonito demais".

E o outro, às vezes, sem se mexer,
parte em seu socorro.

É que certos sonhos, sobretudo os de
quem ama, não cabem num só corpo.

Transbordam os poros da noite e
pedem cumplicidade.

E se há um pesadelo, aí um se agarra
ao tronco do outro na crispação
do instante, e o corpo do parceiro é
bóia na escuridão.

Por isto, no ritual do casamento,
quando o sacerdote indaga se os que
se amam sabem que terão que se
socorrer na saúde e na doença, na
opulência e na miséria etc...

Deveria se inserir um tópico a mais
e advertir:
... Amar é ser cúmplice do sonho alheio.
Passar a metade da vida dormindo a
o lado do outro.

Há pessoas que vivem 25 anos -
bodas de prata,
50 anos - bodas de ouro, 75 anos -
bodas de diamante;
Ao lado do outro, e não sabem com
que o outro sonha.

E há quem passe uma tarde, uma
noite ou uma temporada ao lado de
um corpo e sabe seus sonhos
para sempre.

Engana-se quem escuta o silêncio
no quarto dos que amam.

Estranhos rumores percorrem o
sonho alheio.
Não é o rugir do tigre pelas brenhas.
Não é o bater das ondas na enseada.
Nem os pássaros perfurando
a madrugada.

São os sonhos dos amantes em plena elaboração.
E se numa noite dessas o vento da
insônia de novo soprar em suas
frestas, olhe pela janela os muitos apartamentos
onde pulsam dormindo
os amorosos.
Quando se compra um apartamento
novo, nas alturas, alguns compram
lunetas e ficam vasculhando a vida
alheia.

Mas para ouvir o ruído dos sonhos
basta abrir os ouvidos na escuridão.
Os sonhos pulsam na madrugada.

Era uma vez um chinês que toda vez
que sonhava com sua amada
acordava perfumado.

Deve ser por isso que, ainda hoje,
o quarto dos amantes amanhece
com um perfume de almíscar, lavanda
e alfazema.

E é comum achar troféus dos sonhos
ao pé da cama de quem ama.
Quando se abre a pálpebra do dia,
aí pode-se ver um unicórnio de ouro
e uma coroas de rubis.

À noite os sonhos dos amantes
se cristalizam e de dia se liqüefazem
em beijos e lágrimas.

Quem ama diz boa-noite como quem abre/fecha a porta de um jardim.
Não apenas como quem viaja, mas
como quem vai para a colheita.
Quando se ama, acontece de um
habitar o sonho do outro,
e fecundá-lo.

(Autoria: Affonso Romano de Sant'Anna)