21 de março de 2008

OUTONO

Foi um amor
acima de tudo.
Angustiado,
mas era belo.
Porque também era eterno
porque vestiu carinhos
porque era alegre e triste
e se perdeu no abandono.
De mãos que buscavam
de olhos que diziam
de bocas insatisfeitas
no calor de um só momento.
Tudo é frio e cinzento
uma chuva pequenina
lava meu passado
e as folhas, levadas pelo vento
vão caindo lentamente... no chão
em que caminho
é um outono de sensações,
desagregações de sonhos
pedaços do que senti
e no fim que se aproxima
restará outra vez
aquela amplidão imensa
o espaço sem limites
de sensações sem eco.
Eu te peço perdão, meu anjo
pela angústia que ficará comigo!

(Glácia Daibert)

Amanhã

Amanhã! - é o sol que desponta,
É a aurora de róseo fulgor,
É a pomba que passa e que estampa
Leve sombra de um lago na flor.

Amanhã! - é a folha orvalhada,
É a rola a carpir-se de dor,
É da brisa o suspiro, - é das aves
Ledo canto, - é da fonte - o frescor.

Amanhã! - são acasos da sorte;
O queixume, o prazer, o amor,
O triunfo que a vida nos doura,
Ou a morte de baço palor.

Amanhã! - é o vento que ruge,
A procela d'horrendo fragor,
É a vida no peito mirrada,
Mal soltando um alento de dor.

Amanhã! - é a folha pendida.
É a fonte sem meigo frescor,
São as aves sem canto, são bosques
Já sem folhas, e o sol sem calor.

Amanhã! - são acasos da sorte!
É a vida no seu amargor,
Amanhã! - o triunfo, ou a morte;
Amanhã! - o prazer, ou a dor!

Amanhã! - o que val', se hoje existes!
Folga e ri de prazer e de amor;
Hoje o dia nos cabe e nos toca,
De amanhã Deus somente é Senhor!

(Gonçalves Dias)

MADRIGAL MELANCÓLICO

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma

ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é A VIDA !!!

(Manuel Bandeira)

SENTIR PRIMEIRO

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois


(Mário Quintana)

O CONVITE

Não me interessa saber
como você ganha a vida.
Quero saber o que mais deseja
e se ousa sonhar em satisfazer
os anseios do seu coração.

Não me interessa saber
a sua idade.
Quero saber se você
correria risco de parecer tolo
por amor, pelo seu sonho,
pela aventura de estar vivo.
O que eu quero saber
é se você já foi até o fundo
de sua própria tristeza,
se as traições da vida
o enriqueceram ou se você se retraiu
e se fechou, com medo de mais dor.

Quero saber
se você consegue conviver
com a dor, a minha ou a sua,
sem tentar escondê-la,
disfarçá-la, remediá-la.

Quero saber se você
é capaz de conviver com a alegria,
a minha ou a sua,
de dançar com total abandono
e deixar o êxtase penetrar até a ponta
dos seus dedos...
... sem nos advertir
que sejamos cuidadosos,
que sejamos realistas,
que nos lembremos das limitações
da condição humana.

Não me interessa saber
se a história que você me conta é verdadeira.
Quero saber se é capaz
de desapontar o outro
para se manter fiel a si mesmo.

Se é capaz de suportar
uma acusação de traição
e não trair sua própria alma,
ou ser infiel e, mesmo assim,
ser digno de confiança.
Quero saber se você
consegue viver com o fracasso,
o seu e o meu,
e ainda assim pôr-se de pé
na beira do lago e gritar
para o reflexo prateado
da lua cheia:
Sim !

Não me interessa saber
onde você mora ou quanto dinheiro tem.
Quero saber se, após uma noite de tristeza e desespero, exausto e ferido até os ossos,
é capaz de fazer o que precisa ser feito
para alimentar seus filhos.

Não me interessa o que você conhece
ou como chegou até aqui.
Quero saber se vai permanecer
no centro do fogo comigo sem recuar.

Não me interessa onde, o que
ou com quem estudou.
Quero saber o que sustenta,
no seu íntimo, quando tudo mais
desmorona.

Quero saber se você é capaz de ficar só
consigo mesmo
e se nos momentos vazios
realmente gosta de sua companhia.

(Oriah Mountain Dreamer)

Lua de amor

Lua de amor.
Lua de paixão.
Nesta lua a brilhar.
Tenho a paixão.
De teu olhar.

Tenho o teu querer.
Que a mim, sabe chegar.
Como a luz a energizar..
O aquecer que vem do
sol
O aquecer que me conforta.

Que minha vida preenche.
Num preencher que aquece.
E neste aquecer.
Permaneço, pois a ti
Quero, amar!

Um amor verdadeiro.
Onde a luz que aquece.
É a mesma de teu olhar.
Quero contigo ficar.
Sentir tuas mãos.
A me acariciar.

Suas mãos que me percorrem.
Na magia do luar.
Desvendando os caminhos.
Que a ti, levarão.
Numa rota única, perfeita.
Onde o eu e o tu.
Fundem-se,
Formando o nós.

(Marici Bross)

As Sem-Razões do Amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

(Carlos Drummond de Andrade )